Pim Pam Pum!
Bacalhau Story Centre ou Centro da História do Bacalhau? Desenganem-se os optimistas: a distribuição de subsídios é que garante clientelas. É ela a única política cultural indígena.
Com o ar sorridente e disciplinado de quem nunca tem dúvidas, o sr. Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, disse há dias que ainda não sabe se vai haver um Bacalhau Story Centre ou um Centro da História do Bacalhau. Acrescentou mesmo, um pouco enfadado: “Temos de ver se o nome fica em inglês ou português”.
É uma dúvida que quase o eleva a um personagem de Shakespeare, o incomparável Hamlet. Nada que admire. Deve, ou não, um museu, ou outra coisa qualquer, ter o nome em inglês, para atrair mais turistas, ou em português, já que qualquer dia não há alfacinhas em Lisboa? A resposta, para o sr. Medina, parece ser óbvia: A seguir, para atrair mais turistas, e eles se sentirem em casa, como se estivessem no seu sofá com chinelos de feltro e a comer pipocas, deve Lisboa passar a designar-se como Lisbon ou Lisbonne? Há, claro, o reverso desta medalha de chumbo: se Portugal não tem orgulho na sua própria língua, é porque considera que é uma cultura periférica, chata e dispensável. O desprezo pela língua portuguesa é o mesmo que desprezar a Cultura nacional.
Ninguém parece ter-se indignado com a dúvida existencial do sr. Medina. Afinal estamos cercados de Websumits e de Black Fridays. Mas a simples dúvida faz-nos recordar que lá por fora a Unesco promulgou o Dia Mundial da Língua Portuguesa e que se tenta que o português seja língua de trabalho da ONU.
Quando abrimos os braços ao inglês como exemplo de “modernidade”, está tudo explicado como a nossa pretensa elite olha para uma cultura milenar. Como não falava, Harpo Marx usava uma buzina para se exprimir. Todos percebiam melhor as suas emoções do que quando se escutam, nestes dias líquidos, muitos dos que se contorcem a ensaiar exasperantes bocejos sobre a Cultura.
O que dizem fica a meio termo entre uma buzina, uma sirene e um martelo pneumático. Depois do ruído fica-se sempre com a noção de que eles próprios estão perdidos no seu labirinto. A importância que o sector político devota à Cultura ficou plasmado nos seus programas e nos debates eleitorais das últimas eleições: um imenso vazio de ideias. Nada que admire. A xaranga continuou e está instalada, como uma comédia do velho Parque Mayer: só os “compères” são outros.
Recentemente, na Assembleia da República, assistiu-se a mais um dos cativantes debates sobre a Cultura nacional. Poder e oposição, decidicaram-se ao clássico jogo da cabra-cega, em que um dos participantes, de olhos vendados, procura adivinhar onde estão os outros e quer agarrá-los.
Aqui, numa comovente alteração de regras, estavam todos com os olhos vendados. Hipnotizados pelo “desígnio nacional”, uma macumba em que se julga que com 1% do OE se resolverão os males da Cultura. Enfeitiçados, todos olham para a Cultura apenas como um dote. Isto é, um bolo-rei de subsídios. O fundamental não se discute, mas também o que se pode esperar? As ideias originais não existem, as que se debitam são emprestadas, e o subsídio é uma agradável e fácil sopa dos pobres.
Que importa que não haja uma política para o livro (para apoiar a edição face a uma complexa e predatória distribuição) num contexto onde a leitura é cada vez mais um reduto de resistentes? Para quê discutir a autonomia de museus que vivem à míngua de tostões? Porquê gastar tempo a trocar ideias fortes sobre uma estratégia integrada do audiovisual, que lhe possa abrir novas fronteiras? Isto, entre tantas outras coisas estruturantes.
Desenganem-se os optimistas: a distribuição de subsídios é que garante clientelas. É ela a única política cultural indígena. Costuma dizer-se que a avestruz, quando se vê em perigo, afunda a sua preciosa cabeça na terra. Fica com a ilusão de que, se ela não vê, também não será vista. A generalidade dos partidos políticos comporta-se perante a Cultura da mesma forma que uma avestruz: enterram a sua cabeça, abanam as asas, e esperam que elas se transformem em notas de euro em contacto com o vento. Todos têm medo da Cultura. E, assim, preferem brincar à cabra-cega.
Sugestão da semana
Yves Sente, Teun Berserik e Peter Van Dongen agarram no talento de Edgar P. Jacobs e continuam as fantásticas aventuras de Blake & Mortimer, um dos símbolos maiores da escola franco-belga de Banda Desenhada. O resultado, cativante, está aí: o segundo volume de “O Vale dos Imortais” (edição Asa).
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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