Povo russo não tolera derrotas
Muito como na França de Napoleão do século XIX, também o regime político de Vladimir Vladimirovich só se mantém enquanto Putin for capaz de ganhar guerras.
Com a Guerra na Ucrânia aquém das expectativas da Federação Russa devemos começar a ponderar aquilo que uma possível derrota significará para o regime de Vladimir Putin. Caso o desfecho da guerra seja um em que a Rússia não consegue alcançar uma vitória, o regime não vai ter o capital político necessário para continuar a exercer controlo sobre a população e, mais importante ainda, sobre as forças armadas.
O povo russo sempre se viu como sendo um Império, logo a sua predisposição para tolerar derrotas sempre foi muito baixa. É por este fator que cada regime, que marcou as diferentes eras da história russa foi deposto no rescaldo, seja este imediato ou tardio, de derrotas militares: Czar Nicolau II com a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 e derrotas militares na 1ª Guerra Mundial; União Soviética com a Guerra do Afeganistão de 1979-1989 e a consequente perda da Guerra Fria. Desta forma, podemos afirmar que falhanço militar precipita revoluções uma vez que tais falhanços são evidência de fragilidade do regime vigente bem como de debilidades internas, coisas que fortalecem as oposições.
No caso em que a guerra na Ucrânia culmine numa derrota para as forças invasoras, o possível desmoronamento do regime pode dar azo a mais um período de violência dentro da Rússia, visto que Putin e o seu cabal de ‘siloviki’ [palavra russa para “homens de força” usada para se mencionar ao círculo interno de Putin] não se vão deixar cair pacificamente após terem décadas para entrincheirarem a sua influência no seio do Kremlin.
Vladimir Putin sabe que a perda da guerra pode soletrar o fim da sua administração e, por isso, o governo russo ajustou a sua posição na invasão desde o final de Março e início de Abril – encetou uma nova fase na guerra, em que avançam de forma mais metódica e calculada, e que está assente num novo objetivo. Ou seja, vai mudando as metas da guerra à medida que o conflito se desenrola na expectativa de obter algo que a sua máquina de propaganda consiga vender à população russa como uma vitória, neste caso a “libertação” da região de Donbass; a queda de Mariupol (sede do batalhão Azov); que lhes permitiria afirmar que ‘desnazificaram’ a Ucrânia; e a possível tomada do sul do país vizinho, unindo Odessa à Crimeia por terra.
A componente de propaganda russa, de momento, joga um papel muito importante sobre a perceção que a população tem sobre o rumo da guerra, mas as mentiras não conseguem ser sustentadas durante muito mais tempo. A aprovação de Vladimir Putin vai sofrer muito quando a realidade da situação for do conhecimento dos cidadãos russos. Efetivamente, o homem que venceu na Chechénia e na Síria não se está a revelar capaz de vencer a guerra na Ucrânia e a sua imagem de mestre estratego está a desmoronar-se, o que lhe pode custar caro politicamente.
Termino com uma analogia que considero intemporal para regimes assentes no caráter do seu líder: Muito como na França do século XIX, em que o regime de Napoleão só subsistia na medida em que o general Bonaparte era capaz de arrecadar vitórias em prol da sua nação, também o regime político de Vladimir Vladimirovich só se mantém enquanto Putin for capaz de ganhar guerras. Isto é, em casos políticos onde o futuro do país depende do caráter dual do seu líder, (ou neste caso autocrata) quando este perde a sua componente militar, o regime segue-se.
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