Promovalor. O negócio do pai, do filho e do Espírito Santo
Luís Filipe Vieira e o filho conseguiram empréstimos de milhões de euros junto do Banco Espírito Santo. Não pagaram. O Novo Banco resolveu fazer uma reestruturação simpática da dívida.
A Comissão de Inquérito ao Novo Banco transformou-se numa espécie de passadeira vermelha onde todas as semanas vai um devedor falar sobre a dívida que não pagou ao Banco Espírito Santo/Novo Banco. Por falar em vermelho, esta segunda-feira é a vez de Luís Filipe Vieira, o presidente do Benfica, explicar o negócio e as dívidas da sua empresa Promovalor ao Novo Banco.
Estas audições têm mostrado que o antigo BES, com a complacência da supervisão flácida do Banco de Portugal, dava créditos, a torto e a direito (mais a torto do que a direito), a grupos empresariais sem capacidade financeira para honrar os seus compromissos.
A crise pôs a nu vários desses créditos mal dados. Como diz o investidor e filantropo norte-americano Warren Buffett, “quando a maré baixa é que se vê quem estava a nadar sem calções”. Exemplos não faltam de empresários que andaram a nadar sem calções: Luís Filipe Vieira da Promovalor, Nuno Vasconcellos da Ongoing, Moniz da Maia da Sogema, João Gama Leão da Prebuild ou Joe Berardo da Metalgest.
Há um ditado na banca que diz que se deve 1.000 euros ao banco, o problema é seu; mas se deve 100 milhões o problema já é do banco. Estes grupos empresariais deviam muitas centenas de milhões de euros ao BES, dívida que entretanto transitou para o Novo Banco. Como o BES foi resgatado, o problema dos calotes deixou de ser do banco e passou a ser nosso, dos contribuintes.
É neste papel de contribuintes, que já injetaram 9 mil milhões de euros no Novo Banco, que temos o direito e o dever de colocar perguntas sobre estes créditos de favor dados no tempo do BES e de reestruturações simpáticas e duvidosas feitas no tempo do Novo Banco.
Um destes créditos milionários foi o dado ao grupo Promovalor de Luís Filipe Vieira. Quando o BES colapsou, Vieira era um dos maiores devedores do banco, com uma dívida superior a 400 milhões de euros relacionada com vários negócios do ramo imobiliário, dívida essa que transitou para o Novo Banco.
No final de 2017, Luís Filipe Vieira e o filho foram bater à porta da Capital Criativo, uma empresa de Nuno Gaioso Ribeiro, na altura vice-presidente do Benfica, pedindo ajuda por causa do crédito em dívida do Novo Banco. Esta empresa, — da qual eram acionistas o filho de Luís Filipe Vieira e a própria Promovalor de Luís Filipe Vieira, — desenhou um esquema de recuperação de crédito que passava pela criação de um Fundo de Investimento Alternativo Especializado que ficaria com parte das dívidas de Luis Filipe Vieira junto do Novo Banco.
Este negócio (ou negociata) foi proposto ao Novo Banco que, pronta e alegremente, o aceitou, com a mesma leviandade com que tem feito todo o processo de recuperação de créditos do antigo BES. Porque sabe que mesmo perdendo dinheiro, no final do dia, os contribuintes lá estarão para cobrir as perdas através do Mecanismo de Capital Contingente.
Este negócio levanta várias dúvidas
Luís Filipe Vieira teve um tratamento de favor? Um outro devedor qualquer do Novo Banco teria direito a este tratamento creditício VIP?
A segunda questão que importa fazer é se o interesse público está a ser defendido com este negócio? Uma venda rápida dos ativos imobiliários da Promovalor não geraria maior encaixe para o Novo Banco, tendo em conta que estas vendas seriam feitas antes da pandemia? Não é esta a estratégia de fire sale que o Novo Banco está a seguir para todos os outros ativos cobertos pelos Mecanismo de Capital Contingente? Porque é que este crédito teve um tratamento diferente?
Uma alternativa seria a execução forçada da dívida. O Novo Banco não ficaria melhor servido? Tendo em conta que o tal Fundo de Investimento Alternativo Especializado já está a perder imenso dinheiro com os imóveis e terrenos em Portugal, no Brasil e em Moçambique, diria que a resposta é capaz de ser afirmativa.
Uma outra questão que vale a pena ser levantada é se não existe aqui uma promiscuidade e uma situação de conflito de interesse pelo facto de Tiago Vieira e da Promovalor de Luís Filipe Vieira terem sido acionistas da Capital Criativo, a empresa do antigo dirigente do Benfica Nuno Gaioso de Ribeiro, na altura em que esta empresa foi bater à porta do Novo Banco a propor este negócio?
À partida diríamos que não. O interesse de todos está aparentemente alinhado: se houver uma recuperação de ativos, ganham todos: o banco, o devedor e a sociedade gestora através das comissões. Mas imaginemos que surge, por exemplo, uma proposta de venda de um hotel que pertence ao fundo, mesmo com menos-valias. Para o Novo Banco, que tem de cumprir rácios de capital e pode imputar essas perdas ao Mecanismo de Capital Contingente, poderia ser um bom negócio. Para a Promovalor poderia ser um mau negócio, já que Luís Filipe Vieira apenas ganha se o fundo recuperar todo o crédito a longo prazo e distribuir o remanescente (75%) pelo devedor.
Neste caso o que faria a sociedade gestora? Defenderia os interesses do credor, do Novo Banco que tem 95,89% do fundo? Ou defenderia o interesse da Promovalor, que é antiga acionista do Fundo e que lhe arranjou este negócio?
O Fundo de Resolução entretanto já pediu uma auditoria a este negócio criativo feito pela Capital Criativo. E fez bem. Convenhamos que é preciso muita fé para acreditar na bondade deste negócio do pai, do filho e do Espírito Santo.
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