Publicidade: persuasão ou informação?
A visão dominante na publicidade é que os anúncios funcionam porque convencem as pessoas a comprar. Mas a realidade pode ser razoavelmente diferente.
Estamos numa era em que a publicidade atingiu o estatuto de ciência. É baseada em princípios fixos e é razoavelmente exacta. As causas e efeitos foram analisados até serem bem entendidos. Os métodos corretos de procedimento estão provados e estabelecidos. Sabemos o que é mais eficaz e agimos de acordo com uma lei básica. A publicidade, outrora uma aposta, tornou-se, sob uma direção capaz, um dos empreendimentos mais seguros.”
Esta frase é o começo do livro que é o maior best seller de sempre na área da publicidade. Vendeu mais de 8 milhões de cópias. O livro chama-se Scientific Advertising e foi escrito por Claude Hopkins em 1923.
Praticamente cem anos depois, vivemos na ilusão de que a tecnologia e os dados de que dispomos nos dão um conhecimento superior. Mas a realidade é que os métodos utilizados hoje no marketing não são muito diferentes da medicina do século XIX em que o tratamento de eleição era a sangria dos doentes, o que causava frequentemente a sua morte.
Para tentarmos perceber como funciona a publicidade temos de responder a várias perguntas que não são nada simples. Uma delas é se a publicidade funciona como forma de persuasão ou como fonte de informação. No primeiro caso, a publicidade seduz as pessoas a comprar produtos mesmo que não estejam interessadas neles. No segundo caso, a publicidade é uma fonte desejável e útil de informação que ajuda as pessoas a comprarem um produto no qual já têm interesse.
Está interessado em fazer um crédito à habitação? Talvez uma boa forma de começar a sua pesquisa seja ver os anúncios dos bancos para saber qual a taxa de juro cobrada, o prazo permitido e os encargos associados.
São duas formas diferentes de ver o mundo que dão origem a duas filosofias de publicidade muito distintas. Uma é centrada no produto e o anunciante tende a interromper as pessoas, numa tentativa de as convencer a comprar algo de que provavelmente não precisam. Outra é centrada nas pessoas e o anunciante assume que os consumidores têm total autonomia e controlo sobre as suas escolhas, optando por fornecer informação quando e onde as pessoas precisam.
Atualmente, basta navegar dois minutos pela internet para perceber que a versão dominante é a da persuasão, com os anunciantes a darem o seu melhor para nos interromper e perseguir na tentativa de nos convencer da superioridade dos seus produtos. Paradoxalmente, a tecnologia que poderia ser instrumental para melhorar a publicidade, até ao momento, só tem piorado as coisas ao aumentar o nível de sofisticação com que somos perseguidos e assediados.
E não é de estranhar que toda a indústria esteja também montada na mesma lógica. O Interactive Advertising Bureau (IAB), que é responsável por criar standards e métricas para a publicidade online, tem regras que só fazem sentido quando a lógica de interrupção é a que vigora. A IAB considera que um banner de publicidade foi visto desde que pelo menos 50% da sua área tenha estado visível no computador (ou tablet ou telefone) durante o período de um segundo. Ou seja, se tivermos metade de um banner ao alcance da nossa vista durante um segundo, o anunciante pode dar o seu dinheiro por bem empregue.
Se acreditarmos nesta visão, coisas como a possibilidade de fazer fast forward nos anúncios de televisão e os adblockers na internet já tinham destruído por completo o modelo de publicidade atual. A lógica é simples: os adblockers na net e a possibilidade de não ver anúncios na televisão diminui consideravelmente o número de pessoas expostas à publicidade. Se há menos pessoas expostas à publicidade, há menos pessoas para persuadir, logo há menos vendas de produtos. Mas tudo indica que os principais anunciantes continuam a vender o mesmo ou mais.
A explicação é simples: as pessoas que têm interesse em ver a publicidade para se informar sobre os produtos não fazem fast forward e as pessoas que não têm interesse no produtos limitam-se a ignorar a publicidade. Mas sempre tiveram a opção de o fazer. A diferença é que antes aproveitavam os intervalos comerciais para falar com amigos e família, muitas vezes ao telefone, para beberem água ou para irem à casa de banho. Num curso de marketing que fiz em Stanford no início dos anos 2000, o dado mais interessante que retenho até hoje é que o caudal dos esgotos na cidade de Nova Iorque aumentava drasticamente nos intervalos da televisão, no momento exacto em que estavam a passar os anúncios, dando um novo significado à expressão: “Ver o investimento a ir pelo cano abaixo.”
Talvez um dos efeitos mais perversos desta visão da publicidade como forma de persuasão é que deixa as marcas numa permanente mentalidade de campanha e cegas para outras possibilidades.
Há uma série de anos, trabalhámos com um cliente da nossa agência numa forma diferente de fazer publicidade. O produto era complexo, tinha uma multiplicidade grande de compradores e um ainda maior número de motivadores para a compra. O cliente ia apostar numa campanha de publicidade tradicional (de pura persuasão), mas pediu-nos para montarmos uma série de conteúdos informativos que ajudassem as pessoas a decidir se o produto era o ideal para elas. Com base nisso, construímos diferentes tipos de artigos, vídeos e testes que respondiam ao grande número de dúvidas que as pessoas poderiam ter sobre o produto e que perguntavam regularmente ao Google. Tanto a publicidade tradicional como os nossos conteúdos levavam para a mesma página, onde se podia comprar o produto.
Dois ou três meses depois, já tínhamos dados suficientes para analisar os resultados da campanha, que eram claramente favoráveis à versão informativa da publicidade. Os custos de aquisição do cliente via publicidade informativa eram, ao mesmo tempo, uma fração dos custos da publicidade persuasiva.
Ficámos muito satisfeitos com os resultados, naturalmente. Mas o melhor foi quando o cliente nos chamou para dar os parabéns e dizer que podíamos tirar a “campanha” do ar.
Como? Tirar a “campanha” do ar? O cliente tinha investido em artigos informativos valiosos, que eram seus e que estavam diariamente a vender o seu produto – que existia há dezenas de anos e que continuaria a existir por muitos e bons anos.
Na altura, explicámos tudo isto, enfatizando que, por cada dia que passava, o custo de aquisição baixava (o investimento inicial em conteúdos estava feito e não havia mais custos associados) e que, com o passar do tempo, tenderia para zero. Escusado será dizer que o cliente teve o seu momento Eureka, pois estava tão habituado a fazer campanhas tradicionais (que custam muito dinheiro de produção e também de exibição e, por isso, têm de ter necessariamente um princípio e um fim) que tinha dificuldade em conceber que havia outros caminhos.
Quando voltei de Stanford, fartei-me de procurar pelo dito estudo dos esgotos de Nova Iorque, mas não consegui encontrá-lo. Mas não preciso de procurar muito para ver as pessoas a evitarem os anúncios nos quais não têm interesse. Basta ver qualquer televisão ligada e as reações das pessoas à sua volta quando os anúncios “beba isto” aparecem. Geralmente, eu vou beber água.
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