Reformar leis sem reformar tribunais?

  • José Maria Montenegro
  • 25 Setembro 2025

É preciso reconhecer que a justiça tributária não é apenas um tema técnico, reservado a fiscalistas e académicos. É um fator essencial para a competitividade da economia.

O Relatório da Comissão presidida por Rogério Fernandes Ferreira para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes ocupa, por estes dias, o interesse e o debate de fiscalistas, governantes e comunidade em geral.

São cerca de 90 propostas, distribuídas por várias áreas, que procuram simplificar procedimentos, reforçar (ou reequilibrar) as garantias dos contribuintes e introduzir maior previsibilidade na relação entre a Autoridade Tributária (AT) e os cidadãos. Não é certamente uma rutura. Mas, dizemo-lo com justiça, é um contributo sério e tecnicamente sólido para uma justiça tributária mais transparente, que funcione e que, no fundo, atenda verdadeiramente à legítima aspiração de justiça de cidadãos e administração.

Entre as medidas mais relevantes contam-se a fixação de um prazo máximo de 20 anos para a prescrição de dívidas fiscais, a execução de decisões judiciais em 90 dias, a obrigatoriedade de notificações claras e eletrónicas, a publicação das decisões dos Tribunais Administrativos e Fiscais (os ditos tribunais de primeira instância), a possibilidade de sancionar a litigância de má-fé da própria AT, a redução das custas judiciais, a criação de um procedimento específico para a resolução de litígios fiscais internacionais em matéria tributária, a harmonização de prazos para reclamação graciosa e impugnação judicial, entre muitas outras. São propostas que apontam a uma ideia de reforço de confiança no sistema e de dissuasão de práticas abusivas que tantas vezes penalizam o contribuinte e, em boa verdade, os operadores em geral.

Mas por mais relevantes que sejam estas mudanças, há um problema que nenhuma reforma legislativa resolverá por si só: a absoluta falta de meios da justiça tributária. Os Tribunais Administrativos e Fiscais, incluindo os Tribunais Superiores, vivem mergulhados numa pendência inacreditável. Processos que se arrastam por anos e anos, juízes em número insuficiente e, em muitos casos, sem verdadeira especialização em matéria fiscal. Sem enfrentar esta realidade, qualquer reforma, por mais bem pensada e completa que seja, corre o risco de ser inconsequente ou, como se diz também, letra morta.

É preciso reconhecer que a justiça tributária não é apenas um tema técnico, reservado a fiscalistas e académicos. É um fator essencial para a competitividade da economia e para a confiança dos cidadãos no Estado. Quando as empresas não sabem quanto tempo demora a resolver um litígio fiscal, ou quando os contribuintes veem decisões contraditórias e intermináveis, instala-se a descrença e a perceção de arbitrariedade.

O Relatório da Comissão presidida por Rogério Fernandes Ferreira abre portas importantes, sugere alterações com todo o sentido, e pode e deve ser acolhido. Mas de pouco servirá se não lhe for feita a devida justiça – a do reforço dos tribunais, a do investimento em juízes especializados e num sistema de meios humanos e tecnológicos adequados.

Reformar leis sem reformar tribunais é uma pena. E, pior, uma injustiça.

  • José Maria Montenegro
  • Sócio da Dower Law Firm

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