Sabe o que é um “hub-and-spoke”?

As estratégias de mercado anti-concorrenciais constituem bloqueios ao mecanismo de livre definição de preços, e são também lesivas dos consumidores.

Se há obra que me influenciou na defesa do sistema concorrencial, enquanto garante do processo de livre mercado, essa obra chama-se “Princípios de Política Económica” (1952) da autoria de Walter Eucken da escola ordoliberal alemã. Trata-se de uma obra disponível em Português (via edição Gulbenkian de 2016) e que é fundamental para se perceber a base regulatória do liberalismo económico que, ao contrário do que tantas vezes é (mal) dito, não exclui o Estado da regulação da concorrência, pelo contrário, reforça-o. A escola ordoliberal defende, assim, o papel do Estado na regulação da concorrência – enquanto árbitro do livre mercado – e diz ainda que é na concorrência perfeita que deve estar o desígnio da participação estatal na economia.

A referência ao ordoliberalismo de Eucken vem a propósito da recente decisão condenatória da Autoridade da Concorrência (AdC) contra cadeias de supermercados e fornecedores de bebidas devido a alegada combinação de preços. Na base da decisão da entidade liderada por Margarida Matos Rosa esteve uma prática conhecida no direito da concorrência pela designação de “hub-and-spoke”, ou seja, na combinação de preços entre operadores de mercado, de forma indirecta, através de fornecedores comuns. A decisão da AdC é recorrível, logo, não constitui decisão final, mas, independentemente do desfecho final do processo, a decisão merece uma menção pela forma didáctica como foi divulgada no site da AdC, explicando não só o que está conceptualmente em causa, mas exemplificando também o que na prática poderá ter sucedido.

As estratégias de mercado anti-concorrenciais constituem bloqueios ao mecanismo de livre definição de preços, e são também lesivas dos consumidores porque fomentam lucros não-normais disfarçados de lucros concorrenciais. Esta dicotomia entre concorrência e não-concorrência remete-nos para as salas de aula e para aquilo em que os estudantes são treinados nas faculdades de Economia e Gestão: Para a ideia de que em concorrência perfeita o lucro normal tende para zero. Logo, se o lucro normal tende para zero, isso quer dizer que o preço praticado pelos operadores de mercado, em tais circunstâncias concorrenciais, tende para o custo marginal de produção e que diferentes operadores de mercado acabam a praticar o mesmo preço de mercado porquanto apresentam estruturas de custos também idênticas.

Quando os preços praticados num mercado são de tal forma próximos uns dos outros o economista é levado a pensar que está na presença de um mercado em concorrência perfeita. Todavia, pode também suceder que o preço de mercado se encontre acima do preço de equilíbrio resultando num chamado “excedente do produtor” – a diferença que resulta entre o preço de mercado e o custo marginal de produção, ou, dito de outra forma, a diferença entre o preço de mercado e o preço mínimo de venda que o produtor está disposto a aceitar. É aqui que devemos voltar ao ordoliberalismo. Ora, segundo Eucken, “Oligopólios ou monopólios da oferta ou da procura praticam estratégias de mercado, algo que na concorrência perfeita não existe. A concorrência perfeita não consiste no combate corpo-a-corpo, mas desenrola-se numa direcção paralela. Não é concorrência para impedir ou para prejudicar, mas sim concorrência através da eficiência” (p. 447, edição Gulbenkian).

A concorrência perfeita, através da eficiência máxima, pressupõe um estádio em que inexistem ineficiências e em que certamente estão excluídas as ineficiências que, por serem contrárias às regras do jogo, desnivelam o campo de jogo em favor de um dos lados – razão pela qual todo e qualquer jogo competitivo deve beneficiar da existência de um árbitro. Regressando a Eucken, “O preço é obtido do mercado, não é imposto por uma estratégia de mercado. Averiguações de que não há acordos de cartéis no mercado assim como informações sobre concorrentes e a dimensão do mercado suportam tais suposições. (…) Na ordem de concorrência, a concorrência perfeita não serve apenas para aumentar o desempenho, mas é também a forma de mercado em que os preços dirigem o processo económico” (pp. 450-451, ibid.).

A “ordem de concorrência” de que nos fala Walter Eucken é regulada pelo bom funcionamento dos preços, sendo que estes devem traduzir relações de escassez e permitir aos consumidores “liberdade de consumo”. É, pois, na salvaguarda da integridade do mecanismo de preços que deve estar o foco do Estado enquanto regulador económico.

Não se trata de introduzir micro regulação nas relações contratuais entre operadores de mercado – pois a emenda costuma sair pior do que o soneto –, trata-se somente de afastar práticas que cristalizam nos preços estratégias anti-concorrenciais de mercado. Evidentemente, isto é sempre mais fácil dito do que feito e há sempre a possibilidade de haver equívocos. Porém, na ausência de regulação, que a acontecer constitui uma falha de governo, o mercado ficará refém daqueles que, pela sua posição dominante, impõem aos demais preços lucrativamente ineficientes. Se o mercado está refém, ele não é livre. E se ele não é livre, a concorrência é demasiadamente imperfeita.

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