Teatro Parlamentar
A política portuguesa está transformada num tabuleiro em que o “Grande Jogador” joga com uma dupla personalidade entendendo-se sempre contra si mesmo. Ausente está o pequeno Portugal.
O país tem finalmente Governo em exercício de funções. Um Governo que se apresenta ao Parlamento sem complexos, sem limitações, sem medo. A proposta política pode ter reflexos de experiências políticas passadas, mas falamos de um partido de poder que finalmente regressa ao poder.
Os partidos de poder nunca esquecem a chama que o poder confere e encontram forças e recursos para superar o inimaginável. Portanto, nada causa espanto neste teatro parlamentar. A estratégia provocatória, a oratória da autoridade, o discurso no horizonte da legislatura, tudo revela a consciência de que a vida do Governo pode ser acidentada, complexa, breve, difícil. Mas da postura do Governo fica também a certeza de que a vida da Oposição pode ser acidentada, complexa, breve, difícil.
O Parlamento na configuração tripolar acaba por ser o jogo político da gestão das mútuas dependências. O Governo tanto pode estar dependente do PS como prisioneiro do Chega. Só que no equilíbrio volátil do Parlamento, o PS tanto pode estar pressionado pelo Governo como cercado pelo Chega. Dito de outro modo, a matriz parlamentar abre o grau de liberdade às alianças políticas mais improváveis e mais ocasionais. É o jogo da completa incerteza política existindo apenas uma única certeza – um gesto em falso de qualquer protagonista é a garantia para a queda do Governo. De certo modo, estamos perante o regresso da política depois de anos de consenso artificial à Esquerda e Maioria Absoluta.
A Oposição à Esquerda está perfeitamente perdida neste novo contexto parlamentar. Habituada a dominar e a ditar as regras da política, a desorientação é mais óbvia no PS, partido dominante e partido que parece ter esquecido os requisitos para ser e liderar a Oposição. O PS refugia-se numa estratégia para fazer durar o tempo político para conseguir encontrar o lugar a partir do qual a Oposição seja a antecâmara para o Poder.
Esta incomodidade explica a postura política entre o passivo e o agressivo, em que, se por um lado projecta “responsabilidade”, por outro lado reserva a “veia radical” para o momento ideal. Só que esta divisão dos tempos políticos enfrenta o boicote activo de um Governo que acaba por surpreender ou talvez não. Sendo o Governo minoritário e dependente do Parlamento como poucos na História da Democracia, o Executivo não entra no Hemiciclo menorizado, reduzido na sua legitimidade, submisso ao potentado socialista, mas opta pela atitude política do confronto em nome do diálogo, opta o Governo pela estratégia do conflito em nome da abertura.
Esta associação de termos políticos contrários tanto pode ser o seguro de vida para o Governo como a nota de liquidação final para o Executivo. Não basta ao PS falar de “arrogância” sendo um partido que não conhece a “humildade”, mas quando se reduz o debate político às acusações mais simplistas e desprovidas de conteúdo político tal significa apenas que um dos lados não tem argumentos políticos para a discussão necessária. Como diziam os clássicos, “a arrogância é o melhor de todos os vícios públicos”. Logo em toda esta primeira encenação e embate, o PS parece um animal político ferido a gritar ameaças ao drone predador que voa sobre a sua bancada.
Quanto ao Chega é o que sempre será. Impaciente para ir para o Governo, impaciente para derrubar o Governo, impaciente para ser o Governo, tudo para todos ao mesmo tempo. Em toda a sua poderosa imprevisibilidade, o Chega parece ignorar que para derrubar o Governo os seus votos terão de somar aos votos do PS. Este cenário de uma “aliança” Chega-PS representa uma “traição” ao ideário da Direita Radical e uma “violação” dos princípios progressistas do PS. A geometria tripartida do Parlamento pode subitamente suscitar este tipo de alinhamentos políticos que poderão ter um preço eleitoral incomportável e a completa desvalorização das “promessas políticas” em Portugal. E o juiz do ponto de equilíbrio na arquitectura variável do Parlamento poderá acabar por recair de modo improvável na acção do Governo. Eis a completa inversão de todas as expectativas políticas. O “Governo a prazo” poderá ser afinal o árbitro de uma “Oposição a prazo”. Em síntese, este Governo poderá ser mais bem difícil de derrubar do que as previsões mais superficiais adiantadas com rigor e precisão.
Uma palavra para a Esquerda Radical. A completa desilusão de uma franja do sistema político português incapaz de racionalizar a irrelevância. Abandonados pelo PS, perdidos numa função simbólica e tribunícia, exibem à exaustão o ressentimento, o “discurso do ódio”, a “superioridade moral”. Neste universo, só a Esquerda é virtude. Neste universo, toda a Direita é o fim do mundo. A Esquerda Unida na fé está separada pelas políticas sociais e económicas. A Esquerda radical entra em modo de “Resistência” contra o “Grande Retrocesso”. Conclusão: “Fascismo nunca mais!”.
A política portuguesa está transformada num tabuleiro em que o “Grande Jogador”, manipulando a realidade, joga com uma dupla personalidade entendendo-se sempre contra si mesmo. Ausente está o pequeno detalhe que é Portugal.
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