Teletrabalho, interação e interdependência

  • João Paulo Feijoo
  • 27 Julho 2020

quer a produtividade quer o relacionamento entre colegas e com as chefias são afetados pelo teletrabalho de forma diferente, consoante a natureza do trabalho desenvolvido.

A ameaça do isolamento e da ausência de interação com os colegas de trabalho tem sido um dos “mantras” do debate em curso sobre as potencialidades e os inconvenientes do teletrabalho. Esta questão não pode ser analisada de forma rigorosa sem ter em conta as consideráveis diferenças na natureza do trabalho realizado por cada um.

Deixando provisoriamente de lado as atividades ligadas à produção industrial, ou “transformacionais”, e tomando por base o trabalho dito “do conhecimento”, a seguinte matriz (proposta inicialmente por Tom Davenport do MIT) é um instrumento muito útil para tipificar aquelas diferenças.

As quatro categorias definidas por esta matriz mostram uma realidade diferenciada:

  • Os modos transacional e de especialização exigem pouca interação entre os trabalhadores em regime de teletrabalho, tal como já não exigiam em trabalho presencial; aquele novo regime não traz, portanto, nenhuma desvantagem apreciável. Se o teletrabalho permitir algum isolamento (provável em circunstâncias normais, difícil durante um confinamento com as crianças em casa) pode mesmo argumentar-se que essas condições favorecem a concentração e a produtividade e reduzem o stresse. É certo que independentemente do regime em que são desenvolvidas – presencial ou remoto – todas as funções precisam de liderança, e que a interação com o líder é mais difícil exige maiores cuidados neste último regime. É precisamente para facilitar esse feedback e essa orientação e estímulo que muitas empresas obrigam os trabalhadores a comparecer nas instalações um certo número de dias por semana ou por mês. Contudo, e querendo ser cínico, quantos se podiam gabar de um atenção suficientemente atenta e assídua por parte das chefias antes de passarem ao regime de teletrabalho?
  • Para o modo de colaboração, a interação remota já está presente há muito nos hábitos de trabalho de muitas organizações, e é independente da geografia. Para o participante numa videoconferência sentado na sua empresa, é indiferente se os outros estão em casa, no escritório ou num quarto de hotel – logo também ele pode estar; os colegas que travam uma conversa numa plataforma de ‘chat’ tanto podem estar a bordo de um avião como no café da esquina. E todos eles dirão que graças às atuais tecnologias a experiência de interação, ainda que não consiga emular totalmente o contacto presencial, é mais do que adequada e compensa com vantagem os inconvenientes das deslocações para garantir presença física de todos os interessados.
  • O modo de integração é o único em que a interação remota levanta problemas específicos. Ao contrário do modo de colaboração, que convive bem com uma atividade mais caótica, aquele carece de mais alinhamento e sincronização entre os membros da equipa. Esta “coreografia” é mais fácil de conseguir em contexto presencial, e num quadro de interação remota a sua coordenação eficaz obriga a uma maior disciplina e rigidez. Ainda assim, também aqui não tem sentido falar em isolamento e falta de interação a propósito do teletrabalho; pelo contrário, tal como vimos no modo transacional, parecem ser necessários contactos mais frequentes e uma supervisão mais assídua.

Em conclusão, quer a produtividade quer o relacionamento entre colegas e com as chefias são afetados pelo teletrabalho de forma diferente, consoante a natureza do trabalho desenvolvido. Em certos casos, pode proporcionar maior resguardo e uma melhor gestão do tempo; noutros, não traz qualquer alteração significativa àquele que já era o modo de interação dominante; noutros ainda, pode mesmo obrigar a um contacto mais frequente, se bem que menos espontâneo – mas poucas vezes obrigatoriamente presencial. Nada do que foi escrito acima pretende insinuar que a socialização pelo convívio presencial com outros seres humanos é dispensável e supérflua, e pode ser perfeitamente substituída por interações remotas. Mas nem esse convívio tem de estar limitado aos colegas de trabalho (o que seria igualmente alienante), nem o teletrabalho, como vimos num artigo anterior, tem de traduzir-se num afastamento total e definitivo de locais de trabalho partilhados.

* João Paulo Feijoo é consultor, docente e investigador.

  • João Paulo Feijoo

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