Tempos extraordinários exigem soluções inovadoras para acelerar a transição verde
Invasão da Ucrânia pela Rússia traz-nos para uma nova realidade geopolítica, na qual temos de manter a unidade e determinação com vista à independência dos combustíveis fósseis russos.
Portugal tem feito um percurso invejável rumo à transição verde. Tendo muito já sido implementado, novas ideias podem complementar os esforços em curso para o alcance da neutralidade carbónica em 2050 e ajudar no combate aos desafios nacionais – como a dependência de fontes de energia externas, a subida de tarifas e os altos níveis de pobreza energética. O inverno invulgarmente seco e quente que Portugal atravessou, e a consequente escassez de recursos hídricos, põem mais uma vez a descoberto a necessidade de ação urgente no campo ambiental.
Para além da emergência climática, a invasão da Ucrânia pela Rússia traz-nos para uma nova realidade geopolítica, na qual temos de manter a unidade e determinação com vista à independência dos combustíveis fósseis russos e acelerar a transição para a neutralidade carbónica até 2050, o mais tardar. Este é o momento de ser corajoso e avançar com determinação na transição verde, e hesitações só irão prolongar a nossa dependência energética.
Como pode a transição climática portuguesa beneficiar com as 14 parcerias dinamarquesas?
Sozinhos, os governos não conseguem alcançar a transição para sociedades sustentáveis e a neutralidade carbónica. Para encontrar um caminho justo e financeiramente viável, precisamos que todos os motores estejam coordenados. Grandes ou pequenos. Nacionais ou globais. Públicos ou privados. Na busca pela neutralidade carbónica não há concorrentes, apenas parceiros. Partindo deste princípio, a abordagem Dinamarquesa coloca o setor privado no centro da transição verde, e pretende com isso ser uma fonte de inspiração para todos.
A tradição dinamarquesa de cooperar para resolver desafios sociais constitui a espinha dorsal de 14 Parcerias Climáticas, criadas como um instrumento para atingir a meta nacional de redução das emissões de gases de efeito estufa em 70% até 2030. As 14 parcerias abrangem diversas áreas, desde energia e finanças até à construção e transporte – e visam que os próprios setores definam os seus roteiros verdes.
Encabeçados por empresas líderes como a Ørsted, Velux, Mærsk, Danfoss, entre muitas outras, cada setor foi encarregado de formular as suas próprias medidas para contribuir para a meta de redução nacional. Iniciadas pelo Governo em 2019, as Parcerias Dinamarquesas para o Clima produziram mais de 400 recomendações tangíveis, com vista a aumentar os esforços e reduzir as emissões – muitas das quais estão agora a ser integradas em políticas concretas. No entanto, o verdadeiro potencial destas parcerias está na capacidade de inspirar outros países.
A ideia mais notável resultante destas parcerias é, provavelmente, a de construir uma ilha artificial de energia no Mar do Norte. Surgida da parceria climática para a energia, alguns consideraram disparatada a proposta de criar um centro de energia do tamanho de 18 campos de futebol no meio do nada. No entanto, esta estrutura de até 10 GW é agora um alicerce da lei climática dinamarquesa para fornecer energia verde a 10 milhões de lares europeus.
As recomendações estão também criar ondas em terra. A parceria para a alimentação e agricultura apresentou recomendações com potencial para reduzir o impacto climático do setor em 62% até 2030, e o setor de construção desenvolveu ideias e medidas que podem reduzir as suas emissões em cerca de 5,8 toneladas de CO2 e anualmente. Outros perceberam que a utilização de tecnologias já existentes na energia, ciências da vida e unidades de produção pode contribuir para a neutralidade climática de subsetores até 2030. A abordagem é direcionada para o futuro, mas a receita baseia-se em aprendizagens anteriores.
Uma base para o crescimento sustentável
Embora as 14 parcerias tenham a tarefa de produzir sugestões sólidas com impacto tangível, o seu efeito vai para além dos números. Os esforços dinamarqueses representam apenas 0,1% das emissões globais, tendo por isso pouco ou nenhum impacto na transição mundial. Em vez disso, o potencial das parcerias está em plantar uma semente para inspiração global.
Hoje, um dos maiores desafios da transição verde é garantir uma colaboração transparente, confiável e mútua entre governos e privados. Demasiadas vezes, vemos empresas deslocar as suas instalações de produção para países menos exigentes quando se confrontam com novas restrições climáticas nacionais. Demasiadas vezes, testemunhamos imposições adicionais serem descartadas por causa de interesses corporativos e financeiros. Nem o clima nem as empresas beneficiam deste jogo de soma zero. Em vez disso, para que todos permaneçam empenhados num roteiro verde comum, os dois lados precisam de garantias e de compromissos duradouros, apesar do inevitável vento contrário que sopra em todas as sociedades. As parcerias público-privadas podem estimular um ambiente transparente, justo e saudável, onde prosperam os interesses dos cidadãos, investidores e empresas. A Dinamarca tem uma história de 50 anos que prova que políticas estáveis e um setor verde podem estimular um crescimento duradouro.
Desde 1980, a Dinamarca conseguiu dissociar o seu crescimento económico do consumo de energia. Em quatro décadas, o PIB nacional mais do que duplicou, enquanto o consumo de energia aumentou apenas 6%. No mesmo período, o consumo de água diminuiu 40%. Os números comprovam que é possível gerar crescimento sem gastar mais energia. Com base nessa conciliação do crescimento económico com políticas verdes ambiciosas, as 14 Parcerias Climáticas far-nos-ão dar o próximo grande passo.
Uma semente que quer inspirar o Mundo
Este é um modelo que tenta acomodar as circunstâncias dos outros países. Para além de tirar proveito dos pontos fortes das entidades públicas e privadas, o modelo é baseado na interação construtiva entre as partes. Para garantir o investimento contínuo e o estabelecimento de metas ambiciosas e de longo prazo para empresas e empreendedores são necessários elevados níveis de confiança, transparência e estabilidade. Um diálogo aberto com os decisores políticos cria a confiança necessária para um planeamento de longo prazo e permite a aposta em oportunidades ainda desconhecidas.
O modelo dinamarquês não é uma bala de prata, nem uma solução autónoma. É simplesmente a convicção de que a confiança, a estabilidade e os compromissos vinculativos geram dividendos. É a convicção de que as abordagens sociais holísticas são bem-sucedidas na criação de soluções para muitos dos desafios de desenvolvimento sustentável enfrentados por países e empresas.
Ao oferecer um legado verde com soluções já preparadas e propriedade social partilhada, espera-se que o conceito dinamarquês possa mostrar o caminho a outras economias. Como tal, as 14 parcerias climáticas da Dinamarca devem ser vistas como um testemunho que coloca as parcerias público-privadas e a cooperação no centro da transição verde – num momento em que a instabilidade e imprevisibilidade geopolítica requerem forte cooperação para a resolução dos desafios energéticos e climáticos.
*Escrito pela Embaixadora da Dinamarca em Portugal Maria Nilaus Tarp e Finn Mortensen, Diretor Executivo da State of Green.
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