Transparência remuneratória: o que está para vir

Muitas vezes, as diferenças salariais estão “camufladas”: apesar de o salário base ser igual, a discriminação surge nos complementos retributivos e na retribuição variável.

O princípio da igualdade faz parte do ideal democrático e integra o nosso sistema de valores.

Está consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no Tratado da União Europeia e no Tratado de Funcionamento da União Europeia, bem como na sua Carta dos Direitos Fundamentais.

Em Portugal, está previsto na Constituição e no Código do Trabalho.

O princípio a trabalho igual, salário igual, é um dos corolários do princípio da igualdade.

Dele resulta, no essencial, que dois trabalhadores que exercem a mesma função em quantidade, natureza e qualidade devem receber idêntica retribuição, não podendo ser discriminados em função do género.

A lei é clara: a discriminação salarial em função do género não é admissível.

Sucede, porém, que o gender pay gap subsiste – segundo dados da UE, as disparidades remuneratórias na União, em 2020, situavam-se nos 13%. Em Portugal, de acordo com o Livro Verde Sobre o Mercado de Trabalho, as mulheres recebiam em 2019 menos 14% do que os homens, sendo certo que nas pensões a diferença se situava na casa dos 25%.

Há várias razões que permitem explicar a situação: as mulheres foram tradicionalmente segregadas do mercado de trabalho; estão sub-representadas nalguns setores de atividade e funções onde se paga mais; e conciliam o trabalho com funções de apoio à família.

Além disso, muitas vezes, as diferenças salariais estão “camufladas”: apesar de o salário base ser igual, a discriminação surge nos complementos retributivos e na retribuição variável.

A falta de transparência remuneratória contribui, por isso, para o gender pay gap.

Por essa razão, a UE aprovou, em 2023, a Diretiva 2023/970, que promete reforçar a igualdade salarial através de transparência remuneratória.

Eis as suas principais regras:

  • O Estado deve disponibilizar às empresas ferramentas analíticas para avaliar e comparar o valor do trabalho, a fim de excluir qualquer discriminação remuneratória;
  • Os candidatos a emprego têm direito a informações sobre a sua remuneração e o empregador não deve inquiri-los sobre o historial das suas remunerações atuais ou anteriores;
  • O empregador deve assegurar o acesso fácil aos critérios utilizados para determinar a remuneração, os níveis de remuneração e a sua progressão;
  • O trabalhador tem direito a receber informações sobre o respetivo nível de remuneração individual e sobre os níveis de remuneração médios, desagregados por sexo, para as categorias de trabalhadores que executem trabalho igual ou de valor igual ao seu;
  • O empregador deve informar o Estado sobre a disparidade remuneratória mediana em função do género, nomeadamente nas componentes complementares ou variáveis da remuneração;
  • O empregador deve efetuar, com os representantes dos trabalhadores, uma avaliação conjunta das remunerações sempre que exista uma diferença entre os níveis de remuneração médios dos trabalhadores femininos e masculinos de, pelo menos, 5%, e não exista justificação para tal diferença;
  • O trabalhador, bem como os seus representantes, podem instaurar procedimentos judiciais em caso de discriminação salarial, não podendo ser retaliados se o fizerem;
  • O trabalhador discriminado tem direito a obter indemnização pelos danos sofridos e a ser colocado na situação em que estaria se não tivesse sido discriminado, beneficiando também de uma regra de inversão do ónus da prova;
  • Na execução de contratos públicos ou de concessões, o Estado deve garantir que os operadores económicos cumprem as respetivas obrigações relacionadas com o princípio da igualdade salarial.

A Diretiva da “Transparência Remuneratória” deve ser transposta até 7 de junho de 2026.

O nosso ordenamento jurídico, para além de afirmar a não discriminação salarial, também já impõe algumas regras de transparência remuneratória (Lei n.º 60/2018). Além disso, já exige às empresas do setor empresarial do Estado e às cotadas na bolsa a apresentação de relatórios sobre a igualdade salarial. Por essa razão, grande parte da Diretiva já está transposta.

Existem, em qualquer caso, aspetos da nossa legislação que têm de ser ajustados, nomeadamente quanto aos deveres de informação e à possibilidade de avaliação conjunta das remunerações.

Uma coisa, é certa: a transparência financeira veio para ficar e as empresas têm de se preparar, através da implementação de modelos e métodos analíticos que evitem discriminações em função do género.

A contagem decrescente já começou.

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