Trinta anos de atraso

Foi finalmente aprovada a tarifa social de internet, três décadas depois da chegada da internet a Portugal. É um detalhe revelador da forma como olhamos para a tecnologia.

A aprovação da tarifa social da internet foi finalmente decidida pelo governo português. Ela sinaliza o reconhecimento da internet como bem essencial a que todos devem ter acesso, se necessário através de um custo simbólico. Medidas deste género existem há vários anos em muitos países (em França, por exemplo, foi há década) e até as Nações Unidas consideraram em 2016 que o acesso à internet deve ser um direito humano universal. Estamos há ano e meio enterrados numa pandemia em que ficamos completamente dependentes do que estava online, e nem assim uma lei deste género avançou. Porquê só agora fazer este reconhecimento em Portugal?

A internet chegou a Portugal há trinta anos. Foi em 1991 que o país se ligou à internet através do serviço IP da então FCCN, e na altura quase só os cientistas falavam dela. Antes do fim do século explodiu, aqui como em todo o mundo, quer a nível académico quer comercial. Desde o início do século, muito antes de existirem o Facebook e o Twitter, ficou claro para muitos que era a ferramenta transformadora da modernidade e uma das maiores invenções da humanidade. Ora, desde 1991 Portugal teve onze governos e onze assembleias da República; tivemos onze momentos para discutir o futuro do país, o caminho coletivo que queremos construir e quem quisemos selecionar como os nossos melhores. Escolhemos sempre representantes que não deram muita importância ao futuro – embora essa seja uma das palavras mais ouvidas em campanhas, discursos e promessas.

Embora na base desta medida estejam muito logicamente preocupações de caráter social, parece claro que a principal razão deste atraso não tem a ver com a falta de sensibilidade social. Terá antes a ver com a pouca literacia tecnológica que todos temos e com a falta de preocupação na construção do futuro. Não se espera que Portugal tenha uma postura semelhante à de alguns países asiáticos, com planos detalhados sobre o que esperamos a curto e médio prazo; mas seria de esperar que ao menos fôssemos capazes de perceber quão essenciais são algumas ferramentas digitais para nos ajudar a viver o presente. E é por isso que é fundamental dizer que a tarifa social da internet não chega.

Portugal tem uma das populações mais idosas do mundo, que é simultaneamente uma das menos educadas da União Europeia. Embora seja claro que essa é uma das principais razões do nosso atraso crónico, e que a internet poderia ter sido uma ferramenta capaz de reduzir o problema, o investimento foi quase nulo.

É certo que, em alguns momentos nos últimos vinte anos, chegámos a ter velocidades de topo no acesso à internet; E que dúzias de autarquias pelo país fora apregoam zonas de acesso gratuito em wifi (mesmo que na verdade funcionem a velocidades de caracol); Houve instantes em que se pareceu que percebíamos o que estava em causa. Mas ficámo-nos pelos Magalhães de má memória e outras manobras de cosmética, o que se explica quando se sabe que ainda hoje há deputados que não acedem autonomamente ao email. E é por isto que ainda hoje não investimos fortemente nos conteúdos em português, que não usamos massivamente a internet como ferramenta educativa, que não fornecemos literacia mediática a novos e velhos e nem avaliamos quão capacitados tecnologicamente estão os nossos professores e os nossos serviços públicos. Não fizemos – e não fazemos – uma aposta tecnológica virada para servir a nossa população idosa e semi-letrada nem preparamos devidamente as novas gerações para o que aí está. Perdemos – e continuamos a perder o potencial – da revolução digital. Trinta anos depois, continuamos atrasados.

Ler mais: Vale sempre a pena viajar um pouco na história para entender o porquê e o como. E a fascinante história da internet está muito bem contada neste How the Internet Happened, uma bela narrativa de um conhecido veterano da indústria tecnológica.

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