Editorial

Uma crise política, uma oportunidade e alguns riscos

António Costa demitiu-se, sai pela porta pequena mas o seu futuro político está ainda dependente do que vier a ser a investigação ao seu envolvimento nos processos judiciais.

António Costa governou o país durante oito anos de forma habilidosa, fazendo jus aos méritos que lhe atribuíram quando assaltou o poder no PS e construiu a geringonça para ser primeiro-ministro. E sai da mesma forma, ambígua, invocando eventuais processos de investigação à sua intervenção nos negócios de lítio e hidrogénio, quando, na verdade, teria sempre de apresentar a demissão por uma manifesta falta de condições políticas depois da detenção do seu chefe de gabinete, Vítor Escaria, e do seu melhor amigo e consultor de negócios de Estado, Diogo Lacerda Machado.

O dia de ontem fica na história. Logo pela manhã, um dia banal passou a dia histórico com as buscas na Residência Oficial do primeiro-ministro, a detenção de duas pessoas muito próximas de António Costa, a constituição de arguido do ministro João Galamba. Era uma crise política, passou rapidamente a terramoto político depois da visita da PGR a Belém para uma audiência com Marcelo e, logo depois, um comunicado do Ministério Público com três páginas e um último parágrafo com um visado:

  • No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente“.

Com a informação disponível, o mais importante do comunicado são todos os parágrafos que antecedem este último, mas foi este que serviu para António Costa sair com a dignidade política que lhe pode dar futuro político. Mas este parágrafo não diz nada de materialmente relevante que justifique uma demissão de um primeiro-ministro que tem maioria absoluta. E até contra o que tem sido o discurso de Costa sobre as condições de governação de arguidos em processos judiciais.

O Ministério Público, na verdade, facilitou a decisão de António Costa com aquele parágrafo, e vai caber-lhe agora provar a gravidade de uma investigação a um primeiro-ministro que justifica a sua queda e do governo. Se não o fizer, ou se for incapaz de o fazer, a justiça perde (mais) credibilidade, terá de haver demissões ao mais alto nível na PGR, mas dá novo fôlego político a Costa que, dirá, foi demitido por ação da justiça. A judicialização da política é intolerável num Estado de Direito.

A habilidade de António Costa está aqui. Demite-se porque há uma qualquer suspeita sobre o seu desempenho, que ninguém ainda percebeu na sua extensão, quando na verdade deveria ter saído por razões puramente políticas. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos — os casos foram tantos –, a investigação e detenção de duas pessoas tão próximas do seu ‘inner circle’ destruíram as condições políticas para se manter em funções e de proteger a dignidade institucional do cargo que ocupa. Além disso, os resultados, esses, são pouco mais do que as famosas “contas certas”, é um país parado, a olhar permanentemente para trás, sem futuro.

O Ministério Público, na verdade, facilitou a decisão de António Costa com aquele parágrafo, e vai caber-lhe agora provar a gravidade de uma investigação a um primeiro-ministro que justifica a sua queda e do governo. Se não o fizer, ou se for incapaz de o fazer, a justiça perde (mais) credibilidade, terá de haver demissões ao mais alto nível na PGR, mas dá novo fôlego político a Costa que, dirá, foi demitido por ação da justiça. A judicialização da política é intolerável num Estado de Direito.

Costa manteve Galamba em funções em conflito direto com o Presidente depois de tudo o que se passou no caso TAP e, pior, fez a afronta de escolher o ministro das Infraestruturas para encerrar o debate do Orçamento. Costa escolheu para chefe de gabinete um homem que trabalhou com Sócrates e sobre o qual já recaiam inúmeras suspeitas. Costa contratou o seu melhor amigo para representar o Estado em negociações de grandes negócios. São mais do que imprudências, são uma forma de exercício de poder que se dispensa.

Se saísse por razões políticas, teria de ser ele próprio a ir a novas eleições, e António Costa já não quer este papel há muito. Assim, com a ‘ajuda’ da suspeição, sai pela porta pequena, mas defende a sua condição para regressar pela porta grande se o Ministério Público não tiver mais do que o que se lê naquele parágrafo. O futuro o dirá.

Chegados aqui, as eleições são a resposta da Democracia a uma crise política, portanto, não podem existir valores mais importantes do que o próprio cumprimento dos regras democráticas. O Governo, na verdade, estava diminuído politicamente, sobrevivia, geria o poder ou, melhor, a sua preservação. Há problemas graves na saúde, na educação, na justiça, para citar os mais óbvios, e este desfecho pode ser uma oportunidade para clarificar e abrir um novo ciclo.

riscos: André Ventura poderá capitalizar as razões, em número de deputados, da demissão de Costa, as investigações judiciais, as suspeitas que facilmente se transformam em populismo contra os políticos, o discurso da corrupção.

oportunidades: Luís Montenegro vai ter uma oportunidade, vai disputar eleições legislativas e vai ser uma espécie de ‘mata-mata’. Poderia cair nas europeias, vai ter a possibilidade de chegar a São Bento por estar no sítio certo no momento certo. E com uma aliança com a Iniciativa Liberal, poderá ter a oportunidade de formar uma maioria absoluta sem o Chega.

dúvidas: Pedro Nuno Santos não vai poder refugiar-se no comentário televisivo, não vai ter tempo, vai ter de assumir a sua condição, a que diz ter, de futuro líder do PS. Mas vai herdar um partido que voltou a ter problemas sérios com a justiça. E vai puxar o PS à esquerda, eventualmente uma nova geringonça, mas assustando o centro político moderado. E Fernando Medina, vai a jogo?

A aprovação do Orçamento do Estado é o menor dos problemas, Marcelo poderá facilmente resolver isso se a Assembleia da República se mantiver em funções até ao dia 29 de novembro. Mas há outros dossiês relevantes que só avançam com um Governo em funções. A execução do PRR será mais difícil, e o acesso a novos fundos de Bruxelas dependerá mesmo de um governo em pleno exercício de funções. A venda da TAP e a escolha do novo aeroporto vão derrapar uns meses, à espera do novo Governo. E a economia não está em boas condições, está mesmo em risco de recessão.

Dito tudo isto, o que os agentes económicos precisam é de previsibilidade, como se percebeu pela reação dos investidores, com a maior queda da bolsa de Lisboa desde setembro do ano passado. Desde logo o calendário político e eleições legislativas antecipadas que cumpram duas condições: Tão rápidas quanto possíveis, com o tempo necessário para o PS se preparar para o novo ato eleitoral.

As eleições podem ser assim uma oportunidade para um ciclo reformista, aquele que não tivemos nos últimos anos, para mudanças que nos tirem deste risco de décadas da armadilha da estagnação e pobreza. O resultado será o que os portugueses quiserem.

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