Uma segunda oportunidade para causar uma primeira impressão? As SIGI como veículo preferencial de investimento em data centers

  • Manuel Cordeiro Ferreira
  • 9:00

Desde a criação do regime legal em 2019, o mercado das SIGI nunca descolou, por várias causas. No entanto, como veículo de investimento, não se percebe a falta de profundidade do mercado das SIGI.

2024 foi o ano de afirmação dos data centers como pilar da transformação digital em curso. A Blackrock, a maior gestora de ativos do mundo, elegeu-os como uma das infraestruturas essenciais para alimentar a revolução gerada pelo crescente consumo de dados, exponenciado pela disseminação da inteligência artificial. A Merlin Properties, a maior SOCIMI espanhola, levantou em julho 921 milhões de euros exclusivamente para investimento em data centers, incluindo em Portugal. O projeto SinesDC da Start Campus, já em implementação, poderá vir a replicar no PIB português o impacto das fábricas da VW/Autoeuropa e da Bosch.

Na visão da PortugalDC, a associação do setor, Portugal aparenta ter o “ecossistema ideal” para se tornar o “líder global em inovação digital” através do investimento em data centers. Temos acesso a energias renováveis, interconectividade global via cabos submarinos, rede terrestre de fibra ótica e experiência e expertise de engenharia. Mas será que temos veículos de investimento adequados?

É aqui que (re)entram as SIGI – Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária. As SIGI gozam de três fatores cruciais para que qualquer veículo de investimento possa ser considerado atrativo. Primeiro, como versão portuguesa dos REIT (real estate investment trusts), as SIGI são familiares para os investidores institucionais. Segundo, um regime fiscal apelativo. Equiparado ao dos organismos de investimento coletivo, permite a exclusão de tributação, entre outros, de rendimentos prediais. As rendas representam precisamente a principal receita de um data center. Terceiro, embora mal-afamado, o regime jurídico encaixa como uma luva no modelo de exploração dos data centers.

O objeto das SIGI, que devem dedicar-se ao investimento em imóveis para arrendamento ou exploração económica semelhante, corresponde à atividade de um data center.

Como sociedades obrigatoriamente cotadas, exige-se transparência e um sistema mínimo de controlo interno. Ainda assim, o impacto deste requisito fica muito aquém do impacto do regime das SIC – Sociedades de Investimento Coletivo, veículos regulados, largamente generalizados em Portugal. Ao contrário das SIC, as SIGI são geridas de forma autónoma, dispensando a intervenção de uma entidade gestora externa ou – face às SIC autogeridas – o cumprimento de requisitos orgânicos exigentes, a autorização prévia da CMVM ou a produção de reportes recorrentes.

É certo que as SIGI se encontram sujeitas a limites ao endividamento, o que não se aplica às SIC. No entanto, não só o limite atualmente imposto (60% sobre o valor do ativo) se aproxima dos rácios de loan to value aplicáveis no mercado de financiamento (60-70%), como a experiência das SIC nos mostra que este não é um elemento indispensável. Com efeito, de uma amostra das 40 maiores das 130 SICs ativas em Portugal, apenas 7 têm um passivo superior a 60% do ativo (dados públicos).

O regime impõe limites às distribuições, mas as regras são menos onerosas que as aplicáveis às SOCIMI em Espanha. Por oposição às 3 SIGI, em Espanha existem 140 SOCIMI, com uma capitalização de cerca de 25.000 milhões de euros. O mercado das SOCIMI cresceu em 2024 o dobro do que em 2023, alavancado no investimento em data centers. Este mercado está agora ameaçado por uma proposta do Governo espanhol de revisão do regime fiscal, o que pode ser uma grande oportunidade para Portugal.

Desde a criação do regime legal em 2019, o mercado das SIGI nunca descolou, por várias causas. No entanto, como veículo de investimento, não se percebe a falta de profundidade do mercado das SIGI comparado com o das SIC e o das SOCIMI. O regime fiscal é o mesmo e o regime jurídico – que até se encontra a ser revisto pelo Governo e CMVM – é adequado.

É possível que em 2025 a revisão das regras legais, a instabilidade em Espanha e – sobretudo – a necessidade de investimento neste setor proporcionem às SIGI uma inédita segunda oportunidade de criar uma boa primeira impressão nos promotores de data centers.

  • Manuel Cordeiro Ferreira
  • Sócio da área de Mercado de Capitais da Pérez-Llorca

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