Vamos elevar a política?
Quando se discutia o alargamento da rede de Metro de Lisboa em mais duas ou três estações, Assunção Cristas veio propor mais vinte estações, sem apresentar um calendário, um orçamento, uma avaliação.
Conseguem imaginar alguma empresa em que, em resposta a um desafio da concorrência, o seu chefe vem propor um plano de investimento que é dez vezes superior ao que está em vigor e não tem nenhum estudo de mercado nem plano de financiamento definido? Conseguem imaginar um presidente da Gulbenkian decidir que se vai passar a gastar 300% dos rendimentos da fundação? Estão a ver o provedor da Santa Casa da Misericórdia afirmar que vai passar a gastar mais dez vezes do que até aqui?
Não estou a afirmar que as instituições portuguesas sejam um primor de profissionalismo, que não são, mas o grau de escandaloso amadorismo que é comum na política portuguesa está muito para lá do que é admissível. Pior do que isso, tenho a certeza que Assunção Cristas (que é um pretexto para falar sobre isto) não se atreveria a comportar-se desta forma num contexto profissional fora da política. Ou seja, parece que na política o nível de exigência baixa imenso, incluindo o de auto-exigência.
Em certo sentido, o problema nem estaria em sermos governados pelos piores, mas pela pior versão de alguns.
Estamos certamente num ciclo vicioso de a política ter atraído os piores, que dão mau nome à política, que afasta os melhores, também receosos de um escrutínio mais intriguista do que sobre o essencial. Em Portugal, parece que chegámos ao pior de dois mundos: a pequena estória de alcoviteira recebe uma atenção desmesurada enquanto graves conflitos de interesse e suspeitas claríssimas são inexplicavelmente silenciados.
Mas imaginemos que conseguíamos quebrar este ciclo vicioso e conseguíamos trazer para a política novos (não necessariamente em idade) talentos. Onde estão eles? Poderão ser pessoas que nunca se expuseram publicamente, por exemplo num artigo de jornal? Relembro que vários jornais acolhem com alguma facilidade artigos de opinião isolados, desde que a sua qualidade o justifique.
Se alargarmos este universo ao mundo dos principais blogues e a comentadores televisivos (onde há uma excessiva repetição dos actuais e ex-políticos) conseguimos um grupo um pouco mais extenso, mas não especialmente numeroso nem qualificado.
Parece que a sociedade civil com conhecimento e capacidade para rejuvenescer a política em Portugal está demasiado demitida de sequer o tentar fazer. Mas esta participação cívica é essencial, quanto mais não seja para aumentar o grau de exigência sobre os nossos políticos e apelo aqui para que se manifestem mais da forma que considerem mais relevante.
Também apelo aos jornalistas para darem mais eco a estes mesmos textos. Ainda recentemente li um texto no Diário de Notícias de Paulo Ferrero, fundador e ativista do movimento Fórum Cidadania Lisboa, queixando-se do excesso de abate de árvores em Lisboa (peço desculpa por ser mais um exemplo lisboeta), em que existe um claro conflito de interesse por as empresas que recomendam o abate de árvores serem as mesmas que o fazem. É evidente que há, no mínimo, suspeitas de corrupção, com claro prejuízo para a cidade, mas não houve um único jornal que pegasse no tema, quanto mais não fosse com uma entrevista ao autor do artigo. A comunicação social também precisa de elevar o escrutínio sobre a política, para contrariar o tal círculo vicioso de que falei. Se colectivamente não fizermos nada, não será com esta permissibilidade e com os actuais políticos que nos vamos safar.
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