Viva Espinho (ou a Las Vegas de Montenegro)

No sábado o primeiro-ministro foi ao casino, não o dos amigos de Espinho, mas o da política. Pode até crer que ganhou com o 'bluff' das moções, mas todos sabemos que no fim é a casa que vai ganhar.

Spinumviva, o nome dado à sua polémica empresa familiar, vem do “Espinho viva”, e do “pregão das peixeiras” dessa cidade, explicou Luís Montenegro no início do debate da moção de censura do Chega contra o Governo a 21 de fevereiro. Sorridente, defendeu a empresa que passou à mulher e aos filhos, a sua inocência em relação a qualquer eventual conflito de interesse ou irregularidade e explicou o histórico da faturação.

Pelo meio, recusou-se a revelar o nome dos clientes ou a responder a questões cruciais sobre se a empresa tinha prestado serviços de consultadoria jurídica quando não podia. No final, a moção foi chumbada, com a interpretação generalizada que o Chega tinha falhado na tentativa de esconder os seus problemas reputacionais ao manchar a reputação do primeiro-ministro.

Mas, passada uma mera semana, tal como o nome da empresa, foi de Espinho que originaram novos problemas para o líder social-democrata, com a notícia do Expresso sobre a avença de 4.500 euros mensais paga pelo grupo espinhense de casinos Solverde, obrigando Montenegro a reagir na mesma manhã.

Resumo: a empresa é boa, os honorários são adequados ao mercado, não há conflito de interesse e se houver no futuro eximir-se-á de intervir. Pediu ainda aos clientes para se identificarem (acabando por ser a empresa poucas horas depois a revelar os nomes em comunicado) e chutou mais explicações para depois de um Conselho de Ministros extraordinário no dia seguinte.

Essa declaração não rendeu, no entanto, nenhuma explicação, mais pareceu uma jogada de bluff numa mesa de póquer. Montenegro usou logo as cartas fracas que tinha na mão – a vitimização, a importância da família, os sucessos do Governo – antes de aumentar a parada e pressionar os adversários a abrirem o jogo. Ou apresentam moções de censura ou o Governo uma de confiança. Essa jogada inexplicável pode até ter tido um resultado positivo imediato, com o PCP a morder o isco (já lá vamos) e apresentar uma moção que é um nado-morto, mas teve também o condão de salientar que o primeiro-ministro poderá estar a caminho de ser uma carta fora do baralho.

Em vez de explicar e defender com calma a sua posição, fez uma espécie de pré-campanha, algo que por si só demonstra falta de confiança na continuidade. Em vez de demonstrar que agiu com cautela, escondeu-se atrás do interesse da família. No final de contas, não conseguiu explicar por que raio é que acha que é compatível ser primeiro-ministro e receber uma avença de uma empresa privada cujo negócio depende de decisões governamentais.

É muito importante avaliar a legalidade das atividades de consultadoria jurídica da Spinumviva, e isso já está ser feito pela PGR, mas mais importante ainda é a avaliação política do primeiro-ministro. Ao fazer o bluff mostrou falta de coragem, pois se o Governo é tão bom e transparente deveria conseguir ver essa confiança aprovada no Parlamento.

No fundo, quis fazer uma jogada de culpas. Se a oposição o derrubar, ficará ela com a responsabilidade de ter criado mais uma crise política. Se o Governo sobreviver, terá ultrapassado um obstáculo perigoso e poderá prosseguir até ao próximo grande desafio. O problema é que Montenegro poderá ter cometido o erro de acreditar no seu próprio bluff.

Poucos desejam eleições antecipadas mas, mesmo se a oposição as forçar, grande parte da responsabilidade será atribuída ao primeiro-ministro que não conseguiu separar a vida política da privada. A aguentar-se, que força terá um Executivo cujo líder perdeu várias mãos numa jogada arriscada, incluindo alienar ainda mais o Presidente da República?

Na mesa de jogo de póquer no sábado, bastante à esquerda de Montenegro, os comunistas fizeram um call, ou seja aceitaram a aposta com a apresentação da moção de censura. Com cartas fracas, Paulo Raimundo quis mostrar que está na mesa, mesmo que possa perder. Um lugar ou dois mais perto de Montenegro, ainda à esquerda, Pedro Nuno Santos parecia ter apostado num fold, a renunciar a qualquer hipótese de ganhar o pote atual, guardando as apostas para mais à frente.

Não aprova a moção de censura, mas também não vota a favor da de confiança. Esta posição de fazer temporariamente de morto poderá até ser explicada por questões de timing – dar mais tempo de preparação aos socialistas e deixar o Governo queimar em lume brando – mas não é infalível.

Primeiro, porque ninguém gosta de fraqueza e criticar um adversário sem fazer nada mostra falta de liderança e coragem. As oportunidades são para aproveitar e não para adiar. Em segundo lugar, nada garante que daqui a uns meses o PS estará numa situação muito mais forte para ir às urnas.

Provavelmente pressionado internamente, voltou à carga na segunda-feira, anunciando um pedido potestativo para uma Comissão Parlamentar de Inquérito e não abdicando da opção de apresentar uma moção de censura. Este contra-ataque, embora tardio, é a jogada certa, pois pode obrigar o primeiro-ministro, sob ameaça de ver a sua família chamada ao Parlamento, a apresentar uma moção de confiança, devolvendo a responsabilidade pela crise.

À direita do primeiro-ministro, o Chega jogou as fichas de forma decidida. A apresentação da moção de censura foi logo vista como tentativa de esconder as perdas do partido com os seus próprios escândalos. Se era essa a intenção, por mais que custe admitir, resultou em cheio.

Apesar de chumbada, a moção manteve a questão da Spinumviva na mesa de jogo, causando danos ao Governo e ao resto da oposição, removendo o foco das peripécias de Miguel Arruda e outros deputados do partido de André Ventura. E no meio disto tudo pode até levar para casa os ganhos – lançar o caos, ou seja, eleições antecipadas onde poderá roubar votos a todos. Senhor primeiro-ministro, pode ser mesmo este o resultado principal da sua ida irresponsável ao casino.

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