A Cerâmica de Valadares, fundada há um século e renascida da falência, quer continuar a fazer história. Vem aí uma linha semitransparente de sanitários e um novo parque empresarial em Gaia.
Fundada a 25 de abril de 1921 por seis empresários nortenhos, com um capital social de 140 mil escudos, a Cerâmica de Valadares resistiu à segunda guerra mundial, à revolução dos cravos, à crise de 2010, mas acabou por entrar em falência em 2012. No entanto, conseguiu fintar o destino e voltar ao ativo em 2014 com a denominação Arch Valadares. Atualmente, a histórica cerâmica de Vila Nova de Gaia emprega 150 pessoas, fatura 7,5 milhões de euros e produz 120 mil peças de sanitário por ano.
O mercado nacional absorve cerca de 70% da produção, com a Leroy Merlin a ser um dos principais clientes da Valadares. No que respeita às vendas ao exterior, esta fábrica de origem centenária exporta 30% da produção para mais de 40 países, com destaque para os mercados de Espanha, do Reino Unido e de Itália. A empresa está agora prestes a entrar no mercado canadiano.
Das sanitas aos lavatórios, passando pelos urinóis, pelos bidés e pelas bases de chuveiro, o portefólio da Arch Valadares conta com 280 referências de peças de cerâmicas de sanitário. Até chegar ao produto final, os artigos passam por várias fases: design da peça, processo de modelação, moldes, olaria, vidragem, cozedura e controlo de qualidade.
As casas de banho passaram de ser um local de absoluta necessidade para ser um lugar de conforto (…) São hoje uma área onde a atenção é muito maior e passaram a ter um contexto decorativo.
O CEO da Arch Valadares, Henrique Barros, conta ao ECO/Local online, que o conceito de casa de banho mudou muito no último meio século. “Passou de ser um local de absoluta necessidade para ser um lugar de conforto, sendo que o migrar para dentro das habitações já foi uma grande evolução. As casas de banho são hoje uma área onde a atenção é muito maior e passaram a ter um contexto decorativo”, afirma com orgulho, Henrique Barros.
Adão Batista, responsável pela secção da modelagem, trabalha na Valadares desde 1990 e foi um dos colaboradores que voltou às origens depois da restruturação da empresa. Aos 54 anos, relata que “sempre acreditou no potencial da empresa” e no “valor do produto”. Trabalhar na Valadares é uma herança que já passa de geração em geração, tendo em conta que os pais e os tios de Adão Batista também foram colaboradores da centenária de Valadares.
“Esta é a minha casa”, acrescenta Carlos Sousa, 59 anos, que trabalha na empresa há 28 anos. À semelhança de Adão Batista, também o chefe de departamento da secção da vidragem diz que sempre acreditou no potencial da empresa. “Se não tivesse acreditado no projeto, não tinha voltado porque felizmente tinha trabalho. Hoje estamos a fazer ver que a fábrica tem muito caminho para andar e que o projeto Arch é um sucesso”, reforça.
Para otimizar o processo de vidragem, no ano passado, a empresa investiu na compra de um robot.O equipamento foi desenvolvido pela Sindura, uma empresa portuguesa, e custou menos de 200 mil euros. O robot consegue fazer, em simultâneo, a vidragem de quatro peças grandes ou oito peças pequenas. “Num dia de trabalho poupa dois operadores”, comenta o CEO da Arch Valadares.
A peça de sanitário só fica pronta quando sai do forno, que chega a atingir os 1.200º graus. Quando chega ao forno está na quinta e última fase do processo de fabrico, que é conhecido pelos operários como a cozedura. Depois de passarem pela cozedura, as peças são verificadas minuciosamente pelas mãos calejados e pelo olhar atento dos funcionários.
Os sanitários da Arch Valadares estão instalados em hotéis emblemáticos em Portugal, como o The Yeatman, o Infante Sagres ou o Caléway Charm Hotel, na região do Porto, ou o lisboeta WC by The Beautique Hotels. A coleção com mais sucesso é a TWO. “É uma coleção com enorme sucesso. Desde que o produto existe, nunca tivemos quantidade suficiente para abastecer as encomendas. É um produto que tem feito crescer a empresa”, afirma o gestor.
Museu, complexo industrial e linha “inovadora”
Henriques Barros sempre acreditou no potencial da empresa e a prova é que passados quase dez anos da reestruturação, a empresa continua a singrar e não faltam planos para o futuro próximo. Uma nova linha “inovadora” de sanitário — com parte das peças de semitransparentes, um parque empresarial nas instalações da empresa e o Museu de Valadares são alguns exemplos.
Outra das conquistas desta nova gestão será a criação do Museu de Valadares, que será inaugurado no próximo aniversário da empresa. “Poderá ter a colaboração da Câmara de Gaia para alargar o espólio a outras empresas de cerâmica. Temos todo o gosto em ter no nosso Museu alguns exemplares de produtos que foram produzidos, por exemplo na Cerâmica do Carvalhinho e Cerâmica das Devesas. A Câmara teve a sabedoria de conservar uma parte desse material que se iria perder — e algum dele perdeu-se. Queremos juntar isso aos nossos exemplares para mostrar que não fomos só nós a fazer cerâmica”, salienta o gestor que entrou na Cerâmica de Valadares em 1991. O Museu representa um investimento de 50 mil euros.
Perspetivando o futuro, nos planos do gestor está ainda, num prazo de três a cinco anos, a criação de um parque empresarial nas instalações da empresa com capacidade para acolher 15 a 20 empresas, num investimento até cinco milhões de euros. A empresa só ocupa 45% dos seis hectares das instalações e, como tal, quer reabilitar os edifícios abandonados para criar este novo parque empresarial.
Valadares quer ser mais sustentável
A empresa nortenha renasceu também com o propósito de ser mais sustentável. Desde 2016, a Arch implementou iluminação LED em 60% dos equipamentos e edifícios. O investimento implicou a substituição de cerca de 500 lâmpadas fluorescentes e incandescentes por tecnologia LED.
Por outro lado, já tem painéis fotovoltaicos num dos edifícios, constituído por 432 módulos fotovoltaicos com capacidade para produzir cerca de 250.000 KWh/ano, o que corresponde a redução da emissão de CO2 de cerca de 117 toneladas. “Isto assegura uma boa parte da energia que consumimos durante o dia. A ideia passa por fazer crescer a instalação”, comenta Henrique Barros.
Além da iluminação LED e os painéis fotovoltaicos, a empresa quer apostar na economia circular. “Não podemos continuar a ter resíduos e desperdícios. Estamos a fazer o caminho de reintegrar muitos dos produtos que estamos a produzir como resíduos que alguém poderá aproveitar para uma segunda matéria-prima”, comenta o CEO.
Neste momento, a Arch Valadares tem um outro projeto em curso, com seis meses de existência, que tem como objetivo reciclar praticamente a totalidade dos resíduos que são produzidos na fábrica de Valadares, reintegrando-os como matéria-prima e/ou produzindo produtos secundários que podem ser vendáveis. Nomeadamente, materiais refratários e outros materiais técnicos que não exigem o comportamento do sanitário, mas que são cerâmicos e podem perfeitamente ser utilizados, explica o gestor.
Estes materiais podem servir como revestimento de zonas onde a temperatura é um problema, como por exemplo, fogões de sala ou elementos estruturais nas habitações.
101 anos de história
A história da Valadares vai longa e já foi digna de ser contada no livro “100 anos Valadares”. Apesar das peripécias, Henrique Barros conta que a “Valadares foi a única empresa de cerâmica que resistiu num conjunto de cerca de 70 empresas de cerâmica que existiam no passado na região”. Nos séculos XVII e XIX, existiam 18 fábricas de cerâmica em Gaia, lê-se no livro “100 anos Valadares”.
A empresa não nasceu com o foco no sanitário. Nos anos 1930 dedicava-se à produção de louça de faiança, nos anos 1940 inicia a produção de materiais em grés, com a produção de artigos como garrafas para vinho e outro vasilhame. Só em 1950 é que a gestão da empresa resolveu investir na produção de louça sanitária.
No final dos anos 1970, o bloco fabril da Valadares era o mais moderno centro de produção em louça sanitária e azulejos em Portugal, empregando cerca de 1.800 colaboradores. Na década seguinte, o parque industrial era constituído por três fábricas de sanitários, uma fábrica de revestimentos, uma fábrica de mosaico e ainda uma unidade de cimento cola.
A década de 1990 marca a dedicação exclusiva à produção de louça sanitária, após a reconversão da sua capacidade industrial com duas novas unidades de sanitário. “A partir de 1990 só fabricámos sanitário e houve um período em que éramos a maior fábrica do país e uma das maiores da Europa”, lembra Henrique Barros.
A partir de 1990 só fabricámos sanitário e houve um período em que éramos a maior fábrica do país e uma das maiores da Europa.
No virar do século, a empresa atinge pela primeira vez a capacidade de produção anual de um milhão de peças. Com a Cerâmica de Valadares em velocidade de cruzeiro, ninguém previa que passados 12 anos entrasse em falência. O atual CEO conta ao ECO/Local Online que a Valadares fechou no melhor momento industrial e comercial e que “afundou pela correlação que tinha num grupo que estava em maus lençóis”.
O renascimento da empresa foi possível devido a um grupo composto por antigos quadros e novos investidores, que decidiram reerguer a marca. Em setembro de 2014, a empresa voltou a laborar com 20 ex-trabalhadores da fábrica, num contexto de incerteza e com o país sob intervenção da troika. À frente desta missão ficaram Henrique Barros (direção geral), Rocha Ferreira (direção de engenharia e I&D) e Jorge Borges (direção de projetos).
“Cometemos esta loucura aparente porque acreditávamos profundamente no valor do produto e da marca, que já sobrevivido a muitas coisas”, recorda Henrique Barros.
Percebendo o potencial da empresa e o valor do produto, o CEO da ex-cerâmica de Valadares, que foi um dos três ex-quadros desafiados pelo administrador de insolvência a estudar a viabilidade do negócio, não teve dúvidas que o projeto tinha pernas para andar e que o fim da história não podia ser a insolvência, mas sim o recomeçar de um novo capítulo.
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Das “cinzas” da centenária Valadares já saem 120 mil sanitários por ano
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