Supervisão: Constâncio defende uma terceira via

  • Marta Santos Silva
  • 10 Março 2017

O Governo quer um novo regulador para a política macroprudencial. Constâncio defendeu, no ano passado, que esta deve ser definida juntamente com a monetária. Mas o modelo atual também não é o ideal.

A política macroprudencial é complementar à política monetária e deve ser decidida pelos bancos centrais. É, pelo menos, esta a opinião de Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), que defendeu esse ponto de vista numa conferência em abril de 2016.

É uma perspetiva que poderá contrariar a intenção do Governo de criar um novo regulador que se ocupará não só da resolução de bancos mas também da política macroprudencial, que se prende com a resiliência do sistema financeiro. No entanto, Constâncio também poderá não ser favorável ao modelo atual em Portugal, já que o Banco de Portugal se ocupa da política macroprudencial ao mesmo tempo que da supervisão microprudencial, ou seja, das instituições individuais.

Na sua intervenção de 26 de abril sobre política macroprudencial, Vítor Constâncio afirmou que “os bancos centrais devem ter responsabilidades em ambas as áreas”, a da política monetária e a da política macroprudencial, “mesmo que não estejam envolvidos na supervisão microprudencial”. E apresenta vários motivos: a maior sensibilidade dos bancos centrais aos objetivos da estabilização macrofinanceira, a informação mais aprofundada que essas instituições detêm sobre os mercados financeiros e a economia, e o facto de a política monetária dever trabalhar numa cooperação próxima com a macroprudencial.

"A política macroprudencial é complementar à política monetária e deve partilhar do mesmo estatuto enquanto domínio político. Os bancos centrais devem ter responsabilidades em ambas as áreas políticas.”

Vítor Constâncio

Vice-presidente do BCE

Visto que Portugal pertence ao euro, a política monetária é decidida pelo BCE, onde o Governador do Banco de Portugal tem assento, mas Constâncio destaca que a política macroprudencial, por sua vez, deve ser específica a cada Estado, já que “os ciclos financeiros não estão totalmente sincronizados em cada país”. Para a política monetária e a macroprudencial estarem juntas, como o vice-presidente do BCE defende nesta intervenção, a opção portuguesa atual parece estar correta, em que o banco central, o Banco de Portugal, se ocupa da segunda e tem uma voz na primeira. O novo regulador que o Governo pretende criar, além da resolução de bancos, definiria a política macroprudencial, o que a separaria mais da política monetária.

No entanto, Vítor Constâncio também tece críticas a um modelo que junte a política macroprudencial, que procura tornar o sistema financeiro mais resiliente a choques e minimizar a probabilidade de os riscos presentes se materializarem, à supervisão microprudencial, que assegura a solidez financeira das instituições individuais, banco a banco. Para Constâncio, as duas áreas serem tratadas pela mesma instituição pode gerar um problema: “os objetivos de supervisão concentram-se em evitar o stress nos bancos individuais”, podendo ignorar o sistema financeiro como um todo.

Em Portugal, o banco central concentra em si a política monetária coordenada pelo BCE, a política macroprudencial e também a supervisão microprudencial, criando este último o conflito de interesses de que falava Vítor Constâncio em 2016. O novo regulador que o Governo pretende criar, anunciado esta quinta-feira pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, no Parlamento, passaria a ocupar-se da política macroprudencial, o que faria com que esta e a supervisão das instituições individuais deixassem de estar juntas na mesma instituição, mas afastá-la-ia da política monetária.

Qual o modelo ideal para Constâncio?

Então, qual é um bom modelo para Vítor Constâncio? “Nesta perspetiva, a estrutura institucional do Reino Unido é, na minha opinião, a mais adequada”, afirmou o vice-presidente do BCE. No Reino Unido, o banco central, o Banco de Inglaterra, controla a política monetária e também a estabilidade financeira do sistema, procurando reduzir os riscos sistémicos, enquanto uma outra entidade, a Financial Services Authority (FSA), se ocupa da supervisão do setor dos serviços financeiros, regulando não só os bancos individuais como outras instituições e empresas nesta área.

Se, em Portugal, a política monetária e a política macroprudencial permanecessem no Banco de Portugal, para serem definidas conjuntamente, então seria a supervisão microprudencial que, para se ajustar a este modelo, deveria ser controlada por uma outra instituição, independente do controlo do sistema financeiro como um todo. Por exemplo, essa supervisão poderia cair no âmbito da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Não é este o modelo que o Governo propõe, mas para já o Banco Central Europeu aguarda mais informações, sem se pronunciar diretamente. “É uma prerrogativa de Portugal organizar as suas autoridades de regulação, supervisão e resolução”, respondeu ao ECO o gabinete de imprensa do BCE. Os diferentes países europeus têm modelos diferentes de estruturação destes poderes, e um porta-voz da Comissão Europeia disse ao ECO que, embora ainda aguardem os pormenores da proposta do Executivo de António Costa, “em termos gerais, veremos de bom grado quaisquer reformas para melhorar ainda mais a eficiência das estruturas de supervisão nacionais”.

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