Novo Banco valia cinco mil milhões. Hoje tem um valor simbólico
Está prestes a ficar fechado um dossiê aberto há quase três anos: o da venda do Novo Banco. Começámos por procurar quem pagasse 4,9 mil milhões por ele. Acabámos a dá-lo por um "valor simbólico".
Re·so·lu·ção. Substantivo feminino. Ato ou efeito de resolver. Decisão; tenção; deliberação; propósito. Transformação. Era uma noite de domingo e esta palavra passava a marcar presença assídua nas manchetes dos jornais e aberturas dos noticiários. Parece que foi ontem, mas já passaram quase três anos. Estávamos a 3 de agosto de 2014 e o Banco de Portugal anunciava que tinha aplicado uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo (BES), separando o império em dois: banco bom e banco mau. O bom passou a ser Novo Banco e ficou com a atividade e património do BES, livre dos ativos “problemáticos”. Estes foram para o BES mau.
Começava assim a história que termina neste fim de semana. É esta a data de referência para o Governo fechar de vez o dossiê da venda do Novo Banco, aberto ainda em 2014. Esta é uma história, de três atos, que conta como um banco que, no mais idílico dos cenários, se esperava vender por 4,9 mil milhões de euros, acabou por ser dado por um “valor simbólico” a um fundo que alguns no mercado apelidam de “abutre”.
I. Olá, Novo Banco. Venham daí esses 4,9 mil milhões
O prólogo da história acontece a 30 de julho de 2014, quando o BES comunica prejuízos recorde: 3.577.300.000 de euros. “Os resultados divulgados em 30 de julho refletiram a prática de atos de gestão gravemente prejudiciais aos interesses do BES e a violação de determinações do Banco de Portugal que proibiam o aumento da exposição a outras entidades do Grupo Espírito Santo”. Esta foi a explicação dada pelo conselho de administração do Banco de Portugal na ata da reunião que decorreu a 3 de agosto. Nesse domingo, às 20 horas, os altos executivos do supervisor da banca reuniram-se para tratar de quatro pontos:
- Constituição do Novo Banco;
- Transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES para o Novo Banco;
- Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco;
- Nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do BES.
Estavam lançados os dados. Vítor Bento, que um mês antes tinha assumido a presidência do BES, era agora presidente de um Novo Banco. Durou pouco. O economista, que contava na sua equipa com João Moreira Rato e José Honório, chegou a dar início ao processo de venda do Novo Banco, mas divergia do acionista Estado quanto à estratégia que devia ser assumida. Vítor Bento queria tempo para vender o Novo Banco, o Governo queria que a venda fosse feita o mais rapidamente possível. Bento acabou por sair; quase três anos depois, o Novo Banco ainda não foi vendido.
Eduardo Stock da Cunha entra em cena em setembro de 2014 para substituir Vítor Bento. O objetivo era claro: limpar o balanço do Novo Banco para conseguir vendê-lo com o menor prejuízo possível. O esforço de Stock da Cunha, que saiu em julho de 2016, teve um resultado limitado: em dezembro de 2015, o Novo Banco tinha 10,8 mil milhões de euros em ativos não estratégicos — aqueles que foram “varridos” para o chamado side bank, onde se incluem ativos imobiliários, participações de equity, operações internacionais, crédito não estratégico ou participações em fundos de reestruturação. No final de setembro de 2016, o banco já tinha conseguido vender 1,1 mil milhões de euros destes ativos, reduzindo o seu valor total para 9,7 mil milhões.
Pelo meio, era definido o valor do lado bom do antigo BES. O Novo Banco foi capitalizado com 4,9 mil milhões de euros, o valor considerado como o mínimo necessário para que o banco pudesse funcionar dentro dos rácios de capital exigidos pela supervisão. Este montante foi assegurado pelo Fundo de Resolução que, por sua vez, é suportado pelo setor financeiro. “Tal significa que esta operação não envolve custos para o erário público”, garantia o Banco de Portugal em agosto de 2014.
Só que estes 4,9 mil milhões não vieram só do setor financeiro. Deste montante, 3,9 mil milhões foram emprestados ao Fundo de Resolução pelo Estado, através da linha estatal de ajuda ao sistema financeiro, negociada com a troika. Fica assim implícito o valor-meta de venda do Novo Banco, para evitar quaisquer perdas para os contribuintes.
II. Não foi chumbo. Foi falta de aprovação
4 de dezembro de 2014. O Fundo de Resolução publica um convite a quem queira apresentar manifestações de interesse pelo Novo Banco. Os potenciais compradores têm cumprir três requisitos:
- Devem demonstrar ativos líquidos num valor de, pelo menos, 500 milhões de euros, ou ativos sob gestão ou outros recursos financeiros no valor de, pelo menos, 100 milhões de euros;
- Não poderão ter sido acionistas qualificados do BES (ou seja, não podem ter detido uma participação igual ou superior a 2%), nos dois anos anteriores à criação do Novo Banco;
- Não podem ter sido condenados por branqueamento de capitais; não podem ter sido sujeitos a sanções financeiras, sanções aplicadas pelo Serviço de Controlo de Bens Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, ou sanções semelhantes aplicadas por qualquer Estado membro da União Europeia; nem podem estar domiciliados em jurisdições de alto risco ou não cooperantes identificadas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.
No último dia do ano, o prazo limite para a apresentação de propostas, o Banco de Portugal anuncia que recebeu 17 manifestações de interesse pelo banco, escusando-se a identificar quem foram as entidades interessadas. Foi só em meados de 2015 que ficámos a conhecer os autores das três ofertas pelo Novo Banco: os grupos chineses Anbang e Fosun e o fundo norte-americano Apollo.
"O Conselho de Administração considera que os termos e as condições das três propostas vinculativas não são satisfatórios e que o processo foi condicionado por importantes fatores de incerteza.”
Nenhum destes acabou por comprar o banco. Porquê? As condições oferecidas não foram satisfatórias. “O Conselho de Administração do Banco de Portugal optou por interromper o processo de venda da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, iniciado em 2014, e concluir o procedimento em curso sem aceitar qualquer das três propostas vinculativas. O Conselho de Administração considera que os termos e as condições das três propostas vinculativas não são satisfatórios e que o processo foi condicionado por importantes fatores de incerteza”, comunicou o regulador, a 15 de setembro de 2015.
Quais eram as condições? Não sabemos. As ofertas vinculativas nunca foram apresentadas. Tudo o que se sabe partiu de “fontes próximas do processo”, anónimas, que foram dando pistas aos jornalistas. Sabe-se, por exemplo, que a Anbang, que apresentou a melhor proposta e chegou a estar em negociações exclusivas para comprar o Novo Banco, oferecia cerca de quatro mil milhões de euros (não sendo claro se envolvia garantias públicas), um valor muito próximo do que foi injetado pelo Fundo de Resolução. O preço era o critério mais importante e o oferecido pela Anbang era o mais elevado. Mas as condições impostas por este grupo, ainda desconhecidas, levaram a que o Banco de Portugal rejeitasse a oferta.
A Fosun foi então chamada a negociar, mas este grupo também recusou melhorar a oferta inicial. O mesmo aconteceu com a Apollo.
Só muito mais tarde, já este ano, durante mais uma audição no Parlamento, é que o governador do Banco de Portugal mencionou o assunto, elencando três pontos para o Novo Banco não ter sido vendido:
- “Em 2015, os riscos no balanço do Novo Banco ainda não estavam mapeados. Isto é importante porque o comprador, quando compra, compra com incerteza, se esses não estão mapeados”;
- “Ainda não estavam definidos, pelo quadro do Mecanismo Único de Supervisão, quais eram os rácios de capitais exigidos. Existir 10% ou 12% é muito diferente para um comprador, porque determina a injeção de capital”;
- “O terceiro é a própria situação do comprador. Tínhamos dois compradores de origem chinesa. O primeiro afastou-se, o segundo manteve-se em negociações exclusivas mas foi apanhado pela bolsa de Xangai. Nunca nos explicou por que não avançou, mas, tendo nós um ano para cumprir a venda, não havia nenhuma razão para assumir esse risco”.
"A decisão [de não vender o Novo Banco] foi acertada quer para o banco, quer para a economia portuguesa.”
No fim, o regulador optou por não vender. Ou, como diz hoje Carlos Costa, optou por não recomendar a venda. “O Banco de Portugal não decidiu não vender o Novo Banco. Decidiu não fazer uma recomendação de venda, como hoje fez. Porque entendíamos que as condições oferecidas não eram as melhores e, além disso, havia um ano, concedido pela Direção Geral da Concorrência, que valia a pena aproveitar. A decisão foi acertada quer para o banco, quer para a economia portuguesa”, disse Carlos Costa na mais recente audição sobre a sua atuação no caso do Grupo Espírito Santo.
Os termos das ofertas deste primeiro processo de venda continuam por conhecer. Mas dizer que a decisão tomada em 2015 foi “acertada” para o banco e para a economia nacional, depois de conhecermos aquilo que é oferecido hoje pelo Lone Star — mais ou menos um quinto do que foi injetado no banco em 2014 — e que foi aceite pelo Banco de Portugal, vai levantar dúvidas.
III. À segunda é de vez
É neste contexto que chegamos ao segundo processo de venda do Novo Banco, lançado oficialmente a 15 de janeiro de 2016. Desta vez, o Banco de Portugal optou por se precaver com dois modelos de venda possíveis: ou uma venda a investidores estratégicos e institucionais, onde se incluem instituições de crédito ou seguradoras, ou uma venda em mercado, dirigida a fundos de investimento.
A 30 de junho do ano passado, o Banco de Portugal informa que recebeu quatro propostas de compra. À fase negociações exclusivas, chegaram três interessados: China Minsheng, Apollo (desta vez em consórcio com o fundo Centerbridge) e o fundo Lone Star. O último foi o vencedor do processo e deverá fechar negócio formalmente este fim de semana.
Este fundo de investimento não é estranho à banca. Durante a crise financeira dos Estados Unidos, ajudou o Merrill Lynch, ao comprar 6,2 mil milhões de dólares em instrumentos de dívida. Também foi em socorro de outra vítima da crise do subprime, o banco alemão IKB, a quem comprou uma participação de 90,8% por 137 milhões — um valor muito aquém dos 800 milhões que a Alemanha pedia. Hoje, repete a estratégia de pagar pouco para ficar com o banco com grande quota de mercado.
O Lone Star vai comprar 75% do capital do Novo Banco e fará um aumento de capital em dois momentos. O primeiro, no valor de 750 milhões de euros; depois, mais 250 milhões de euros. Ao todo, o Novo Banco fica com um reforço de capital de mil milhões de euros — um valor que fica muito longe dos 4,9 mil milhões injetados aquando da constituição do Novo Banco. Como contrapartida, o Lone Star ficará impedido de distribuir dividendos do Novo banco durante oito anos, de forma a criar uma almofada de capital que diminua a probabilidade de o banco vir a necessitar de novas injeções de dinheiro.
Do lado de Portugal, o risco será assumido com uma participação de 25% do capital do Novo Banco, detida pelo Estado, através do Fundo de Resolução. Esta participação pode implicar custos no futuro, se for necessário um novo aumento de capital. A vantagem é que esta posição poderá ser vendida posteriormente, a qualquer momento, e o Estado encaixa mais algum dinheiro.
Em simultâneo com a participação de 25%, o Fundo de Resolução vai prestar uma garantia de quase quatro mil milhões de euros sobre sobre os ativos considerados problemáticos, integrados no side bank. Esta garantia será dada através de um mecanismo contingente, que funciona como um teto e será usado em função das necessidades. Em último caso, se for necessário, a garantia poderá até ser usada para capitalizar de novo o banco.
O que faz com que o Novo Banco, nascido de um velho império, valha hoje tão pouco? Essencialmente, é o risco de 9,7 mil milhões de euros, o tal valor que está alocado ao side bank, que faz com que as propostas pelo Novo Banco sejam tão pouco atrativas e incluam a exigência de uma garantia de Estado.
Esta sexta-feira, Mário Centeno vai falar ao país para explicar o processo que nos trouxe até aqui.
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