Venda do Novo Banco: o que já se sabe e o que falta saber
Já se perdeu no meio do processo de venda do Novo Banco? O ECO explica-lhe o que já se sabe e o que falta saber sobre uma operação que deverá estar concluída esta sexta-feira.
Na resolução do BES em 2014, Portugal serviu de cobaia para uma experiência europeia: criou-se o Fundo de Resolução, separaram-se os ativos em banco ‘bom’ e em banco ‘mau’ e o Estado português ficou limitado por prazos para vender o Novo Banco. Quase três anos depois, ainda persistem muitas dúvidas numa altura em que o primeiro-ministro espera que o processo fique concluído esta semana. Além de ser um método inédito no quadro europeu — sendo assim difícil estabelecer comparações –, este é um processo complexo com várias partes interessadas.
Não é apenas entre o Governo e o Lone Star que as negociações ocorrem. Neste complexo esquema de venda entra ainda a Direção Geral da Concorrência Europeia (a Comissão Europeia) — a entidade que supervisiona as ajudas de Estado e a concorrência europeia –, o Banco de Portugal e até o Eurostat, por causa do impacto nas finanças públicas. Até dia 3 de agosto, o prazo final definido pela Comissão Europeia, os ponteiros do relógio estão a contar. Em último caso, se não houver uma solução nessa altura, o banco é liquidado. Agora na reta final importa arrumar as ideias, perceber o que já se sabe e o que é preciso saber sobre o processo de venda do Novo Banco.
Quanto vai pagar o Lone Star?
Tudo indica que o Lone Star vá pagar um “valor simbólico” ao Fundo de Resolução para controlar o Novo Banco. No dia 4 de fevereiro, quando o Banco de Portugal deu o fundo de investimento como favorito, o Lone Star estava disposto a pagar ao Fundo de Resolução até 750 milhões de euros por 100% do Novo Banco – ainda assim longe dos 4,9 mil milhões de capital injetado no momento de criação do banco, dos quais 3,9 mil milhões emprestados pelo Estado. Sem uma contra-garantia do Estado — a linha vermelha traçada pelo ministro das Finanças — o cheque deverá ser simbólico.
O fundo de investimento terá, no entanto, o compromisso de, numa primeira fase, injetar 750 milhões de euros de capital no banco e, numa segunda fase, mais 250 milhões de euros. A curto prazo, depois da Lone Star se tornar o principal acionista, o Novo Banco terá assim um reforço de capital de mil milhões de euros. Além disso, o plano de recapitalização do Novo Banco deverá ter como premissa a passagem de obrigacionista a acionistas no valor de 500 milhões de euros.
Como será a estrutura acionista do Novo Banco após a venda?
Mário Centeno garantiu que não ia dar uma garantia de Estado para viabilizar a venda do Novo Banco à Lone Star. Em contrapartida, a partilha de risco com o investidor privado deverá acontecer de outra forma, com uma participação pública de 25% de ações ordinárias, através do Fundo de Resolução. A Direção Geral da Concorrência Europeia não queria, mas terá acabado por ceder. A maior parte do capital será sempre detido pelo Lone Star de forma a que o Novo Banco deixe de ser considerado um “banco de transição”, expressão que resultou da resolução operada no verão de 2014.
O que implicam os 25% de capital?
Do ponto de vista económico, ficar com uma posição de 25% pode implicar custos no futuro, se for necessário um novo aumento de capital. Ainda assim, não está claro se o Fundo de Resolução vai ter de participar em futuras injeções de dinheiro. O acordo fechado a 3 de agosto de 2014 com as autoridades comunitárias impede esta possibilidade, contudo, este acordo está a ser revisitado. Poderão ser encontradas condições em que o Fundo de Resolução possa ter de participar em injeções futuras de capital no banco, conforme confirmou o ECO. O jornal Público adianta ainda que o Fundo poderá mesmo ter de se comprometer a participar, caso os rácios de capital desçam abaixo de um determinado limite.
Seja como for, segundo apurou o ECO, o Lone Star deverá comprometer-se a não distribuir dividendos do Novo Banco durante oito anos. Esta medida serve para criar uma almofada de capital e diminuir o risco de virem a ser necessárias injeções futuras.
Mas existe uma vantagem nos 25%: o Fundo de Resolução continua acionista, com uma posição que poderá ser vendida posteriormente, a qualquer momento, com potencial recuperação do investimento num momento futuro da venda. No acordo que está em cima da mesa, o Fundo de Resolução mantém os direitos económicos de 25% do capital, mesmo que a posição se venha a diluir por ocorrerem aumentos de capital em que o acionista público não participe. Isto é, aliás, o que deverá acontecer já nos aumentos de capital iniciais (os 750 milhões de euros do primeiro momento, e os 250 milhões do segundo). A posição do Fundo de Resolução deverá acabar por ficar diluída para 19,8%, mas este mantém 25% dos direitos económicos.
Fundo vai ter administradores no Novo Banco?
O Fundo de Resolução não deverá ter direitos de participação na gestão. Ou seja, o Novo Banco será gerido completamente pelo Lone Star, sem interferência do seu parceiro público. Não só não terá administradores como não vai ter poder de voto nas decisões do banco “bom”. Esta terá sido uma das condições impostas pela Direção Geral da Concorrência Europeia (DG Comp) para que a venda seja parcial e não total. E é por isso que o acionista público está a ser chamado de “sleeping partner”, ou “silent partner”.
Quem já se sabe que ficará na administração é António Ramalho, o atual presidente executivo do Novo Banco, segundo garantiu o fundo de investimento.
Afinal há garantias ou não?
Inicialmente sabia-se que o Lone Star pedia uma garantia de Estado para efetuar a aquisição do Novo Banco. Mas essa contra-garantia caiu. No entanto, surgiu outra: uma possível garantia do Fundo de Resolução para cobrir o valor dos ativos chamados problemáticos e os não-rentáveis. Mas esta modalidade não só acresce os encargos dos bancos do sistema — que já se uniram contra esta decisão — como pode ter um impacto negativo no défice dado que o Fundo de Resolução está dentro do perímetro das administrações públicas. Contudo, ao que tudo indica, o Eurostat terá aceite que esta garantia dada pelo Fundo apenas pesará nas contas públicas à medida que é acionada.
O ECO sabe que existe um acordo com Bruxelas para permitir a participação e intervenção do Fundo de Resolução na venda de ativos problemáticos (sobre os quais vai dar a garantia), no chamado ‘side bank’. Dado que o Fundo de Resolução poderá ser chamado a cobrir as responsabilidades contingentes relativas a alguns ativos, o Governo quer ter alguma capacidade de intervenção ou controlo sobre esses mesmos ativos.
Esta garantia será de quase quatro mil milhões de euros para cobrir riscos de crédito, através de um ‘mecanismo contingente’, que funciona como um teto e será usado em função das necessidades. No limite, esta garantia do Fundo de Resolução pode até servir para capital se os rácios do Novo Banco caírem para valores inferiores aos exigidos pela supervisão. Isto sem nunca pôr em causa a relação de forças entre os 75% do Lone Star e os 25% do Estado através do Fundo de Resolução.
O impacto final desta operação cairá sobre o sistema financeiro dado que são os bancos que financiam o Fundo de Resolução. Contudo, como o fundo não tem dinheiro, terá de ser o Estado, outra vez, a financiar as necessidades de execução que vierem a ser executadas.
Por causa desta garantia o Estado vai ter uma palavra na gestão e venda do ‘side bank’, precisamente para garantir que o Lone Star seja impedido de vender os ativos problemáticos sem controlo de quem presta a garantia. O ‘side bank’ terá de ser vendido nos próximos cinco anos, por imposição da Direção Geral da Concorrência (DGComp) europeia.
A reestruturação do Novo Banco
Tal como está a acontecer na CGD, o Novo Banco também vai ter de passar por um plano de reestruturação adicional. Os pormenores das negociações foram revelados aos partidos esta terça-feira e, segundo a Rádio Renascença, o plano de reestruturação implícito na venda vai obrigar ao despedimento de mais 400 trabalhadores. Além disso, o Novo Banco terá de fechar 55 balcões.
Também segundo a rádio, até à venda, qualquer custo com a justiça terá de ser suportado pelo Fundo de Resolução. Ou seja, todas as despesas resultantes de processos judiciais relacionados com a resolução do Banco Espírito Santo serão mais uma fatura a suportar pelos bancos do sistema financeiro.
O Lone Star terá também dado indicação de que pretende manter a posição do Novo Banco em Espanha. Além disso, vai haver um Comité de Monitorização para os créditos, imparidades e contas do banco. Segundo a Renascença, o Lone Star, nos próximos cinco anos depois da aquisição, só poderá vender ativos com autorização do Fundo de Resolução. Acresce que os critérios de risco não poderão ser mudados durante dois anos.
A venda pode ir ao Parlamento?
Esta questão só poderá ser respondida quando se souber se o Governo vai necessitar de fazer um ato legislativo para vender o Novo Banco. Fonte governamental próxima do processo explicou ao ECO que em princípio não será necessário nenhum decreto-lei, mas a hipótese não está excluída a 100%. Tudo depende do formato do acordo final de venda, algo que ainda está a ser ultimado entre as várias partes. Caso não exista nenhum ato legislativo, os partidos que forem contra a venda do Novo Banco nestes termos pouco podem fazer na Assembleia da República, também por questões de timings.
Contudo, se existir um ato legislativo, os partidos vão poder — como já fizeram no caso da baixa da TSU da transferência da Carris — pedir uma apreciação parlamentar sobre o diploma aprovado pelo Governo. Nesse caso, os deputados tanto podem fazer propostas de alteração, como pedir imediatamente a cessação de vigência do diploma, impedindo ou, na prática, revogando a venda do Novo Banco ao Lone Star. Qualquer tipo de alteração legislativa que o negócio exija, ainda que, por exemplo, ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, poderá ser levado ao Parlamento.
O que falta saber?
As negociações continuam e, por isso, podem existir muitos dados novos ainda por saber. Contudo, existem já perguntas que se impõe fazer: Quanto tempo é que a Lone Star tem de ficar no Novo Banco? É que uma das críticas dos partidos da esquerda sobre o fundo de investimento é que este não tem uma visão estratégica para o banco, apelidando-o de fundo “abutre”.
A estratégia mais comum para fundos como a Lone Star é rentabilizar ao máximo as suas aquisições para depois voltar a vender. Uma das estratégias passará por vender os ativos do banco ‘mau’, mas ainda não se sabe qual é o prazo imposto no acordo para que esses ativos tóxicos sejam vendidos.
O próprio plano de reestruturação que a Lone Star preparou é uma incógnita, ainda que a Rádio Renascença tenha noticiado esta quarta-feira, com base em fontes dos partidos que reuniram com o Governo, que vão ser despedidos 400 funcionários e eliminados 55 balcões. O esforço de reestruturação tem sido um elemento comum a todo o sistema bancário português, incluindo a Caixa Geral de Depósitos que está neste momento a executar o plano de recapitalização e de reestruturação do banco público liderado por Paulo Macedo.
A solução final terá sempre de conseguir o carimbo de aprovação por parte da Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DGComp) para garantir que não configura uma ajuda estatal. Os compromissos assumidos anteriormente pelo Estado português pressupunham a venda da totalidade do Novo Banco.
(Notícia atualizada a 31 de março, com informação adicional)
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