Fernando Ulrich: o “enfant terrible” da banca
"Nuevo" BPI traz um novo desafio para Fernando Ulrich. Com um perfil marcadamente executivo, terá Ulrich engenho para dançar este tango? O que pensam Artur Santos Silva e os amigos do banqueiro.
A assembleia geral do BPI que tem lugar esta quarta-feira em Serralves marca um novo ciclo na vida do banco, mas marca sobretudo um novo ciclo na vida de Fernando Ulrich com a sua passagem a presidente do conselho de administração do banco, ou “chairman“, sucedendo no cargo a Artur Santos Silva. Santos Silva, por seu turno, assume o cargo de presidente honorário.
A data de 26 de abril, que curiosamente coincide com o aniversário de Fernando Ulrich — faz 65 anos — será assim um novo marco na vida de um homem que é conhecido pela sua frontalidade e impulsividade e sobretudo pela sua enorme dedicação ao BPI, onde durante mais de 13 anos assumiu os comandos executivos da instituição. A liderança executiva passa para as mãos de Pablo Forero, vindo do CaixaBank.
Amigos próximos de Ulrich — que preferem não ser identificados — dizem que “estes novos tempos vão ser um desafio“. Ulrich tem um perfil muito executivo “e gosta de se envolver nos dossiers ao detalhe” e estas novas funções vão exigir outra contenção. Uma contenção ainda mais reforçada na medida em que estamos perante uma sociedade detida praticamente na totalidade pelo CaixaBank, o que limita ainda mais as funções de chairman.
Com o sucesso da oferta pública de aquisição (OPA), o grupo catalão assumiu o controlo de 84,5% do BPI. Os mesmos amigos adiantam que “para ele vai ser uma mudança muito grande“. Mas ainda assim dizem: desengane-se quem pensa que o chairman do BPI deixará de lado “o seu verbo fácil”.
Artur Santos Silva, fundador do BPI e que agora abandona as funções de chairman, tem outro entendimento como adiantou em declarações ao ECO. “As pessoas ajustam-se às novas realidades, o Fernando Ulrich tem todas as qualidades e tem capacidade de entender as realidades novas, sobretudo quando tem um acionista como o CaixaBank que entende que o BPI deve continuar a ter uma equipa de gestão maioritariamente portuguesa”.
"Vamos ter o mesmo Fernando Ulrich com o entendimento daquilo que são as suas funções, um presidente não executivo que vai estar muito presente e isso é muito importante para o banco e para o país.”
Para Santos Silva não há dúvidas de que iremos ter o mesmo Fernando Ulrich. “Vamos ter o mesmo Fernando Ulrich com o entendimento daquilo que são as suas funções, um presidente não executivo que vai estar muito presente e isso é muito importante para o banco e para o país”. E acrescenta: “tal como eu fiz em 2004 [altura em que Ulrich assumiu a presidência executiva que pertencia a Santos Silva], também o Fernando Ulrich vai ser capaz de mudar de funções”.
De resto, Santos Silva relembra que a situação que hoje se vive no BPI — um acionista de controlo com 84,5% — já acontece desde há cinco anos. “O CaixaBank já era o acionista de referência, detinha 44% do capital do BPI e é uma instituição muito moderna”.
Sobre as qualidades do homem que lhe vai suceder no cargo, Santos Silva não poupa nos elogios. “Considero-o um excecional profissional, de enorme dimensão humana, grande criatividade, bom senso, o que é fundamental para quem gere uma instituição de crédito e com grande capacidade de liderança e de mobilização de equipas e tem uma visão muito importante do que é o país e do que devia ser“, afirma.
Para Santos Silva não há dúvidas. Ulrich tem sempre presente o “interesse do país no horizonte e isso é fundamental para quem gere uma instituição de crédito”.
A estas qualidades, Santos Silva acrescenta ainda “uma vontade insaciável de conhecer, e foi este conjunto de qualidades e de valores, e um grande sentido de cidadania que marcaram todo o seu trajeto profissional e de grande afirmação pública, e ainda a proximidade das pessoas“.
O ainda chairman do banco relembra que “Ulrich está no banco desde a sua criação, em 1983, e dedicou toda a sua vida a este projeto, e é o BPI que marca a sua vida profissional” e que foi com muita naturalidade e com enorme consenso e com total unanimidade que o seu nome foi aprovado quando em 2004, Santos Silva indicou Ulrich para o substituir na presidência executiva do banco.
Mas os elogios não vem só do seu antecessor nos cargos.
Fernando Ulrich, o banqueiro que “fala fora da caixa”, o mesmo que disse que o país “aguenta, aguenta” mais austeridade é visto dentro do BPI como alguém muito corajoso.
Manuel Ferreira da Silva, administrador do BPI, e que nesta assembleia geral deixa a administração do banco, diz que “o Fernando é uma pessoa bastante fácil de conhecer”.
Membros do conselho de administração do banco adiantam que “no essencial o Ulrich fora dos holofotes mediáticos não é diferente do Ulrich do dia a dia“.
Inteligente, intuitivo e sobretudo muito desprendido são características que quem o conhece bem lhe atribui.
Colaboradores do banco adiantam que: “é fácil trabalhar com ele e sobretudo é muito transparente, não há jogos, é tudo muito claro”. E acima de tudo “tem muito carisma”.
"Só alguém desprendido e muito livre pode ser tão frontal e tão corajoso como ele.”
Ferreira da Silva diz mesmo que “só alguém desprendido e muito livre pode ser tão frontal e tão corajoso como ele”.
Coragem. A mesma que terá tido no dia em que disse — estávamos Maio de 2010– que “o dia em que batermos na parede não está muito longe. Talvez por semanas. E bater na parede significa, por exemplo, a intervenção do FMI. Lamento mas o país tem de saber“. Ou a mesma que foi tendo ao longo de todo o seu percurso e em que se envolveu com figuras centrais da vida política e económica, como foi o caso de Ricardo Salgado, na altura o mais influente banqueiro português. Ou até mesmo no dia em que disse, numa entrevista ao Expresso, que os políticos não têm tempo para pensar.
"O dia em que batermos na parede não está muito longe. Talvez por semanas. E bater na parede significa, por exemplo, a intervenção do FMI. Lamento mas o país tem de saber.”
Com grande capacidade de trabalho e muito dotado, as mesmas fontes dizem ainda que Fernando Ulrich é muito generoso. Manuel Ferreira da Silva aponta-lhe ainda outras características. Ulrich é “generoso, entusiasta e muito positivo“. Assim se explica eventualmente os dois últimos anos, em que o banco andou de assembleia geral em assembleia geral à procura de consensos entre os dois maiores acionistas: o CaixaBank e a Santoro de Isabel dos Santos.
Agora até de Angola chegam elogios
Mas nem esses tempos difíceis e atribulados ‘roubam’ elogios ao novo chairman do BPI.
“É um negociador difícil mas leal“. As palavras são sobre Fernando Ulrich, presidente do BPI, e são da responsabilidade de Mário Leite da Silva, presidente da Santoro, empresa do universo de Isabel dos Santos e acionista do BPI, e que durante praticamente dois anos travou com o banqueiro uma luta renhida sobre o futuro do banco.
Um dos pontos quentes travados entre Mário Silva e Ulrich teve a ver com a desblindagem dos estatutos do banco. Isabel dos Santos opunha-se à desblindagem enquanto a administração do banco era claramente favorável, mas nem isso impede o homem forte de Isabel dos Santos de considerar Ulrich como “uma pessoa excelente, um bom amigo e sobretudo um excelente banqueiro”.
"Uma pessoa excelente, um bom amigo e sobretudo um excelente banqueiro.”
Para trás ficam as imensas assembleias gerais em que ambos estavam em polos opostos. De um lado, Isabel dos Santos — que através de Mário Silva se opunha ferozmente à OPA do CaixaBank sobre o BPI e sobretudo à solução encontrada pela administração do banco para dar resposta à exigência do Banco Central Europeu sobre a grande exposição a Angola — e do outro o presidente executivo do BPI, conhecido por ser direto, assertivo e muito frontal e que desde sempre deu o seu “aval” à OPA dos espanhóis.
A gestão vista por Santos Silva
Desde 2004, altura em que assumiu a presidência executiva do banco, muito aconteceu. No Mundo, em Portugal e no sistema financeiro.
Santos Silva relembra que o BPI viveu anos muitos difíceis. Primeiro, a OPA hostil do BCP sobre o BPI, a crise internacional em 2007 com o subprime, depois a falência do Lehman Brothers e depois uma crise que deixou marcas profundas no sistema financeiro. “É com muito orgulho que constato que o BPI saiu sem uma única mancha em termos reputacionais e de solidez”.
“O Banco foi uma exceção na realidade portuguesa, em termos de respeito pela lei e pela ética e da credibilidade”.
E numa clara alusão à interferência do BCE adianta: “O BPI nunca esteve envolvido em nada menos ético e legal. O que abanou mais o banco foi uma exigência difícil de compreender por parte do BCE e que envolveu uma instituição importante para o banco e que era a mais rentável de Angola”. Para Artur Santos Silva, a interferência do BCE prejudicou não só o banco mas também o país. “O BFA era um instrumento muito importante na relação de Portugal e Angola”.
“A exigência do BCE implicou problemas para o BPI que se arrastaram até ao epílogo que todos conhecemos e que foi o de perdermos o controlo de uma unidade em Angola que era muito importante”, adianta.
"O banco saiu enfraquecido, apesar de continuarmos com um interesse significativo, mas diria que esse foi o problema mais complexo. A falta de flexibilidade e de pragmatismo do BCE prejudicaram o BPI.”
Para Santos Silva não há dúvida. “O banco saiu enfraquecido, apesar de continuarmos com um interesse significativo, mas diria que esse foi o problema mais complexo. A falta de flexibilidade e de pragmatismo do BCE prejudicaram o BPI”.
O fundador do BPI diz mesmo que “Fernando Ulrich teve mares muito complicados em que navegou como CEO, e depois entramos numa crise de que ainda não saímos — o próprio país não está no rating que tinha há 13 anos atrás”.
O apoio do Governo ao problema de Angola
Com os acionistas do BPI em “guerra” e sem entendimento quanto a uma solução que permitisse satisfazer as exigências do Banco Central Europeu impostas em dezembro de 2014, com vista à redução da exposição a Angola, Ulrich contou com o apoio do Governo português, do Presidente da República e até do próprio Banco Central Europeu.
O Governo preparou uma legislação que permitia a desblindagem de estatutos nos bancos, ao facilitar o fim da limitação de votos dos acionistas. O diploma, que foi rapidamente apelidado por Isabel dos Santos de “diploma BPI”, acabava por retirar poder à empresária, uma vez que fez equivaler os direitos económicos aos direitos de voto. Até então, Isabel dos Santos que detinha 19% do capital do BPI detinha praticamente o mesmo poder que os espanhóis do CaixaBank, detentores de 44% do BPI.
Mas não foi só o Governo a apoiar Ulrich. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa foi célere na aprovação do diploma. E o próprio BCE parecia “ajudar” o BPI ao aceitar suspender o processo de contra-ordenação ao banco, apesar de o prazo ter terminado.
Apesar da sua assertividade, Ulrich é um gerador de consensos. Ou nem tanto. A família Violas — Holding Violas Ferreira — o maior acionista português do BPI, não lhe perdoa a tomada de posição durante a OPA, o que levou ao afastamento de Edgar Ferreira do conselho de administração do BPI, saindo em desacordo com a administração do banco.
Mas Ulrich está habituado a estes “desencontros”. Mais uma vez quem o conhece há muitos anos adianta que o presidente do BPI é “muito impulsivo, mas quando erra tem a humildade de reconhecer o erro“.
Hobby: dançar o tango
Adepto do Sporting, e de um bom jogo de futebol como por exemplo, um Real Madrid – Barcelona, Ulrich tem no tango o seu grande hobby. O presidente do BPI aprendeu a dançar o tango e esse é manifestamente um dos seus grandes prazeres quando despe a “farda” de banqueiro. Casado, o banqueiro tem três filhos e é ainda fã de jogos de râguebi.
Próximo do PSD e defensor da austeridade imposta por Passos Coelho, isso não o impediu de afirmar ainda Costa não era primeiro-ministro que “confio no doutor António Costa e no Partido Socialista de que terão o sentido de responsabilidade necessário para manter o país num caminho de rigor das finanças públicas e de garantia de estabilidade no sistema financeiro”.
Com influência politica, empresarial e mediática, Ulrich reconheceu em tempos numa entrevista ao Expresso que “gostava de ser deputado, é uma coisa bonita”. Ulrich dizia: “gosto de participar na sociedade em que pertenço. Não excluo nada”, mas para que não existissem equívocos adiantou de imediato: “no BPI só aceitamos dedicação exclusiva”.
O banqueiro foi aliás, um dos rostos do Compromisso Portugal e tem feito afirmações ao longo da sua carreira a “fugir” para esta área, algumas até polémicas, como quando defendeu que devia ser mais fácil e mais caro despedir.
Mas as ligações políticas não são de agora. Lá atrás o banqueiro, — que não é licenciado, tendo frequentado o Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, curso que não viria a terminar, — chegou a ser jornalista no Expresso, sendo responsável pela secção de mercados financeiros. Foi assessor do embaixador de Portugal junto da OCDE entre 1975 e 1979 em Paris, tendo mais tarde assumido o cargo de chefe de gabinete dos ministros das Finanças e do Plano dos governos Balsemão, Morais Leitão e João Salgueiro.
Em 1983 entra para a Sociedade Portuguesa de Investimentos (SPI) com Artur Santos Silva, que mais tarde se torna no BPI. E agora passados 35 anos, volta a suceder a Santos Silva, o que já acontecera quando assumiu a presidência da comissão executiva.
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