A economia segundo Marcelo: da dúvida ao otimismo realista

Faz hoje dois anos que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse. O ECO foi analisar como evoluiu o discurso do Presidente da República sobre a economia neste período. Mudou o tom mas os recados persistem.

Foram 730 dias de intervenções quase diárias que reforçaram a confiança dos portugueses na Presidência da República. Como evoluiu o discurso de Marcelo Rebelo de Sousa para a economia? Da tomada de posse ao discurso sobre os incêndios, passando pela promulgação dos orçamentos, estes foram os elogios e os avisos económicos do Presidente da República em dois anos. O tom foi melhorando ao longo do tempo, mas as questões estruturais mantiveram-se.

Em 2016, quando tomou posse, Marcelo Rebelo de Sousa tinha perante si uma situação política débil. Com um orçamento em duodécimos, era necessário que a solução política encontrada por António Costa chegasse a acordo para o OE2016. “A política é muitas vezes a arte do possível, resta saber se o possível será suficiente”, comentou o Presidente da República quando decidiu promulgar o documento, após dúvidas vindas de vários setores, incluindo Bruxelas. Recorde-se que o Orçamento sofreu alterações após as negociações duras com a Comissão Europeia.

Ultrapassado este desafio inicial, as dúvidas continuaram. Além de sinais de desaceleração económica, persistia a incerteza sobre o cumprimento das metas orçamentais, da recapitalização da banca, no modelo económico de Mário Centeno e sobre a própria solução política. Cauteloso, Marcelo afirmou também que “só em 2017 começaremos a ver se o modelou provou ou não provou”, o que se viria a confirmar — evitando que tivesse de ir mais longe nos avisos. Apesar das dúvidas, Marcelo foi claro: “Agora trata-se de viver em estabilidade política, financeira, económica e social”.

Esta vontade de estabilidade em Portugal serviu de base às intervenções do Presidente da República. Só no final de 2016 é que os dados económicos começaram a dar boas notícias para o Governo. No quarto trimestre de 2016 a economia acelerou, os dados de execução orçamental indiciavam um défice inferior ao projetado e o ambiente económico que se vivia no país passou da dúvida ao otimismo. Do “otimismo crónico” de António Costa ao “otimismo realista” de Marcelo, o próprio Presidente da República foi melhorando a sua apreciação da economia portuguesa, mas nunca deixou de alertar para as questões estruturais.

Tanto na promulgação dos Orçamentos como em discursos para empresários, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de deixar uma mensagem positiva para os portugueses acompanhada sempre por avisos. A estabilidade fiscal, o endividamento público, o sacrifício o investimento público, as cativações de Centeno e a resposta do OE2018 aos incêndios foram e continuam a ser temas para onde Belém olha com atenção. Mesmo quando a economia portuguesa cresceu 2,7% em 2017 — o maior crescimento desde 2000 –, Marcelo fez questão de dizer que não é suficiente e que tem de ser feito mais para promover a criação de riqueza em Portugal.

Tomada de posse: “Um Presidente de todos”

Há dois anos, Marcelo Rebelo de Sousa tomava posse na Assembleia da República enquanto Presidente da República. Este foi um discurso de união — onde assinalou que queria ser o “Presidente de todos os portugueses” –, mas também é possível identificar a base daquilo que viria a ser o seu discurso económico. “Finanças sãs desacompanhadas de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças e conflitos sociais”, afirmou, pedindo “níveis equitativos de bem-estar económico e social” e referindo também que o sistema financeiro tem de “prevenir antes de remedir”, sem criar “ostracismos ou dependências contrárias ao interesse nacional”. “Temos de sair do clima de crise”, pediu, garantindo que “não é nem a favor nem contra ninguém”.

OE2016: o Orçamento do “compromisso”

Foi a primeira prova de fogo do novo Presidente da República. Após uma difícil negociação do Governo com os seus parceiros parlamentar, mas também com as instituições europeias, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu promulgar o documento rapidamente pela necessidade de haver um OE no terreno. Mas isso não limitou a fazer avisos ao Orçamento que apelidou de “compromisso”. Perante um Orçamento que disse ser “diferente do modelo dos últimos anos” ao apostar no consumo interno, Marcelo deixou várias reservar a esta estratégia de Mário Centeno.

O Presidente da República instou o ministro das Finanças a ser “muito rigoroso” na execução orçamental e questionou as previsões por virem a ser “demasiado otimistas”. Será possível executar este Orçamento sem medidas adicionais?”, questionou com receio de um retificativo — no final não teve um Orçamento retificado, mas o famoso perdão fiscal apelidado de PERES. Ainda assim, foi cauteloso: “Só em 2017 começaremos a ver se o modelou provou ou não provou”.

OE2017: Da “estabilidade fiscal” à promulgação relâmpago

No arranque do ECO, a 10 de outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deixou uma mensagem para o Governo, que estava prestes a apresentar a proposta do OE2017. “Atenção à estabilidade fiscal“, disse, que tem impacto na captação de investimento. O Orçamento viria depois a conter aumento de impostos com a criação do Adicional ao IMI (AIMI), mas também a ‘fat tax’ às bebidas açucaradas. Na mesma mensagem, o Presidente da República pedia uma maior recuperação da economia, rigor nas finanças públicas, criação de emprego e justiça social.

No fim do processo orçamental no Parlamento, Marcelo fez uma promulgação relâmpago do documento — mais rápida do “sim” ao OE2016. Num dia o documento chegou, no dia seguinte foi promulgado com quatro razões e quatro avisos. A ideia era, mais uma vez, assegurar a estabilidade interna. Os números da execução orçamental numa tendência positiva, a progressiva consolidação do sistema bancário e o ano de incerteza na Europa (várias eleições decisivas na Holanda, França ou Alemanha) foram os motivos. Por outro lado, os dados do crescimento económico continuavam a ficar aquém, assim como o investimento no país e da poupança dos portugueses.

Ano Novo, depois do ano da “gestão do imediato”

No final do ano, pouco depois de promulgar o Orçamento, Marcelo Rebelo de Sousa fez um balanço positivo do primeiro ano completo do Governo: “2016, foi o ano da gestão do imediato, da estabilização política e da preocupação com o rigor financeiro. 2017 tem de ser o ano da gestão a prazo e da definição e execução de uma estratégia crescimento económico sustentado”. Os números do PIB continuavam a criar desânimo em Belém: Portugal acabou por crescer menos em 2016 do que tinha crescido em 2015.

O crescimento da nossa economia foi tardio e insuficiente. Alguns domínios sociais sofreram com os cortes financeiros”, criticava, apontando que a “dívida pública permanece muito elevada”. Com as finanças públicas num rumo positivo, Marcelo colocou a tónica na importância de um crescimento económico mais elevado, o que também iria facilitar a diminuição do rácio da dívida pública.

O discurso mais duro

Após um ano que voltou a trazer boas notícias económicas para o atual Executivo, Marcelo Rebelo de Sousa foi elogiando o crescimento económico e até cometeu uma inconfidência tal era o entusiasmo: perante um conjunto de deputado croatas, o Presidente da República deixou escapar que esperava um crescimento económico de 3,2%, um valor muito superior à meta de então do Governo de 1,8%. A realidade não viria a confirmar essa profecia: a economia cresceu 2,7% em 2017, mesmo assim o maior crescimento económico desde 2000.

Este ambiente positivo foi interrompido no verão com o pior período de incêndios que o país já teve, algo que durou desde junho a outubro, mês em que Marcelo fez aquele que é considerado quase unanimemente como o discurso mais duro da legislatura até ao momento. Do ponto de vista económico, o Presidente foi claro: queria maior atenção ao desenvolvimento do interior e um reforço do OE2018 para colmatar os incêndios. “Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos“, afirmou, dias depois dos incêndios que mataram mais de 100 pessoas em 2017.

“Sinais adversos ao investimento empresarial” são o preço a pagar pela atual solução política

Numa altura em que ainda se discutia o OE2018 — nomeadamente o agravamento da derrama estadual para o terceiro escalão –, Marcelo fez um dos discursos onde foi mais longe sobre a relação entre o Governo e as empresas. O Presidente da República disse que tem ouvido de empresários e gestores “perplexidades e desmotivações” com “sinais adversos ao investimento empresarial”, que, no seu entender, “tem sido o preço” da estabilidade da atual solução governativa, citava a Lusa.

Marcelo admitiu que se tem “olhado menos para estímulos empresariais” e que a estabilidade fiscal “tem sido menos marcada”, mas comprometeu-se a tudo fazer “para que o processo político ajude decisivamente à competitividade, ao crescimento e, portanto, ao sucesso económico”.

OE2018: Nota positiva ao Governo, mas cuidado com “eletoralismos” e a dívida pública

Depois de um período de reflexão mais longe, Marcelo voltou a optar pela tática 4×4 na promulgação do OE2018: quatro motivos e quatro alertas. Já com números a apontarem para um dos maiores crescimento económicos das últimas duas décadas, o Presidente da República não deixou de apontar que Portugal ainda está aquém dos parceiros europeus e que 2018 vai ser um ano de desaceleração. Marcelo vincou a necessidade de não se ceder a “eleitoralismos”, pedindo “sensatez orçamental” que garanta “duradouramente” crescimento e emprego.

Os argumentos a favor resumiam-se na evolução positiva em várias frentes nos dois anos de Governo: este OE “insere-se numa linha correta de redução do défice orçamental e, por conseguinte, da dívida pública, linha essa a que – embora com ajuda do ambiente externo – tem correspondido crescimento, emprego, reposição de rendimentos e crescente credibilização na União Europeia e nas mais diversas instâncias financeiras internacionais”. Contudo, Marcelo destacou que o limite do endividamento público “não pode ser ultrapassado pela execução orçamental”, um alerta que visava fazer da redução da dívida pública a prioridade.

Ano Novo 2018: a marca dos incêndios num “estranho e contraditório ano”

Íamos vivendo, como se de um sonho impossível se tratasse, finanças públicas a estabilizar, banca a consolidar, economia e emprego a crescer, juros e depois dívida pública a reduzir, Europa a declarar o fim do défice excessivo e a confiar ao nosso Ministro das Finanças liderança no Eurogrupo, mercados a atestarem os nossos merecimentos”, começava por descrever o Presidente da República. Foram várias as notícias positivas que se concretizaram em 2017: “Se o ano de 2017 tivesse terminado a 16 de junho, poderíamos falar de uma experiência singular só de vitórias”, concluiu.

Mas tal não aconteça perante um dos piores anos de incêndios de sempre. Mas apesar de ter dito que este foi um “estranho e contraditório ano“, Marcelo Rebelo de Sousa optou por fazer um discurso focado no futuro: a prioridade passou a ser a “reinvenção da confiança dos portugueses na sua segurança”, colocando em segundo plano a “estabilidade governativa, finanças sãs, crescente emprego, rendimentos”.

Os reparos a Centeno e a necessidade de rapidez nas mudanças económicas

Perante uma plateia de bancários, Marcelo Rebelo de Sousa fez um discurso com remetente no Ministério das Finanças. Admitindo que a gestão “económico-financeira” do Governo “inverteu expectativas negativas e potenciou expectativas positivas“, o Presidente da República apontou o dedo a Mário Centeno nas “meticulosas cativações, sacrifício do investimento público, injeção no consumo privado e contenção de algumas despesas na Administração Pública”.

Marcelo elogiou o legado do anterior Governo e assumiu que as dúvidas sobre a atual solução dissiparam-se, mas alertou que o futuro traz mais desafios. O Presidente disse que será necessário “manter o rumo financeiro, continuar a reciclar a dívida pública, reduzindo-a, tirar proveito da capacidade acrescida de investimento público e permitir a concretização de investimento privado”, referindo-se a incentivos à iniciativa privada. Acima de tudo, quer rapidez. Numa conferência da Plataforma para o Crescimento Sustentável, Marcelo dizia que “muito do que se apresenta perde o seu vigor se não passa à prática rapidamente”.

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