OPV adiadas, aumentos de capital falhados. Investidores desapareceram de Lisboa?
Sentimento negativo nas ações globais está a penalizar Portugal e a levar os investidores a refugiarem-se na dívida. Só na semana passada, houve, em Lisboa, duas operações que caíram e um adiamento.
Duas empresas cotadas na bolsa de Lisboa cancelaram aumentos de capital e uma terceira prolongou o prazo para a oferta pública inicial (IPO), só na semana passada. O fenómeno não é exclusivo de Portugal e os analistas apontam para fatores de incerteza geopolítica e económica, que estão a causar uma aversão ao risco global e procura dos investidores por refúgio em ativos como dívida. Ainda assim, há fatores específicos de cada empresa que poderão não ter ajudado.
“O problema não são as operações, é o mercado global, em que se vive o pior ano desde a crise de 2008. Ninguém quer tomar risco face às incertezas da guerra comercial e às mudanças na política monetária”, explicou Pedro Lino, economista e presidente da Dif Broker. “Houve cada vez menos empresas a irem para a bolsa a nível global, mas há uma situação diferente nos EUA — em que as bolsas estão a zeros — e na Europa — que acumula perdas superiores a 15%”.
Desde o início do ano, caíram mais de 160 operações em bolsa, a nível global. Só no mês de dezembro, 16 empresas cancelaram operações — grupo em que se incluem as portuguesas Vista Alegre e a Pharol. Na Europa, o valor de mercado das novas empresas que entraram em bolsa atingiu os 30,9 mil milhões de euros desde o início do ano, o que representa uma quebra de 37% face a 2017, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
“As OPV estão a desaparecer de forma geral, mesmo nos EUA. Desde outubro que se fazem cada vez menos”, disse Paulo Rosa, economista e senior trader do Banco Carregosa, dando o exemplo dos negócios a que tem acesso: “costumávamos ter uma por dia e, na semana passada, tivemos apenas uma e desistiu”.
Além da guerra comercial e da inversão da política monetária (primeiro pela Reserva Federal norte-americana e mais proximamente pelo Banco Central Europeu), aponta ainda para a crise nos mercados emergentes. “Não é fácil entrar dinheiro fresco no mercado”, sublinhou.
Vista Alegre, Pharol e Science4you marcaram semana negativa
Foi essa dificuldade que justificou, na semana passada, a queda de dois aumentos de capital no mercado português. Na segunda-feira, a Vista Alegre cancelou a colocação em bolsa de mais de 21 milhões de títulos, justificando que as condições de mercado determinaram o insucesso na oferta. O aumento de capital serviria para reforçar o capital disperso em bolsa (free float) para 25%, dos atuais 2,5%, e iria render cerca de 17 milhões de euros.
Dois dias depois, era a vez da Pharol anunciar ao mercado que, afinal, já não ia avançar com o aumento de capital que tinha planeado com o objetivo financiar o reforço de capital da Oi. A empresa liderada por Luís Palha da Silva alegou condições de mercado não propícias para desistir da operação de até 80 milhões de euros.
A Science4you não cancelou a Oferta Pública de Venda (OPV) de ações que tinha em curso, mas anunciou, na sexta-feira, que iria prolongar a operação até dia 1 de fevereiro. Após ter começado a 28 de novembro, a oferta pública de subscrição de até 3.367.346 novas ações e 2.755.102 ações já existentes, irá agora decorrer até dia 1 de fevereiro e espera-se um encaixe de 15 milhões de euros. A justificação apresentada pela empresa liderada por Miguel Pina Martins para o prolongamento foi um novo contrato de liquidez com um intermediário financeiro.
"O problema não são as operações, é o mercado global, em que se vive o pior ano desde a crise de 2008. Ninguém quer tomar risco face às incertezas da guerra comercial e às mudanças na política monetária.”
As três alterações que aconteceram na semana passada juntam-se à queda da OPV do negócio do retalho da Sonae, em outubro. Este ano, tudo indica que a Bolsa de Lisboa feche o ano com apenas duas novas cotadas: a fintech Raize e a gestora de participações Farminveste (que não realizou oferta pública, mas fez apenas uma entrada técnica). Os analistas são consensuais sobre o efeito contágio que está a penalizar as empresas portuguesas. No entanto, há fatores específicos.
“No caso da Sonae MC, está a ser um ano especialmente negativo para a distribuição. Além do ambiente internacional, há muita pressão no setor”, afirmou Pedro Lino, lembrando que, esta segunda-feira, as retalhistas europeias negoceiam em mínimos de 2016. “A Vista Alegre é uma empresa com um free float muito baixo. Apesar de os resultados terem recuperado e da implementação do plano de reestruturação, é pedir aos investidores que tomem muito risco, que é o que ninguém quer neste momento”.
“Não nos podemos esquecer que a Pharol é a ex-Portugal Telecom e que o único ativo que tem é a dívida da Rio Forte, que dificilmente será recuperável. Depois tem uma grande exposição à [telecom brasileira] Oi, cuja história da empresa não abona a seu favor e a recuperação do país, apesar das eleições, penso que será mais lenta do que o que se espera”, acrescentou o economista.
Investidores fogem das ações e refugiam-se na dívida
Steven Santos, gestor do BiG – Banco de Investimento Global, chama ainda a atenção para o timing destas operações. “A janela de oportunidade é muito importante“, afirmou. No caso da Science4you, sublinhou que “apesar de a empresa ter muito negócio nesta altura por causa do Natal, dezembro é um período de menor liquidez”.
“A Science4you prolongou a operação por dois meses, mas basicamente tem mais um mês porque a segunda quinzena de dezembro é uma altura especialmente fraca. Os investidores simplesmente não estão porque estão de férias ou não estão predispostos a investir. Penso que faz todo o sentido e o prolongamento poderá levar a bom porto a operação”, referiu o gestor.
O sucesso irá depender de como as bolsas começarem o ano. Janeiro costuma trazer novos humores — e dinheiros — às bolsas, mas não é certo que a guerra comercial, o impacto da normalização da política monetária e o Brexit acalmem os receios dos investidores. Para já, a estratégia tem sido de procurar refúgio no mercado obrigacionista.
Em Portugal, o final de novembro assistiu à emissão de 30 milhões de euros em obrigações do Sporting. Também a Mota-Engil emitiu 110 milhões, mas os aforradores estavam dispostos a colocar 140 milhões de euros na empresa. No mercado primário de dívida, a procura tem superado de forma consistente a oferta. “Neste contexto, os investidores privilegiam dívida pública. Nos casos das emissões da Mota-Engil e do Sporting, eram a retalho e tinham montantes mais pequenos. A Pharol e a Vista Alegre eram operações maiores e precisavam de investidores institucionais, que não estiveram lá”, acrescentou Steven Santos.
Apesar de a dívida estar a captar maior atenção dos investidores para fugir ao risco associado às ações, Paulo Rosa considera que também este mercado balança. “Os investidores e a liquidez começaram a desaparecer. A dívida é um mercado muito específico porque não depende dos ciclos de bolsa, mas da performance da empresa. O mercado obrigacionista é um refúgio às ações, mas também já se nota uma diminuição na liquidez“, alertou.
O economista e senior trader do Banco Carregosa aponta para a sombra que o fim do ciclo económico global — refletido na subida das taxas de juro pelo banco central norte-americano, alisamento da curva da dívida e fervilhar no mercado imobiliário — está a fazer sobre os ativos.
Mas, neste ponto, os analistas têm menos certezas sobre o futuro de economias e bolsas. Ao contrário de Paulo Rosa, Pedro Lino considera que na Europa há uma correção, mas nos EUA é apenas uma pausa. “Não creio que seja o fim do ciclo porque haverá muitas mudanças proximamente, nomeadamente com a digitalização em setores como o automóvel. Penso que 2019 ainda será um ano difícil, mas depois já poderemos ter uma recuperação nas bolsas”, acrescentou.
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