Incentivos fiscais ao interior devem ser “rigorosamente avaliados”. Podem minar crescimento, avisa a OCDE

OCDE critica vários aspectos do sistema fiscal português. Benefícios fiscais ao interior devem ser avaliados, tal como as taxas de IRC diferenciadas e incentivos à I&D das empresas.

O Governo apresentou um pacote de medidas para valorizar o interior e combater a desertificação que passam por um bónus o IRC de 20%. Uma medida que para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico pode pôr em causa o crescimento de empresas exportadoras e reduzir a produtividade. Por isso, no Estudo sobre a Economia Portuguesa, apresentado esta segunda-feira em Lisboa, a OCDE sugere que a medida seja “rigorosamente avaliada”.

No Orçamento do Estado para 2019 está inscrito um reforço em dez pontos percentuais do benefício fiscal que já hoje permite às empresas deduzirem à coleta do IRC até 10% dos lucros retidos e que sejam reinvestidos em certas aplicações, como terrenos, construção de edifícios ou viaturas. A majoração passa assim a ser de 20%, desde que os investimentos sejam feitos em territórios do interior. O limite continua a ser o definido por Bruxelas em termos de auxílios de Estado.

A OCDE defende que “os efeitos potenciais da introdução planeada de taxas de imposto preferenciais para as empresas no interior do país deve ser rigorosamente avaliado”. E explica porquê.

Os efeitos potenciais da introdução planeada de taxas de imposto preferenciais para as empresas no interior do país deve ser rigorosamente avaliado.

OCDE

O facto de o benefício fiscal se aplicar tanto às empresas que se estabelecem pela primeira vez no interior, como para as que já lá estão, “pode encorajar a uma transferência de lucros dentro do próprio país”, para além de que “deverá introduzir uma reafetação de recursos” afastando-os “das regiões mais produtivas, como a área metropolitana de Lisboa”, o que terá um efeito negativo sobre “a produtividade agregada e o crescimento de algumas empresas com elevado potencial exportador”, alerta a OCDE.

Para a organização, a solução para desenvolver as regiões do interior do país e promover a atividade empresarial nessas áreas, “seria que o Governo alocasse mais verbas públicas para investir na construção de património público complementar em vez de introduzir distorções no sistema de fiscal”.

O Programa de Valorização do Interior, aprovado em julho, inclui 61 medidas, como por exemplo, taxas de portagem para os veículos afetos ao transporte de mercadorias mais baixas nas estradas do interior, ou ainda a redução do IRS durante três anos para as famílias que se mudem para o interior e transfiram a sua residência permanente, um aumento na dedução das rendas no IRS, de 502 euros para mil euros, para estas famílias, ou ainda incentivos para os funcionários públicos que peçam transferência para o interior.

Na quarta-feira passada, o ministro Adjunto e da Economia anunciou no Parlamento que o Governo deverá aprovar nas “próximas semanas” um novo regime de fixação de funcionários do Estado no interior. Em causa estão “incentivos financeiros majorados”, além do “aumento do número de [dias de] férias”, avançou Pedro Siza Vieira.

Rever a taxa de IRC cobrada às empresas

As críticas da OCDE ao sistema fiscal português não se ficam pelo Programa de Captação de Investimento para o Interior (PC2II). A organização aponta o dedo ao facto de haver diferentes taxas de IRC cobradas às empresas já que isso “pode impedir a expansão das empresas portuguesas“.

A taxa legal de imposto foi reduzida para 25%, em 2015 mas, na realidade, são muitas as circunstâncias que permitem que as empresas de menor dimensão paguem menos imposto e as empresas mais lucrativas paguem mais.

“A redução de imposto para as empresas mais pequenas está mal direcionada, tendo em conta que estas empresas per se não inovam nem criam mais postos de trabalho, nem enfrentam restrições de financiamento inultrapassáveis”, defende a OCDE.

A redução de imposto para as empresas mais pequenas está mal direcionada, tendo em conta que estas empresas per se não inovam nem criam mais postos de trabalho, nem enfrentam restrições de financiamento inultrapassáveis.

OCDE

O Estudo sobre a Economia Portuguesa recorda que os trabalhos da OCDE sugerem que “as decisões de investimento das empresas mais pequenas tendem a ser menos sensíveis aos impostos cobrados do que nas grandes empresas”, onde o valor das taxas efetivas pode ser determinante para decidir avançar ou não com um investimento e onde o localizar.

Além disso, a organização defende que este tipo de apoio fiscal pode “incentivar as empresas a limitar o seu crescimento e a prestar declarações falsas às autoridades relativamente aos lucros ou à dimensão do negócio”, para não sair do escalão que lhes permite pagar menos IRC.

As empresas com lucros tributáveis entre 1,5 milhões e 7,5 milhões de euros pagam uma taxa de derrama estatual de 3%, e as que registem valores entre 7,5 milhões e 35 milhões pagam 5%. Desde 2018, acima dos 35 milhões, a taxa é de 9%, um aumento face aos anteriores 7%, o que faz com que estas empresas paguem um taxa efetiva de imposto na casa dos 30%.

Embora a OCDE reconheça que as empresas maiores têm uma maior capacidade de reestruturar as suas operações de forma a minimizar a fatura fiscal — um facto que até pode justificar a adoção de uma taxa de IRC mais baixa para as empresas mais pequenas — a organização defende que “os custos e benefícios de ter um sistema de taxa de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas progressiva, com uma taxa preferencial para as PME e taxas que aumentam com o lucro das empresas devem ser revistos”.

Os custos e benefícios de ter um sistema de taxa de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas progressiva, com uma taxa preferencial para as PME e taxas que aumentam com o lucro das empresas devem ser revistos.

OCDE

Para a organização liderada por Ángel Gurría, a isenção de IRC para os primeiros 15 mil euros de lucro tributável para as PME que têm um volume de negócios inferior a 50 milhões de euros e que empregam menos de 250 trabalhadores “apesar de ser uma ajuda, é muito modesta quando comparada com disposições idênticas noutros países europeus”.

Reporte de créditos fiscais de I&D sem limite

Na avaliação da OCDE, o sistema fiscal português tem ainda mais componente que trava o crescimento de novas empresas exportadoras: a forma como estão concebidos os apoios à investigação e desenvolvimento (I&D).

Em Portugal, a maior parte destes apoios surge sob a forma de créditos fiscais. “Esse tipo de instrumentos favorece as empresas já instaladas menos dinâmicas à custa das jovens empresas, porque as taxas de subsidiariedade implícitas aumentam os lucros da empresa e as empresas mais recentes estão estão numa posição de perda de dinheiro nos primeiros anos dos projetos de I&D”, defende a OCDE.

O crescimento de novas empresas exportadoras também pode ser dificultado pela forma como é desenhado o apoio público à I&D das empresas em Portugal.

OCDE

A organização aconselha ainda o Governo português a “considerar uma reforma dos incentivos à I&D para permitir que os créditos fiscais não utilizados possam ser reportados indefinidamente”, em vez de terem um limite de oito anos, porque as empresas mais pequenas podem não ter rendimento coletável suficiente nesse período para usufruir desse benefícios. Além disso, este apoio acaba por ser mais vantajoso para as empresas que já têm lucros e podem deduzir imediatamente o crédito fiscal. Bélgica, Itália e Reino Unido, por exemplo, não têm limite temporal para reportar os créditos fiscais de I&D.

A OCDE sugere ainda a possibilidade de o crédito fiscal de I&D ser reembolsado em dinheiro, tal como acontece em França, Austrália e Canadá.

No entanto, “os benefícios desta reforma devem ser avaliados tendo em conta o custo fiscal associado”. “Caso venha a ser adotado deve ser acompanhado de medidas de salvaguarda para impedir abusos e medidas que garante uma avaliação posterior desta política”, alerta a OCDE.

Em termos fiscais, a organização critica ainda o facto de o Fisco continuar a ser um incómodo para as empresas até porque Portugal é um dos países onde se gasta um número “inaudito” de horas (243) para as empresas cumprirem as suas obrigações fiscais. Mais de dois terços das empresas consideram o sistema “complexo e ineficiente” isto apesar de todos os esforços de digitalização.

Empresas precisam de 243 horas para cumprir obrigações fiscais

Fonte Banco Mundial, OCDE

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