Conciliar trabalho e família? Há quem receie perder o emprego, conclui relatório da CIP

As ferramentas de promoção da conciliação da vida familiar e profissional ainda são escassas e as que já existem têm fraca adesão. Isto porque os trabalhadores receiam mesmo perder os seus empregos.

Apesar de algumas empresas já disponibilizarem aos seus trabalhadores ferramentas com vista a facilitar a conjugação da vida profissional e familiar, os portugueses ainda são tímidos na adesão a essas medidas, por recearem perder mesmo os seus empregos. Esta conclusão faz parte do relatório “Desafios à conciliação família – trabalho”, divulgado, esta segunda-feira, pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP).

“Apesar da legislação laboral, em Portugal, prever situações que incentivam à conciliação e, apesar de certas empresas oferecerem medidas de conciliação, não é totalmente certo que os colaboradores as utilizem com frequência. Há um conjunto de situações, devidamente descritas na literatura académica e referida nas entrevistas às empresas, que funcionam como inibidores e barreiras à utilização de medidas de conciliação pelos colaboradores”, salienta-se no estudo, que foi elaborado pela NOVA School of Business and Economics.

Entre esses tais inibidores, estão a falta de conhecimento sobre a legislação em vigor e sobre as ferramentas oferecidas pelos empregadores, a resistência sentida no seio das empresas, o receio das repercussões de chefias e colegas, a perda de oportunidades de progressão na carreira e, no limite, a perda do próprio emprego.

Questionado pelo ECO sobre esse último ponto, o presidente da CIP garante que, enquanto líder dessa confederação de empresário, não reconhece essas situações, embora admita que possam existir. “O ser humano tem tendência a reagir ao novo e ao diferente, às vezes pela positiva, outras pela negativa”, sublinha António Saraiva. “Acredito que [essas situações] existam, mas há realidades [a necessidade de melhorar a conciliação trabalho – família] que são inexoráveis e, cedo ou tarde, temos de nos adaptar“, frisa o representante do patronato.

A propósito dessa adaptação, o estudo divulgado esta segunda-feira dá conta do fraco “reflexo prático” deste tema no mercado de trabalho luso. “O conceito de conciliação trabalho – família foi sendo desenvolvido e redefinido por parte da academia, mas estes desenvolvimentos ainda não encontraram reflexo prático, generalizado e consensual, no mundo do trabalho e, mais especificamente, na sociedade portuguesa”, explica o estudo.

De notar que essa pobre conciliação entre as esferas em causa tem repercussões não só nos trabalhadores, mas também nas empresas e no próprio Governo. No primeiro caso, os efeitos sentem-se ao nível da saúde dos colaboradores e na “falta de tempo para apoiar os membros da família”.

No caso das empresas, está em causa o aumento dos gastos com a saúde dos trabalhadores, a perda de produtividade e o absentismo. “A negação desta realidade, pelas organizações, pode até originar a perda de vantagem competitiva de uma organização, na procura e na manutenção de capital humano com talento”, reforça o estudo.

Já no que diz respeito ao Executivo, frisa-se o aumento da pressão sobre a Segurança Social e sobre a despesa feita com a Saúde.

O estudo aborda, além disso, o impacto das novas tecnologias e dos estereótipos de género nesta matéria da conciliação da vida profissional e familiar.

No primeiro ponto, destaca-se a problemática da constante “conexão” ao trabalho à boleia dos dispositivos móveis com acesso à Internet. Nesse âmbito, o relatório lembra que, em França, as empresas com mais de 50 trabalhadores são obrigadas a respeitar o “direito a desligar” dos emails e chamadas telefónicas depois do horário laboral. “As realidades que se desenvolvem numa determinada geografia não são necessariamente decalcáveis [cá]. Temos de estar abertos à mudança”, assinala o presidente da CIP, questionado sobre a importação desse “direito” para o mercado lusitano.

Mais do que estar abertos à mudança, o relatório recomenda que os parceiros sociais identifiquem “as situações e as medidas necessárias à promoção da correta utilização dos meios digitais de comunicação”.

Já sobre os estereótipos de género, o estudo conclui que as famílias portuguesas ainda registam disparidades na partilha do trabalho familiar não remunerado. Por exemplo, por dia, as mulheres gastam em média quatro horas e 17 minutos em trabalho não pago dedicado à família, valor que compara com as duas horas e 37 minutos masculinos. Isto de acordo com o Inquérito Nacional aos Usos do Tempo, publicado em 2015.

“Entende-se a importância das políticas de conciliação trabalho – família para contribuir para diminuir o stress e a sobrecarga a que as mulheres com filhos estão atualmente expostas”, salienta, por isso, o estudo. “Os empregadores que optem por implementar políticas que facilitem e ajudem as mulheres com filhos a melhor conciliar tarefas familiares estão necessariamente a permitir que estas possam ser mais eficientes na gestão da vida familiar e, assim, mais produtivas e mais dedicadas à sua carreira”, defende o mesmo relatório.

Uma das potenciais ferramentas que poderia contribuir para esse fim seria a flexibilização do horário do trabalho. Em Portugal, mais de 85% dos trabalhadores têm, no entanto, o seu horário definido pelo empregador, sendo o nível de adaptabilidade bastante baixo. Esse valor compara com os 63% registados a nível europeu e com os 38% registados na Dinamarca (a líder desta tabela).

Por outro lado, o estudo divulgado pela CIP sugere que os parceiros sociais têm de discutir este tema de forma menos “extremada”, colocando em cima da mesa possíveis incentivos às empresas que fomentem a boa conciliação entre a vida profissional e familiar. António Saraiva sublinha, por sua vez, que esses estímulos teriam necessariamente de ser pensados no contexto da Concertação Social, mas adianta que as medidas em causa passam sobretudo por responsabilidade social.

O estudo remata a sua exploração pelo mercado do trabalho nacional com o seguinte destaque: Há apenas sete empresas portuguesas com a certificação efr da Fundação másfamilia, que as reconhece como promotoras de boas práticas de conciliação da vida profissional e familiar. São elas a Aveleda, a EDP, a Fidelidade Assistance, a Praxair, a XZ Consultores e a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.

Sobre este tema, recorde-se que, em dezembro do ano passado, o Ministério do Trabalho, em parceria com o Ministério da Presidência e da Modernização Administrativa, anunciou o programa “3 em linha”, que prevê o alargamento da licença parental inicial exclusiva do pai de 15 para 20 dias, a majoração do montante do abono de família em função da idade, nos primeiros seis anos de vida, e a criação de um projeto-piloto para a adoção de medidas promotoras desta conciliação por parte de empresas públicas e privadas.

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