Grandes devedores na praça pública? O que pensam um economista, um banqueiro e um professor de direito
O Parlamento tem na sua posse a primeira lista de grandes devedores à banca entregue pelo Banco de Portugal ao abrigo da nova lei de transparência. O que fazer com esta informação? Torná-la pública?
EUA, dezembro de 2008. Bernard Madoff era detido por ter praticado a maior fraude financeira de sempre. Em apenas seis meses foi condenado a 150 anos de prisão, por ter aberto um buraco de 65 mil milhões de dólares junto de investidores. O presidente de uma empresa que chegou a ser das mais importantes de Wall Street transformou-se num grande devedor.
O caso é lembrado por Nuno Garoupa, professor na George Mason University, nos EUA, para mostrar a diferença entre o apuramento de responsabilidades por fraude e má gestão em Portugal e as práticas noutras paragens. Nos EUA, “ninguém está a discutir devedores de há dez anos” porque “as instituições funcionam”, assegura Garoupa.
A rapidez das instituições na maior economia do mundo evita que se trate todos por igual. Em declarações ao ECO a propósito da divulgação pública da lista dos grandes devedores à banca, o professor de direito salta para o mundo das hipóteses. “Imaginemos que as instituições funcionam em Portugal. Em cinco anos, os ilícitos estariam já julgados e com condenação em primeira instância pelo menos, os gestores sem idoneidade afastados e as auditoras sem licença para exercer. Portanto saberíamos quem são os devedores fraudulentos e os outros teriam a sua privacidade protegida como deve ser.”
Mas em Portugal a realidade é outra. O Parlamento recebeu a 23 de maio um relatório do Banco de Portugal que calcula em 23,8 mil milhões e euros o montante que saiu dos cofres públicos para os bancos em 12 anos. Só um quinto deste valor foi recuperado. Com este relatório seguiu para a Assembleia da República um ficheiro secreto com três mil grandes posições financeiras, onde constam os nomes dos grandes devedores à banca em situação de incumprimento e outra informação sensível que o banco central diz estar abrangida pelo dever de segredo.
Ou seja, os contribuintes ajudaram a banca mas ainda não foram apuradas culpas entre os devedores aos bancos. Em matéria de condenações para já há a de Oliveira e Costa, o ex-presidente do Banco Português de Negócios (BPN), que foi condenado a 14 anos de prisão por falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais. Neste banco, o Estado injetou 4.915 milhões de euros.
Os nomes dos administradores e diretores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) onde o Estado colocou 6.250 milhões de euros, foram conhecidos através da auditoria da EY mas nenhum perdeu a idoneidade.
No Parlamento, os deputados aprovaram (só o PS ficou de fora) uma lei que aumenta a transparência e o acesso à informação sobre quem são os grandes devedores que levaram o Estado a colocar dinheiro dos contribuintes na banca. Agora, com a informação do banco central nas mãos, os parlamentares avaliam o que deve ser tornado público e o que deve continuar escondido.
“É arriscado publicar repentinamente esses mesmos nomes de devedores sem elevadas cautelas, dado o potencial de rápida instabilidade e perdas de valor por risco reputacional, entre outros problemas”, defende ao ECO Jorge Braga de Macedo, ex-ministro das Finanças entre outubro de 1991 e dezembro de 1993, num Governo liderado por Cavaco Silva. Mas os registos devem estar lá: “Os nomes de empresas ou indivíduos devedores (bons ou maus), seja qual for o banco, devem constar da central de registos de crédito e ser acessíveis aos bancos e explorados ao máximo pelos supervisores bancários para efeitos de avaliação de riscos económicos interconectados entre devedores do mesmo banco.”
O professor na Nova School of Business & Economics explica que esta cautela “não invalida que o sistema bancário e a economia real não conheçam a todo o momento a qualidade económico-financeira das empresas que fazem parte da economia, preservando-se assim a transparência o mais possível, mas de forma atempada e não repentina”.
Para este economista, “abriu-se um precedente quando os nomes de grandes devedores ao Fisco e Segurança Social apareceram em listagens públicas na internet. Os clientes de bancos com apoios estatais parecem estar agora na mesma lógica para as situações de grandes devedores com créditos em incumprimento. No entanto, a informação é diferente e pode levar a grandes distorções e enganos na avaliação pública”.
Este é aliás um dos pontos para que o Banco de Portugal chama a atenção. Na carta enviada para o Parlamento que enquadra a informação que está na posse dos deputados, os vice-presidentes Elisa Ferreira e Luís Máximo dos Santos explicam que as perdas foram calculadas com base nas regras contabilísticas e com base na informação disponível na altura em que o Estado disponibilizou verbas aos bancos. “Perda essa que poderá não se ter, afinal, concretizado posteriormente”, avisa o supervisor.
Braga de Macedo dá um exemplo sobre o que pode ser visto como um grande risco. “O limiar do que pode ser considerado um grande risco (mesmo que focalizado em crédito em incumprimento) pode variar de banco para banco devido, de forma simplificada, ao tamanho do próprio banco.”
Nuno Garoupa também se mostra contra a divulgação pública de uma lista de nomes dos grandes devedores. “Lamento que os contribuintes sejam maltratados, mas não sabemos o risco sistémico”, diz o professor da universidade norte-americana para quem o preço a pagar por correr esse risco pode ser demasiado elevado. “A economia portuguesa está estagnada, já meteu 23,8 mil milhões em bancos, e a última coisa que precisa é de uma crise sistémica”, diz o professor de direito, acrescentando que “optaria claramente” por manter o nome dos grandes devedores longe dos holofotes mediáticos “mesmo que isso exija confiar em instituições que falham sistematicamente”.
Também Fernando Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças que desencadeou o pedido de resgate internacional para Portugal em 2011, afasta a necessidade de ver os nomes dos grandes devedores na praça pública. “A relação entre a banca e os seus clientes é uma relação que deve ser acautelada. Deve evitar-se o desenvolvimento de um ambiente de voyeurismo em torno dessas relações”, disse o agora presidente do EuroBic.
O ex-ministro de Cavaco Silva acrescenta que o que importa nesta questão é “decidir até onde é que o benefício deixa de superar o custo de tornar as coisas piores do que já estão”. “Sendo evidente que o nível de detalhe [da informação] deverá ter em conta o dever do sigilo bancário, este não pode ser usado para ajudar a camuflar situações que mereçam avaliações sobre possível gestão danosa”, diz Braga de Macedo.
No entanto, “o que interessa é perceber o que se passa no sistema bancário como um todo, com vários grandes grupos e risco de concentração de créditos em cada banco“, justifica o professor da Nova SBE, deixando perguntas a que é necessário dar resposta.
- Quais as falhas de controlos de risco e qualidade de gestão que levou a essas situações?
- O que pode a regulação bancária melhorar para exigir a todos, bancos, auditores e supervisores bancários, maior rigor ético e profissional e qualidade das lideranças?
“Sabendo os bancos que a informação seria publicada com mais detalhe e harmonizada, teriam por certo mais cuidado com riscos de concentração de créditos em setores específicos, regiões, tipos de empresas, etc”, acredita Braga de Macedo.
Teixeira dos Santos acrescenta que “há que prestar contas, há que averiguar, há que justificar o porquê do envolvimento de dinheiros públicos [nos bancos], mas, apesar de tudo, deve ser feito com prudência, com sensatez. É este o desafio que temos”. Até porque “há uma diferença entre aquilo que é o escrutínio político da relação [entre banca e clientes], da utilização destes dinheiros ou daquilo que eu chamo o voyeurismo puro dessas relações”.
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