Diz-me o que vestes, dir-te-ei se és amigo do ambiente. O setor têxtil está preparado para a nova geração de consumidores?
Empresários e presidentes do têxtil e vestuário consideram que a sustentabilidade é um tema que assume cada vez maior destaque, mas que a principal preocupação do cliente ainda é o preço do produto.
A economia digital está a revolucionar as compras e os clientes. Os novos hábitos de consumo estão a alterar-se e os empresários enfrentam novos desafios perante os novos consumidores e os novos princípios de sustentabilidade. A moda está a enfrentar um novo paradigma: o processo de produção, a origem e o impacto ambiental são algumas das preocupações dos novos consumidores. Estará a indústria preparada?
José Alexandre Oliveira, presidente do conselho de administração da Riopele – empresa têxtil que emprega 1200 colaboradores – destaca que “infelizmente o consumidor ainda se rege pelo princípio de comprar determinada peça que lhe agrade e preferencialmente que tenha um preço acessível e conveniente para o comprador”. Considera que “o consumidor não vai reparar se é um produto sustentável ou não”, logo não concorda que seja uma preocupação do consumidor.
“O cliente faz o seu papel no que respeita à sustentabilidade, mas na hora de comprar quer é barato. Não está preocupado se o produto é sustentável ou não”, explica ao ECO o presidente da Associação Nacional das Industrias de Vestuário e Confecção (Anivec), César Araújo.
Qual é o verdadeiro impacto daquilo que vestimos?
A fileira da moda representa 11,5% das exportações portuguesas e quase 12 milhões de toneladas de resíduos têxteis vão para aterros todos os anos. Este setor é o segundo maior consumidor e poluente da água, com os processos de produção a emitir CO2 e outros gases de efeito de estufa. Mais de 99% da roupa que é deitada fora pode ser reciclada e reutilizada, mas mais de 85% acaba nas lixeiras.
Para o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, “começa a aparecer um consumidor com novos valores e com maiores preocupações ambientais (…), mas ainda estamos longe deste ser o consumidor que representa a nossa sociedade de consumo, a qual, neste momento, valoriza maioritariamente ou o preço ou a associação a uma ou várias marcas”, refere.
O têxtil é a segunda indústria mais poluente do mundo. O presidente da ATP, Mário Jorge Machado concorda com a afirmação, mas destaca que “o papel das empresas têxteis portuguesas na Europa é bem diferente. Para Mário Jorge Machado, “na Europa e, em particular, em Portugal a indústria têxtil é uma das mais regulamentadas do ponto de vista ambiental”.
“Os problemas ambientais não têm fronteiras e o que deveria ser feito era exigir a todos os produtores no mundo que respeitassem os mesmos critérios”, refere o presidente da ATP. Explica ao ECO que “existem por exemplo, determinadas substâncias químicas foram proibidas na União Europeia, mas ao nível dos produtos importados e vendidos no mercado comunitário, não existe qualquer tipo de controlo”.
Começa a aparecer um consumidor com novos valores e com maiores preocupações ambientais, mas ainda estamos longe deste ser o consumidor que representa a nossa sociedade de consumo.
O presidente da Anivec, César Araújo, explica que “os produtos que vêm da Ásia estão a criar problemas às empresas europeias porque não cumprem as mesmas regras, seja nas questões alfandegárias, seja em questões laboratoriais”.
“A Europa está a destruir toda a sua indústria do vestuário, têxtil e calçado e as empresas portuguesas estão perante “uma concorrência desleal e feroz“, afirma César Araújo, com indignação.
Perante a falta de regulamentação, o presidente da ATP, Mário Jorge Machado, considera que existe “assim um problema de reciprocidade de tratamento entre empresas comunitárias e empresas estrangeiras que exportam para a União Europeia, com impacto ao nível da competitividade nas empresas comunitárias (que utilizam alternativas mais seguras mas mais caras, encarecendo também o produto final”, explica.
Todos concordam que o papel do Governo é apoiar as empresas nesta mudança de paradigma. César Araújo e Jorge Mário Machado destacam que Portugal “continua a ter uma das energias mais caras da Europa”, a par com a falta de incentivos.
“O Governo deve sobretudo apoiar as empresas no que respeita aos custos de contexto. Continuamos a ter uma das energias mais caras da Europa: a energia renovável, fundamental neste processo, é mais cara do que de fontes não renováveis“, explica o presidente da ATP. Mário Jorge Machado acrescenta ainda que “a nível burocrático (licenciamentos e autorizações a nível ambiental) há ainda muito para melhorar”, refere.
Empresas encaram sustentabilidade como uma oportunidade
A Riopele, fundada em 1927, é das empresas têxteis mais antigas de Portugal e com maior consumo energético dentro do setor. Conscientes de que a sustentabilidade é uma nova prioridade, a empresa já adotou práticas mais amigas do ambiente. José Alexandre Oliveira destaca que a empresa já tem em prática medidas sustentáveis como a redução do consumo de água e de eletricidade em todo o processo, assim como a instalação de um parque de painéis fotovoltaicos que vai ser alargado em breve.
“Já reduzimos aproximadamente metade do consumo de água e todos os investimentos que fizemos nos últimos três anos foi com o objetivo específico de diminuição drástica dos consumos de energia”, refere ao ECO o presidente da Riopele.
A empresa que conta com um volume de negócios de 79 milhões e exporta 98% da produção, já opta pelo uso de químicos e matérias-primas mais ecofriendly, desde algodão orgânico a poliéster reciclado. Já têm uma coleção sustentável, que segundo José Alexandre Oliveira, representa uma “percentagem significativa”. “É surpreendentes as vendas que estamos a ter nesta tipologia de produtos sustentáveis”, destaca.
86 anos mais nova do que a Riopele, a Vintage for a Cause nasceu em 2013 com uma missão: aliar a preocupação ambiental à responsabilidade social. A marca produz peças de roupa exclusivas, vegan e manufaturadas, a partir de desperdício têxtil. Desde a sua fundação a marca já aproveitou cerca de uma tonelada de desperdício têxtil e pretende chegar às duas toneladas este ano.
O projeto segue os princípios da economia circular, promovendo a devolução de peças de roupa em final de vida. Funciona, assim, como uma plataforma colaborativa para o upcycling, envolvendo designers, marcas de roupa e a indústria portuguesa.
A iniciativa já conseguiu uma poupança de três milhões de litros de água e 7000 quilos de CO2, prevendo-se que, com o crescimento da marca, estes números possam anualmente vir a triplicar.
“Acredito que o único o caminho para a sustentabilidade é este: criar modelos, estilos de liderança e inovações que tragam mais humanidade à sociedade em geral, preservando o ambiente de forma realista e ajustada aos dias de hoje”, sublinha a fundadora do projeto, Helena Antónia.
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