Teletrabalho no Estado dá direito a subsídio de refeição. No privado ninguém se entende
Na Função Pública, não restam dúvidas: mesmo em teletrabalho há direito a subsídio de refeição. Já no privado, a confusão mantém-se e os patrões estão divididos na interpretação da lei laboral.
Poucos dias depois de, à luz do estado de emergência, o Governo ter tornado obrigatória a adoção do teletrabalho, o Ministério de Alexandra Leitão veio esclarecer que, mesmo à distância, os funcionários públicos mantêm o direito ao subsídio de refeição. No privado, o cenário é o inverso: a confusão está instalada, com alguns patrões a “aproveitarem a redação pouco feliz” do Código do Trabalho para não pagarem essa compensação, garante o secretário-geral da UGT ao ECO.
O decreto-lei que procede à execução do estado de emergência estabeleceu que é obrigatória a adoção do teletrabalho, independentemente do vínculo laboral e sempre que as funções o permitam. Além disso, uma semana antes, o Governo já tinha publicado um diploma que abria a porta a que o trabalhador ficasse a trabalhar à distância mesmo sem o “sim” do empregador”, uma vez que o distanciamento social foi, desde logo, identificado como uma das medidas mais importantes na luta contra a pandemia de coronavírus.
Na Função Pública, a opção pelo trabalho remoto foi colocada em prática logo no dia 13 de março, isto é, ainda antes de Portugal entrar em estado de emergência. Dez dias depois, o Ministério da Administração Pública veio assegurar que, mesmo nesse regime, os trabalhadores do Estado não perdem rendimentos, tendo garantido nomeadamente o subsídio de refeição.
“Para compensar as despesas inerentes ao teletrabalho obrigatório, o trabalhador mantém sempre o direito ao equivalente ao subsídio de refeição a que teria direito caso estivesse a exercer as suas funções no seu posto de trabalho”, lê-se no despacho publicado em Diário da República pelo gabinete de Alexandra Leitão.
No Estado, as dúvidas ficaram, portanto, arrumadas, mas no privado a confusão quanto ao subsídio de refeição mantém-se. Em conversa com o ECO, o secretário-geral da UGT diz que, em março, por exemplo, houve algumas empresas a pagarem essa componente e outras a não o fazerem. Carlos Silva adianta que há empregadores a “aproveitam-se de uma menos feliz redação” do Código do Trabalho para “fugirem” a esse pagamento, pedindo o sindicalista ao Ministério do Trabalho que clarifique a lei laboral e desfaça as dúvidas.
Também a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) já pediu tais esclarecimentos ao Ministério de Ana Mendes Godinho. Em declarações ao ECO, João Vieira Lopes confirma que as empresas têm tido “posições contraditórias” em relação ao pagamento do subsídio de refeição em caso de teletrabalho, havendo portanto “pareceres jurídicos” — isto é, interpretações da lei laboral — a sustentar cada um dos lados dessa discussão.
Mas o que diz o Código do Trabalho? De acordo com a sociedade Antas da Cunha ECIJA & Associados, por lei, o subsídio de refeição tem como finalidade “compensar o trabalhador por uma despesa que não faria se não estivesse a trabalhar fora de casa”, logo em teletrabalho a justificação para o pagamento desaparece.
No entanto, a sociedade alerta que o Código do Trabalho também prevê, no artigo 169.º, o princípio da igualdade de tratamento, ou seja, se até agora o trabalhador recebia o tal subsídio, “também agora deverá continuar a receber”, até porque é isso que está acordado, em princípio, no seu contrato individual de trabalho.
A questão não é, portanto, pacífica e os especialistas têm vindo a colocar argumentos de ambos os lados da discussão, sem ter sido possível chegar, até ao momento, a nenhuma conclusão clara e segura.
“Este tema tem sido amplamente discutido entre a comunidade jurídica, existindo opiniões antagónicas em relação ao dever da sua manutenção na atual conjuntura“, corrobora Tiago Cunha Carreiras da sociedade de advogados Raposo, Sá Miranda & Associados (PRA).
Face a esta controvérsia, a CCP e a UGT tem pressionado o Ministério de Ana Mendes Godinho no sentido de que este clarifique que leitura se deve ter, afinal, do Código do Trabalho. A posição assumida pelo Estado em relação aos seus próprios trabalhadores foi uma passo positivo, diz Carlos Silva, mas é preciso mais: “O Governo tem de emitir uma clarificação do conceito de retribuição, dizendo o que é que está incluído”. Será nessa clarificação que deverá ficar claro que os empregadores privados também têm de pagar o subsídio de refeição aos trabalhadores que estejam em teletrabalho por causa do surto de Covid-19.
O sindicalista nota que “até agora” não viu o Executivo “fechar nenhuma porta” quanto à possibilidade de avançar com esse esclarecimento e remata sublinhando que, a manter-se a diferença entre o certeza do público e a confusão do privado, estaria em causa uma desigualdade entre trabalhadores.
(Notícia atualizada às 11h15 com declarações da CCP)
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