Restringir circulação não viola a Constituição, mas advogados alertam para “abusos”

Advogados dizem que restrição de circulação deveria estar acompanhada de um Estado de Emergência, e não apenas o de calamidade. Sobre a exceções, não violam o princípio da igualdade.

O número de casos por coronavírus tem batido recordes e várias foram as decisões por parte do poder político para conter a propagação desta doença. Para travar o aumento do número de casos e procurando evitar as deslocações habituais no Dia de Todos os Santos, o Governo decidiu proibir a circulação entre concelhos de 30 de outubro até 3 de novembro.

Para os advogados contactados pelo ECO, esta restrição de circulação deveria estar acompanhada de um Estado de Emergência, e não apenas o de calamidade, “em vigor” atualmente.

Não me parece que exista qualquer violação da Constituição na fixação da proibição da circulação, nem nas exceções fixadas, embora estas restrições devam ser sempre devidamente vigiadas, para não se verificar qualquer abuso”, explicou José Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados.

Ainda assim, para José Moreira da Silva a proibição de circulação entre concelhos decretada por Resolução de Conselho de Ministros “merece algumas cautelas”.

“Esta resolução tem como lei habilitante a Lei de Proteção Civil e a Lei de Saúde Pública, ambas leis da Assembleia da Republica que é o órgão constitucionalmente competente para poder restringir os direitos fundamentais, mas não para os suspender, competência que esta atribuída ao Presidente da República, com a colaboração do Governo e da Assembleia da República, por via do decretamento do Estado de Emergência”, explica.

Desta forma, o Governo entendeu que se trata de uma mera restrição de diretos fundamentais proporcional para salvaguarda do direito à vida e à saúde. “Se os direitos em causa apenas se mantiverem restringidos na medida do necessário para salvaguarda de outros direitos fundamentais, não vemos problemas constitucionais”, acrescenta.

Exceções violam princípio da igualdade?

A proibição de circulação entre concelhos entre as 00h do dia 30 de outubro e as 23h59 do dia 3 de novembro, que foi anunciada pelo Governo no passado dia 22 de outubro, aplica-se a todos os cidadãos. Porém, existem exceções a esta restrição: profissionais de saúde, pessoal docente e não docente dos estabelecimentos escolares, mas também a titulares de cargos políticos, magistrados e dirigentes dos parceiros sociais e dos partidos políticos representados na Assembleia da República ou a membros de órgãos de soberania e dos partidos com representação parlamentar, mesmo que não seja necessariamente uma deslocação profissional.

Relativamente a estes últimos, os advogados consideram que não existe uma violação do princípio da igualdade, previsto na nossa lei fundamental (Constituição da República Portuguesa).

Não nos parece haver qualquer violação do princípio da igualdade uma vez que as exceções se encontram plenamente justificadas atendendo ao tipo de funções desempenhadas por essas entidades, essenciais a manter o regular funcionamento das instituições do nosso país”, assegurou André Miranda, sócio da Pinto Ribeiro Advogados.

Mas o que diz o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa? O princípio da igualdade refere que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Também para João Carlos Teixeira, sócio da Antas da Cunha ECIJA, a Resolução de Conselho de Ministros não pretende privilegiar determinadas funções em “detrimento de outras”.

“Julgo que não passa pela cabeça de ninguém que aos titulares dos cargos que refere possam não ser aplicáveis as restrições da RCM se não for no exercício das competências que aos mesmos dizem respeito, por exemplo, por mero lazer”, nota o advogado.

Também José Moreira da Silva considera que as profissões excecionadas estão justificadas. “Todas estas exceções estão derivadas dos cargos ou profissões exercidas, não tendo de justificar que estão no exercício das suas profissões ou cargos ou funções. Um médico esta excecionado mesmo que esteja em folga nesse fim de semana”, explica.

Segundo o sócio da SRS, a proporcionalidade da exceção é razoável por duas razões: por não se poder obrigar um titular desses cargos a desvendar para onde vai, por isso poder implicar uma violação de um direito fundamental, por exemplo de liberdade de culto ou politica ou atentar contra liberdades pessoais, e, por outro lado, há uma presunção que essas pessoas estão no exercício das suas funções que legitima a exceção.

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