PS e PSD duplicam coimas nos fundos europeus para ultrapassar veto de Marcelo
Os socialistas e os social-democratas chegaram a acordo no diploma da contratação pública para responder ao veto do Presidente da República. As multas para quem violar as regras vão duplicar.
Quem violar as regras da contratação pública na execução dos fundos europeus nos próximos anos vai pagar o dobro da multa cobrada até ao momento. O PS e o PSD uniram-se para fazer essa e outras alterações ao diploma que foi vetado pelo Presidente da República, esperando que desta vez passe em Belém. O objetivo dos socialistas e dos social-democratas é agilizar a contratação por causa dos curtos prazos de execução dos fundos europeus, principalmente o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas mantendo a transparência do processo.
“As multas duplicam face ao regime atual“, revela ao ECO Carlos Pereira, deputado do PS responsável por este diploma, explicando que o objetivo é “dissuadir” ainda mais as infrações nestes processos. Esta é uma das novidades do novo diploma cuja discussão no plenário está atrasada, mas que deverá acontecer nas próximas semanas para que o novo enquadramento legislativo esteja em vigor quando os primeiros fundos do PRR começarem a chegar a Portugal, o mais tardar no início do segundo semestre.
“Os montantes mínimos e máximos das coimas previstos nos artigos 456.º a 458.º do Código dos Contratos Públicos são elevados para o dobro quando, no âmbito de procedimentos pré-contratuais abrangidos pelas medidas especiais de contratação pública previstas na presente lei, se aplicável, sejam praticadas as correspondentes contraordenações”, lê-se na nova formulação do diploma que o PS irá entregar no Parlamento.
O atual regime sancionatório previsto no Código dos Contratos Públicos divide-se entre contraordenações muito graves, graves e simples que, se a nova legislação for aprovada e promulgada, passam a ir dos mil euros aos 89.600 euros, consoante a gravidade da infração e de se tratar de um indivíduo ou uma pessoa coletiva (empresa), no caso de contratos que se encaixem nestas medidas especiais de agilização que o diploma aprova. Entre as infrações previstas na lei está a apresentação de documentos falsos ou a prestação de falsas declarações.
Jorge Salgueiro Mendes, deputado do PSD responsável por esta matéria, diz ao ECO que houve “diálogo” com o PS sobre estas alterações, confirmando que houve acordo para se duplicar as sanções de forma a dissuadir comportamentos errados e que também se impede que quem prevarica volte a beneficiar de fundos no futuro. Contudo, o social-democrata ressalva que não conhece a versão final do diploma que terá de ser discutido no plenário — deverá ser agendado em “meados de abril” — pelo que não se compromete com um sentido de voto, ainda que seja expectável a abstenção do PSD, tal como no diploma anterior que foi vetado por Marcelo.
Do lado do PS, Carlos Pereira considera que a mudança à lei da contratação pública é um “processo muito complexo, mas muito útil para executar o PRR nos prazos apertados sem colocar em causa a transparência e o escrutínio”. Para reforçar essa dimensão e seguindo a recomendação de Marcelo Rebelo de Sousa, o novo diploma também prevê que o Tribunal de Contas passe a receber todos os processos de contratação pública, incluindo os ajustes diretos de qualquer valor, tal como revelou o Expresso no início de março. Ou seja, o TdC continua sem fazer a fiscalização prévia da maioria dos contratos para não atrasar o processo, mas fica agora com documentação que lhe permite fazer a fiscalização a posteriori.
O deputado socialista reconhece a “dimensão do trabalho” que esta alteração, se aprovada e promulgada, vai implicar para o Tribunal de Contas, mas espera que a instituição se prepare para esta nova realidade. O PS admite um reforço dos recursos humanos, mas o “esforço” também tem de ser feito através de uma “plataforma informática” que, através de inteligência artificial (algoritmos), criando alertas específicos para potenciais irregularidades (por exemplo, caso o mesmo NIF se repita em vários contratos).
Esta nova legislação vem trazer várias mudanças ao processo de contratação pública. O objetivo geral é de diminuir prazos e aumentar os limiares acima dos quais os processos são mais escrutinados a priori (e por isso mais lentos), apostando na fiscalização a posteriori. É de notar que algumas das mudanças acordadas para os procedimentos pré-contratuais são temporárias, mantendo-se até 31 de dezembro de 2022, e não é por acaso: as verbas do PRR têm de ser contratualizadas até 2023 e os projetos têm de ser finalizados até 2026.
A nova legislação prevê também que possa ser dispensada a análise de custo-benefício quando se trata da execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus e ainda a possibilidade de adjudicação a um preço mais elevado desde que o preço não exceda em 20% o preço base, mas só se for de forma excecional e “por motivos de interesse público devidamente fundamentados”.
Marcelo vetou diploma em dezembro e pediu mudanças
Foi a 5 de dezembro que o atual Presidente da República e recandidato ao cargo decidiu vetar o diploma do Parlamento que agiliza as regras da contratação pública de projetos financiados por fundos comunitários. Em concreto, a legislação cria medidas especiais de contratação pública, altera o Código dos Contratos Públicos e muda também o Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Na justificação do veto, Marcelo reconhecia a necessidade de fazer alterações. “É naturalmente compreensível – e até desejável – a necessidade de simplificação e de aperfeiçoamento de procedimentos em matéria de contratação pública que possam, com rigor, implicar a melhoria das condições de vida dos Portugueses e permitir flexibilizar a atribuição e a alocação dos referidos fundos, num contexto excecional, como o que atualmente vivemos, e dentro dos prazos muito limitados que estarão previstos nos respetivos regulamentos”, escreveu.
Contudo, o Presidente da República alertava que a simplificação necessitava de uma “contrapartida”, isto é, uma “atenta preocupação com o controlo, mesmo se a posteriori, da legalidade e da regularidade dos contratos, exigido pela transparência administrativa”. Em concreto, Marcelo pedia mudanças na legislação em duas áreas: “Um mais elaborado tratamento dos efeitos do controlo a posteriori pelo Tribunal de Contas quanto ao adjudicante e ao adjudicatário”; e garantias sobre “a composição e funções da nova comissão independente de acompanhamento e fiscalização”. Ambos os pedidos foram acatados pelos deputados pelo que a nova formulação do diploma deverá passar em Belém nesta segunda tentativa.
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