IV Congresso Nacional de Insolvência e Recuperação, da APDIR: “Não haverá uma economia nova, haverá a retoma da economia”
O IV Congresso Nacional de Insolvência e Recuperação da APDIR – realizado na 6ª-feira em parceria com a Advocatus - levou os prós e contras das medidas em vigor de apoio aos empresários e famílias.
Ao longo das seis horas do IV Congresso Nacional de Insolvência e Recuperação, foram debatidos temas que abordaram a situação atual das empresas, com referência às medidas de reestruturação decididas pelo governo, mas também com o foco economia pós-pandemia, nomeadamente a revitalização e recuperação empresarial. Bem como a situação das pessoas singulares. Um evento que teve a parceria do ECO e Advocatus.
Ana Filipa Conceição, docente no Instituto Politécnico de Leiria, David Sequeira Dinis, sócio na Uría Menéndez – Proença de Carvalho, Eduardo Nuno Moniz, Partner e CEO da 3T Finance, Mafalda Ferreira Santos, sócia na Sérvulo & Associados, Magda Fernandes, sócia na Morais Leitão, Paula Franco, Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Ricardo Silva Pereira, advogado na Linklaters, Sandra Amorim, advogada na RSA LP e Sandra Mendeiros, diretora de Revitalização do IGFSS foram os nove oradores que marcaram presença no evento coordenado pelo advogado Paulo Valério e moderado por António Raposo Subtil.
Dentro dos temas abordados no evento, destacaram-se o Processo Extraordinário de Viabilização de Empresa (PEVE), o Processo Especial de Revitalização (PER), o Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) e o Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento (SISPACSE).
A sessão foi encerrada por António Mendonça Mendes, Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, que se mostrou confiante quanto à resiliência das empresas e ao sucesso que as medidas de reestruturação vão ter na retoma dos setores ao mercado.
Moratórias, lay-off, linhas de crédito – qual o objetivo?
Sandra Amorim, advogada na RSA LP, foi a oradora a abrir o debate e começou logo por falar sobre os instrumentos de recuperação da pandemia. “Convém olhar para os instrumentos e questionar se são adequados para a recuperação das empresas”, começou por dizer.
Neste ponto, foram ainda referidas as moratórias e os regimes de lay-off como algumas das soluções dadas pelo governo para ajudar famílias e empresas a sobreviverem ao período pandémico, no entanto, a advogada ressalvou a necessidade de haver uma preparação para o impacto que o fim das medidas presentes na nova legislação vão trazer.
“Grande parte das empresas portuguesas já apresentavam problemas financeiros antes da pandemia. Agora, esses problemas pioraram porque, seja através do acesso às moratórias ou às linhas de crédito, o endividamento das empresas aumentou e, quando isto acabar, o número de insolvências vai crescer”, concluiu.
Nesse sentido, Sandra Amorim aconselha as empresas a antever a situação em que se vão encontrar quando já não existirem estas medidas, de modo a que consigam planear a retoma do setor e criar estratégias para isso: “As empresas devem olhar para si e fazer um diagnóstico frontal e transparente da situação financeira atual e futura e, depois, discutir as possibilidades com os seus credores”.
Ainda dentro deste tema, David Sequeira Dinis, advogado – sócio na Uría Menéndez – Proença de Carvalho, abordou o tema da liquidação. “A liquidação é uma forma útil de recuperar a empresa, só que é preciso adequar o instrumento recuperatório à empresa e aos seus objetivos”, referiu.
David Sequeira Dinis considera que a liquidação não permite recuperar o empresário, mas permite recuperar a infraestrutura empresarial. O advogado ressalvou ainda que “é equívoco” opôr-se a liquidação à via do plano.
“A liquidação é, tendencialmente, mais rápida e menos complexa, enquanto que o plano pode demorar um a dois anos”, explicou. No entanto, considera que ambos devem ser considerados mediante o estado e situação de cada empresa e que, por isso, não se deve descartar um deles em detrimento de outro.
PEVE, PER E PEAP – o que são e o que os distingue?
É aqui que entram os tais processos especiais ou extraordinários, criados para pessoas singulares ou coletivas que estejam a passar dificuldades financeiras. No entanto, há determinados fatores que distinguem os três processos mais falados ao longo do debate, nomeadamente o PEVE, o PER e o PEAP.
O PER é o Processo Especial de Revitalização, que tem como finalidade permitir a uma empresa que esteja numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente (mas que ainda seja possível de ser recuperada), negociar com os credores a fim de chegarem a um acordo que permita a sua revitalização.
O PEAP trata-se de um processo especial para acordo de pagamento, que serve exatamente para as mesmas situações que o PER, mas destina-se apenas a pessoas singulares. Aqui o objetivo é, também, estabelecer negociações com os credores do devedor, neste caso, particular.
Por fim, o PEVE, criado no ano passado, tem como destinatários empresas (que podem ser uma sociedade comercial, estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou empresário em nome individual) em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual, em virtude da Covid-19.
Ora, ao olhar para as três definições, é possível entender-se que há muitas semelhanças entre elas, mas também há alguns pontos que divergem e que, por isso, podem fazer toda a diferença em casos práticos.
Sandra Amorim chegou mesmo a comparar o PEVE ao PER e a referir quais as principais vantagens em recorrer ao primeiro, em vez do segundo. “As vantagens de recorrer ao PEVE em detrimento do PER são três. Pode ser utilizado por empresas que já se encontrem em situação de insolvência atual, o insucesso das negociações com os credores não tem como escrutínio um processo de insolvência e, ainda, o facto do PEVE permitir que no plano de pagamentos a apresentar a credores públicos possa haver isenção de juros”, enumerou.
Ainda assim, a advogada não deixou de questionar a necessidade de se criarem tantos processos para a reestruturação económica de empresas ou pessoas singulares, em vez de se melhorar os que já existiam.
“O PEVE tem um período de vigência até 31 de dezembro de 2021 e integra a legislação de emergência, criada para fazer face à pandemia”, acrescentou Ricardo Silva Pereira, advogado na Linklaters que, ao contrário de Sandra Amorim, não vê o PEVE como mais um instrumento de recuperação, uma vez que, ao contrário dos outros, obriga a que os seus beneficiários tenham uma relação causal da situação em que se encontram com a pandemia. Portanto, por regra, ficam fora do PEVE pessoas coletivas cuja situação financeira se complicou por outros motivos que não sejam causados pelo período pandémico.
“O PEVE, ao contrário do PER, não conta com uma fase de reclamação de créditos. O PEVE inicia-se com um requerimento e com uma declaração que justifique a relação causal entre a pandemia e a situação da empresa e que mostre que tem as condições necessárias para viabilizar o processo”, rematou.
SISPACSE – solução ou confusão?
A verdade é que, além destes três processos, há ainda um Sistema Público de Apoio à Conciliação no Sobre-Endividamento (SISPACSE) que, de acordo com Ana Filipa Conceição, docente no Instituto Politécnico de Leiria (IPL), destina-se a “atacar as tendências do maior número de insolvências em Portugal, que são as pessoas singulares”.
É um sistema de ação voluntária, onde é criada a figura de um conciliador, que tem como missão fomentar um espaço de negociação pré-judicial entre o devedor e os credores aderentes, prevenindo o recurso a meios jurisdicionais de tutela de crédito.
Cabe à Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), entidade que gere o SISPACSE, organizar listas públicas de conciliadores, que podem incluir mediadores dos sistemas públicos de mediação, os que realizam essas funções junto dos Julgados de Paz, advogados, solicitadores e entidades que prestem apoio no âmbito do sobre-endividamento (como é o caso, por exemplo, da DECO).
Apesar de poder ser uma solução para algumas situações, a docente do IPL considera que existem alguns problemas na criação deste sistema, que podem afetar negativamente a sua forma de atuação. Ana Filipa Conceição enumerou os três problemas que achou mais pertinentes, nomeadamente:
O SISPACSE ser um sistema de renegociação parcial de dívidas. Isto faz com que possa ser um sistema viável para empresários em nome individual, mas não tanto para consumidores.
Abranger um leque reduzido de dívidas, que implica outras negociações parciais, o que leva a uma menor eficácia. “Aqui há muita dispersão legislativa, que não é fácil para uma pessoa singular compreender”, constatou.
Competir com negociações coletivas e judiciais como a RERE, os Sistemas de Apoio ao Sobre-Endividamento na Ação Executiva, o PEAP e PER e, ainda, o Plano de Pagamentos. De acordo com a docente, isto faz com que, caso a pessoa já se encontre numa situação abrupta de endividamento, não vai para o SISPACSE, uma vez que, depois, terá de recorrer a outros processos, com os quais o sistema compete.
Ana Filipa Conceição vai de encontro à ideia já referida por Sandra Amorim, uma vez que considera que já existem muitos mecanismos para a mesma finalidade. “Eu sou completamente contra os ´não sei quantos´ mecanismos de reestruturação, quer de empresas, quer de singulares. A meu ver, devia-se repensar o SISPACSE e colá-lo ao Plano de Pagamentos”, sugeriu.
A par disso, a docente do IPL referiu ainda a necessidade de haver espaços destinados ao esclarecimento de dúvidas de pessoas/empresas insolventes ou em iminência de entrar em insolvência. “Ter um balcão de informação nos tribunais ou um sítio na internet onde as pessoas insolventes pudessem aceder a informação clara sobre o assunto era muito importante”, rematou.
A desvalorização do papel dos contabilistas certificados nas insolvências
Em todos os mecanismos de reestruturação apresentados no IV Congresso Nacional de Insolvência e Recuperação há um fator que lhes é comum: a falta de integração de um contabilista certificado nestes processos.
Paula Franco, Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), dá o exemplo do PEVE, que considera não ter cumprido todos os objetivos, uma vez que vê nele essa lacuna e outras: “O PEVE não impede que os bens da empresa não sejam penhorados ou que algum credor peça a insolvência da empresa. Além disso, falha, também, a colocação de um contabilista certificado como parte integrante do processo”.
No entanto, não é só o PEVE que tem esta “falha”. Paula Franco chegou mesmo a referir que, em Portugal, o contabilista certificado não é visto como um elemento importante para os processos de recuperação das empresas. Contudo, fez ver que tal ideia não podia estar mais errada. “O contabilista certificado é essencial em fases precoces e num estado preventivo, até porque pode antecipar algumas destas situações”, explicou.
De realçar que em Portugal há um mecanismo de alerta precoce do estado das empresas, que inclui uma série de checkups financeiros feitos pelo contabilista certificado. Este mecanismo serve para prever situações de dificuldades financeiras ou até riscos de insolvência. “É extremamente importante para evitar situações futuras indesejáveis, mas não serve para saber o que está a levar as empresas para essas situações. Quem sabe isso são os contabilistas certificados”, disse Paula Franco.
Portanto, nesse sentido, a bastonária da OCC referiu, ainda, que os contabilistas certificados podem dar o seu contributo tanto em situações preventivas como na reestruturação de empresas – através do PER e do PEVE, por exemplo -, desde que passem a ser considerados fundamentais no processo. “A parte financeira de uma empresa está, regra geral, entregue a um contabilista, portanto, incluir estes profissionais nestes processos é fundamental para perceber o que levou à situação atual e contribuir para a revitalização das empresas”, concluiu.
A intervenção da Segurança Social na regularização de dívidas
Sem dúvida que, no âmbito da revitalização das empresas, o papel desempenhado pela Segurança Social tem um peso considerável na regularização de dívidas, tanto de pessoas singulares, como coletivas.
Sandra Mendeiros, diretora na Direção de Revitalização do IGFSS, começou por dizer que a Segurança Social podia regularizar dívidas até 150 prestações mensais. Sendo que o “até” é muito importante, uma vez que nem todas as empresas necessitam de dividir o valor a pagar em tantos meses. “Depende da empresa e do valor que tem a pagar, o que pode justificar, ou não, o aumento do número de prestações”, explicou.
A diretora do IGFSS mencionou, ainda, as ´balizas´ que têm para apurar valores mensais, sujeitas, ainda assim, a avaliações concretas de cada caso: “Para pessoas singulares, a fronteira está nos 1535,84€. Se as dívidas da pessoa estiverem abaixo desse número, o valor mínimo mensal a pagar é de 10€, mas se a dívida estiver acima desse valor, a mensalidade mínima passa a ser de 25€. No caso de pessoas coletivas, a fronteira é mais alta – 13164,30€. Aqui, se a dívida estiver abaixo desse valor, a mensalidade mínima será de 200€ e, se ultrapassar o ´valor fronteira´, será de 435€”.
A Segurança Social pode, ainda, autorizar a redução condicionada de juros vencidos. Contudo, tal como o nome indica, a redução é condicionada porque está sujeita a condições de vigência, nomeadamente, o cumprimento do plano e o pagamento das prestações.
“Se tudo for cumprido, no fim do plano a empresa vai beneficiar da isenção de juros. Mas isto já não acontece se a empresa deixar de cumprir contribuições ou deixar de pagar mensalidades”, esclareceu, ainda, Sandra Mendeiros.
Neste âmbito foram, também, mencionados os capitais de risco como uma opção de ajuda para as empresas endividadas. Eduardo Nuno Moniz, CEO da 3T Finance, referiu que os capitais de risco investem em tudo, “sem fatores tabu”. Dessa forma, acabam por levar às organizações/pessoas em que investem, não só o capital, mas também o smart money.
“O problema é que, muitas vezes, os capitais de riscos não têm acesso a informação e aqui, os mecanismos de alerta, mencionados anteriormente, são importantes, mas também o pessoal das empresas, que deve fomentar redes para dar o conhecimento aos capitais de risco dessa necessidade e poderem, assim, revitalizar as empresas”, sugeriu o CEO.
Os prazos alargados de apresentação à insolvência e a falta de uma data de cessação
Mas, apesar de todos estes processos terem como objetivo evitar que as empresas ou pessoas singulares entrem em insolvência, a verdade é que muitas delas entraram nesse processo depois da pandemia eclodir. Para esses casos, ainda assim, também existem medidas excecionais.
Antes da pandemia estava previsto que um devedor deveria apresentar-se à insolvência nos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência. No entanto, depois da situação pandémica, entrou em vigor, a 6 de abril de 2020, uma nova lei (artigo 6.º-A da Lei n.º1-A/2020), que prevê a suspensão desse prazo para as insolvências fruto da pandemia.
No entanto, apesar da lei atual pretender proteger o insolvente, Magda Fernandes, advogada – sócia na Morais Leitão, referiu que o facto de o devedor não ser obrigado a apresentar-se à insolvência no prazo dos 30 dias não impede que o credor intente um pedido de insolvência do devedor. “Portanto, abriu-se uma janela de sobrevivência, mas fechou-se uma porta”, disse.
A advogada mencionou, ainda, a falta de conhecimento de uma data para a cessação desta lei temporária como uma falha da medida. Isto porque acaba por não permitir às empresas organizaram-se, com prazos, e anteverem situações futuras.
De acordo com essa ideia está, também, Mafalda Ferreira Santos, advogada – sócia na Sérvulo & Associados. “A falta de indicação do momento concreto em que terminará a suspensão do dever de apresentação à insolvência não traz muita segurança nem previsibilidade às empresas”, referiu.
Mafalda Ferreira Santos sublinhou que a suspensão do dever de apresentação à insolvência não implica, naturalmente, a suspensão dos deveres a que se encontram obrigados os administradores, de direito e de facto, das empresas, e que, uma vez levantada a referida suspensão, haverá que prestar especial atenção, para efeitos de contagem do prazo de 30 dias, às empresas que já se encontravam em situação de insolvência antes do início da suspensão de tal dever.
Economia caiu menos do que o previsto
Apesar de todas as incongruências nas medidas de ajuda a pessoas coletivas e singulares, a verdade é que os números mostram que a economia e, principalmente, o mercado de trabalho têm sido muito resilientes nestes tempos pandémicos, o que torna a retoma dos setores mais viável. “Não haverá uma economia nova, haverá uma retoma da economia”, afirmou António Mendonça Mendes, Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais.
António Mendonça Mendes encerrou o IV Congresso Nacional de Insolvência e Recuperação com otimismo face ao futuro que se avizinha. “A economia caiu 7,6% e estava previsto que a queda fosse entre os 9% e os 10%. Já o emprego diminuiu apenas 1,9%, o que permitiu que mantivéssemos o nosso tecido produtivo e em boas condições de retoma. Os dados da economia são menos maus do que estava previsto e isso é relevante para que a nossa recuperação seja mais rápida”, admitiu.
Nesse sentido, o Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, destaca as medidas tomadas pelo governo como fundamentais para aliviar a tesouraria das empresas. Apesar do momento desafiador e novo para todo o mundo, António Mendonça Morais não tem dúvidas de que o desfecho será positivo.
“Nós sempre fomos capazes de ultrapassar todas as crises e seremos capazes de ultrapassar mais esta”, rematou.
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