“Lapsos de memória”, “desgaste físico e emocional” e um pacemaker: como a defesa descreve Ricardo Salgado

Nas 191 páginas da contestação da defesa de Salgado, os advogados apresentam um apanhado do que chamam do perfil psicológico do arguido, bem como as condições físicas em que atualmente se encontra.

Devido ao escrutínio público a que Ricardo Salgado está sujeito, desde 2014, altura em que foi detido, que o ex-líder do BES tem vindo “a sentir dificuldades e lapsos de memória e, ainda, desgaste emocional, físico e psicológico. Com dificuldades de audição, tem ainda um pacemaker e já sofreu intervenções cirúrgicas para realização de um stent“. A descrição do atual estado emocional e físico daquele que em tempos foi considerado um dos banqueiros — se não o mais — mais influentes de Portugal, é feita pelos advogados de defesa do agora arguido, que o descrevem como um homem mais fragilizado.

Ao longo das 191 páginas da contestação da defesa de Ricardo Salgado, a que o ECO teve acesso, os advogados fazem também um apanhado do que chamam de perfil psicológico do arguido, bem como da condição física em que atualmente se encontra. Mais: Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce aproveitam para explicar, ou relembrar, o papel do ex-líder do BES na economia portuguesa. O documento foi enviado na semana passada ao juiz Francisco Henriques, titular do julgamento que Salgado enfrenta por três crimes de abuso de confiança. No âmbito da Operação Marquês, Ricardo Salgado estava acusado de um total de 21 crimes: um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, dois crimes corrupção ativa, nove crimes branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três crimes fraude fiscal qualificada.

Mas o juiz de instrução Ivo Rosa decidiu pronunciar o arguido apenas por três crimes. Em concreto, por alegadamente este se ter apropriado de 10,6 milhões de euros, com origem na Espírito Santo Enterprises, tida como o “saco azul” do Grupo Espírito Santo. Segundo a pronúncia, foram feitas três transferências da ES Entreprises, em 2011, para sociedades offshore controladas por Ricardo Salgado.

Reformado desde julho de 2014, depois de ter cessado funções de CEO do BES que exerceu desde setembro de 1991, Ricardo Salgado não exerce qualquer atividade profissional e após o colapso do GES, em agosto de 2014, já foi chamado em centenas de processos judiciais cíveis, criminais e contraordenacionais, bem como visado na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a gestão do BES / GES.

“A vida e os processos judiciais em que o arguido está envolvido são objeto de escrutínio público e notícias quase diárias na comunicação social, desde 2014, o que afeta qualquer pessoa”, explica a contestação da defesa. “Desde meados de 2014, os dias do ora arguido são passados a trabalhar na sua defesa e no livro das suas memórias”.

Onde estava Ricardo Salgado no 25 de abril?

Na sequência do 25 de abril de 1974 e, em especial das nacionalizações promovidas no âmbito do denominado PREC (incluindo do GES e do BES), Salgado foi residir para Londres e deslocou-se também a Lausanne na Suíça em 1975 para aí colaborar na refundação da área financeira do Grupo Espírito Santo. Ainda em 1975, o agora arguido chegou a ser reempossado como subdiretor do então BESCL – Banco Espírito Santo & Comercial de Lisboa, a 17 de março de 1975 (com o banco nacionalizado). Desde 1976 até 1982, o arguido residiu no Brasil, aí desenvolvendo o trabalho de refundação do ramo financeiro do Grupo Espírito Santo. De 1982 até 1991, Salgado residiu na Suíça, onde trabalhava no ramo financeiro do GES, em particular, na Banque Privée Espírito Santo. Em 1991, regressou definitivamente a Portugal, para exercer as funções de CEO do BES, até 13 de julho de 2014.

“Enquanto CEO do BES, o ora arguido sempre procurou ajudar a economia portuguesa, em particular no apoio às pequenas e médias empresas, o que levou o BES a ter a maior quota de mercado neste segmento”, diz o texto de Proença de Carvalho e Squilacce, sócios da Uría Menéndez- Proença de Carvalho. Em julho de 2014 (e depois em Julho de 2015), declarou, em sede judicial, “que não mais abandonaria o seu país, Portugal. E assim o fez. E assim o fará”, concluem os advogados.

Ascensão e queda de Ricardo Salgado

Sobrinho-neto do fundador do banco, Salgado foi escolhido para liderar a área financeira do Grupo Espírito Santo em 1991, chegando a essa posição pouco antes da primeira fase de privatização do BES, em que a família queria recuperar o banco depois de ter perdido quase tudo com as nacionalizações de 1975.

Em abril de 1992, já com a família com uma posição de relevo no banco, Ricardo Salgado sobe a presidente executivo do BES, iniciando um percurso que levou ao aumento da quota de mercado e à internacionalização do banco.

Ao longo de duas décadas, foi sob a liderança de Ricardo Salgado que o banco da família Espírito Santo se tornou o terceiro maior de Portugal, com o banqueiro a concentrar em si cada vez mais poder, decidindo os negócios da família, mas também influenciando a vida nacional.

Depois de meses a dizer que não acreditava numa intervenção do FMI em Portugal, em abril de 2011, a declaração de Ricardo Salgado ao então ministro das Finanças Teixeira dos Santos — “É imperioso pedir ajuda, estamos numa situação limite” — terá levado o governante a “perceber naquele momento que tinha de agir”. Este é aliás um dos episódios retratados em um dos vários livros escrito pelo banqueiro “O último banqueiro – ascensão e queda de Ricardo Salgado”, das jornalistas Maria João Babo e Maria João Gago, lançado em 2014.

Ricardo Salgado sempre soube gerir as relações com o poder político. Perante a acusação de que o BES é o banco do regime, o banqueiro respondeu: “É o banco de todos os regimes”. Tendo uma relação mais próxima com José Sócrates, Salgado também elogiou por várias vezes o Executivo de Passos Coelho, mas a relação teve percalços, caso do recado enviado pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, em junho de 2013. “Vítor Gaspar entrou na reunião com a Associação Portuguesa de Bancos a pés juntos: ‘Se eu fizesse declarações sobre a dívida do BES tinha muito a dizer’, avisou, num tom claro, duro e incisivo, perante os 15 responsáveis convocados para o encontro no Ministério das Finanças”, contam as autoras do livro.

O BES esteve envolvido na internacionalização da Portugal Telecom (PT) para o Brasil, na Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonaecom sobre a PT (que levou o presidente da Sonae a dizer que o insucesso da operação foi a vitória dos “bloqueadores do progresso, de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos”) e contribuiu para a emergência da Ongoing.

Mas a reputação da família ia sendo fragilizada com os sucessivos casos em se via envolvida – como as operações “Furacão” e “Monte Branco”, os casos dos submarinos e Portucale –, assim como as retificações de IRS feitas por Salgado, que se terá “esquecido” de declarar 8,5 milhões de euros recebidos pelo construtor José Guilherme por consultoria para negócios em Angola, em 2011.

Em paralelo, começaram a vir a público os problemas no BES Angola e as más relações com Álvaro Sobrinho, que em tempos foi seu delfim, o azedar das relações com o aliado Pedro Queiroz Pereira (da Semapa), a luta pela liderança do grupo com o primo José Maria Ricciardi e os problemas de endividamento e irregularidades detetados em empresas do GES.

Salgado foi também ouvido longas horas na comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES/GES, onde foi confrontado pelos deputados dos grupos parlamentares com inúmeras perguntas.

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