Dívidas, recusa da CGD e capitais próprios negativos pesaram na decisão da insolvência da Groundforce

Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa proferiu sentença de declaração de insolvência da Groundforce, na sequência do pedido da TAP. Leia os argumentos usados pelo tribunal.

O juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa declarou insolvente a Groundforce, como tinha sido pedido pela companhia aérea TAP, decisão que pode ainda ser impugnada pela empresa de handling.

O pedido foi justificado pelo tribunal por créditos vencidos e não pagos, faturas vencidas e não pagas, adiantamentos e o aluguer mensal de equipamentos com pagamentos em incumprimento, num total de 5,6 milhões de euros.

Segundo a sentença, a que o ECO teve acesso, a questão que importou decidir passou por “saber se a requerida (Groundforce) se encontra em estado de insolvência. Questão esta que passa pela verificação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e/ou da existência de um passivo manifestamente superior ao ativo”, ecreveu o juíz José Eduardo Terras Gonçalves.

Foi em maio que o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, confirmou que a TAP, da qual o Estado é o principal acionista, iria pedir a insolvência da Groundforce.

O juiz garante que a prova que mais contou para esta decisão foram a prova documental e testemunhal. Testemunhos esses — de ambas as partes — que “revelaram especiais conhecimentos no âmbito das funções que lhe estão cometidas”, com “honestidade intelectual e, na generalidade, demonstraram isenção e distanciamento, donde se ter feito fé nos depoimentos/declarações prestadas”. Gonçalo Faria de Carvalho e Sandra Candeias Matos da Luz, administradores da Grounforce e Alexandra Margarida Vieira Reis, administradora da TAP, foram alguns dos (bons) exemplos dados no que toca ao seu testemunho.

O tribunal vai também buscar a greve efetuada pela Groundforce em julho. “E se dúvidas existem de quem está refém de quem na relação comercial que as une nos aeroportos do Continente e da Madeira, ter-se-ão dissipado em face das consequências da greve ocorrida em meados do mês passado em que a TAP, a par de outros operadores turísticos, teve prejuízos de largos milhões de euros, ao invés da Groundforce cujo prejuízo foi considerado nulo uma vez que nos dias seguintes foram efetuados os voos então suspensos”.

E que argumentos, em concreto, apresentou o tribunal para que a decisão fosse favorável à insolvência da Grounforce, concretizando assim o pedido da TAP?

Para começar, o facto das relações comerciais entre ambas as empresas “pautarem-se por haver grande proximidade e controlo sobre as contas a receber e a pagar” e o facto da TAP ser cliente da Grounforce “mas também prestadora de serviços, sendo que um desses serviços é a gestão e cobrança de créditos da Requerida, não coerciva”.

Assim, através dessa prestação de serviços de contabilidade “a TAP tem acesso a toda a contabilidade da empresa bem como às contas bancárias desta, inclusivamente, tem procurações para poder movimentar as contas bancárias”. Conhecendo, desta forma, “ao dia, a conta corrente existente entre ambas as entidades”.

Alega ainda o tribunal que, em condições normais, as faturas devidas pela Groudforce são compensadas todos os meses com as prestações de serviços que presta à requerente (TAP).

A decisão reforça ainda que a evolução económico-financeira até início do ano de 2020 “pautou-se por um padrão de crescimento médio na ordem de 10%, enquanto o lucro apresentou um crescimento anual médio de 36%”. No final de 2019, o EBDITA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) chegou a 9,7 milhões de euros.

O magistrado usa ainda a pandemia como razão para a redução drástica da atividade das transportadoras aéreas e a consequente diminuição do volume de serviços de handling prestados, refletindo-se na quebra de tesouraria da Groundforce devido à interdição, a 18 de março de 2020, do tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal, de todos os voos de e para países que não integram a União Europeia e ao facto do tráfego comercial no aeroporto de Lisboa ter caído 60,1% face à totalidade do ano de 2019. “A pandemia da doença de COVID-19 imergiu o setor da aviação comercial numa crise financeira sem precedentes”, diz o juiz.

E relembra que a Grounforce enviou uma carta à ANAC, aos Ministros do Estado, da Economia e da Transição Digital, Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Ministro das Infraestruturas e Habitação, “na qual requeria a adoção de medidas urgentes e concretas, com vista à sua sobrevivência imediata, face ao contexto da pandemia e às suas consequências na aviação civil e na sua atividade”.

A decisão dá ainda conta do recurso por parte da empresa, declarada agora insolvente, ao “lay-off simplificado” e, desde agosto de 2020 até 28 de maio de 2021, ao regime do apoio extraordinário à retoma progressiva das empresas em crise, tendo de seguida cessado todos os contratos a termo, prestações de serviços e recurso a trabalho temporário, no que resultou uma diminuição de cerca de mil trabalhadores no decurso dos primeiros seis a sete meses da pandemia. Num altura em que a TAP se disponibilizou ainda para pedir empréstimos à CGD e ao Banco de Fomento. “Entre dezembro de 2020 e em janeiro de 2021 procedeu a adiantamentos à Groundforce, por conta do pagamento dos serviços de handling a prestar à TAP, no valor global de 12.365.000 euros”, sulinha a decisão.

O montante total dessas faturas ascendia já a dois milhões seiscentos e cinquenta e cinco mil novecentos e noventa euros e dezassete cêntimos.

Numa altura em que ainda esperava uma resposta ao pedido de financiamento da CGD e do Banco de Fomento, a 27 de janeiro de 2021, a empresa de handling enviou à TAP “informação referente à atualização da necessidade de tesouraria para o pagamento dos salários explicando que, para que seja possível proceder ao pagamento de salários deste mês, a Groundforce necessita de 1 milhão de euros (ao invés dos 1,3 milhões indicados no início do mês)”. E garantia que, até à resposta das entidades bancárias, não poderia proceder ao pagamento desses adiantamentos.

Em resposta, a TAP só admite que o reembolso integral dos adiantamentos em dívida “fosse feito até ao dia 15 de março de 2021 e, mais tarde, até 31 de março de 2021, na condição da celebração de um acordo para a realização de um novo adiantamento à Groundforce, que incluía, nomeadamente, a celebração de contrato-promessa de penhor pela PASOGAL, a favor da TAP”, esxplica o juiz.

O cenário vai piorando e chega ao ponto em que, a 18 de março de 2021, a devedora assina a carta que lhe foi endereçada na mesma data pela TAP, onde reconhece expressamente que está em dívida para com a TAP pelo valor de sete milhões, novecentos e quinze mil, e noventa e quatro euros e doze cêntimos. O magistrado chega a citar uma peça do ECO que dava conta que “o dinheiro da venda dos equipamentos à TAP está a esgotar-se e o apoio da Segurança Social vai diminuir no próximo mês, colocando em causa o pagamento dos salários dos 2.400 trabalhadores em maio. […] A gestão da empresa de handling garante ter capacidade para pagar o próximo mês [abril], mas maio já não é assegurado”.

Para justificar a insolvência, o magistrado relembra ainda um mail datado de 18 de abril de 2021 em que o BPF manifesta “reservas quanto à viabilidade económica e financeira da empresa, bem como à sua capacidade de reembolsar a linha de crédito solicitada, tendo em consideração os elementos apresentados pela empresa”. E a proposta da CGD que, no dia 15 de abril, defende que “atendendo à situação económico-financeira da empresa seria crucial assegurar uma garantia do Estado/BPF para 100% do financiamento, ou caso tal não seja possível, garantia do Estado/BPF para 90% do financiamento e penhor de depósito para os 10% remanescentes”.

Quais foram as razões do pedido da TAP?

Créditos vencidos e não pagos no valor total de mais de 15 milhões, a título de capital. Concretizando:

  • serviços prestados pela TAP à Groundforce, titulados por faturas vencidas e não pagas no montante de 2,65 milhões;
  • Adiantamentos feitos pela TAP à Groundforce, por conta dos serviços de handling por esta prestados ou a prestar no montante de 12, 3 milhões;
  • Aluguer mensal devido ao abrigo do Contrato de Aluguer de Equipamentos, vencido e não pago (“Crédito de Aluguer”), no montante de 219 mil euros;
  • Após o encontro de contas, ser a TAP titular de créditos vencidos sobre a empresa no montante global de 5,65 milhões;
  • Deter créditos não vencidos sobre a Groundforce no montante global de € 1.098.849,80, por faturas emitidas em abril de 2021 e com datas de vencimento ao longo do mês de maio de 2021.
  • Em 2020, o passivo da empresa de handling excedia significativamente o ativo;
  • A Groundforce ter dívidas vencidas e não pagas para com a ANA, Aeroportos de Portugal, SA, (ANA) e fornecedores e os salários de 2.400 trabalhadores encontram-se em risco.
  • A CGD e o Banco de Fomento recusaram o empréstimo de 30 milhões solicitado pela devedora;

E qual a defesa alegada pela Groundforce?

  • Não tem a qualidade de credora;
  • A pluralidade de credores está a ser paga e não existe qualquer suspensão de pagamentos
  • Não está em incumprimento das suas obrigações perante a TAP nem perante outros credores;
  • Não se verifica nenhum facto presuntivo de insolvência, segundo o CIRE;
  • Por terem sido invocados factos novos na oposição, a 25 de Junho, a TAP refere que existiam créditos a seu favor no montante de 3.047.503,00 €, a título de créditos de faturas vencidas e não pagas;

Os adiantamentos feitos pela TAP à Groundforce

No decorrer da pandemia, a transportadora disponibilizou apoio financeiro à empresa agora insolvente, a pedido desta, através de “sucessivos adiantamentos de pagamentos de serviços prestados ou a prestar à TAP, com o objetivo de evitar a rutura operacional da mesma”.

  • Desde a realização do primeiro adiantamento, a 24 de agosto de 2020, até aos adiantamentos feitos em 27 e 29 de outubro de 2020, a Groundforce devolveu cada adiantamento até ao final do mês seguinte;
  • O adiantamento realizado pela TAP em 24 de agosto de 2020, no montante de um milhão e setecentos mil euros, foi devolvido no dia 21 de setembro de 2020;
  • Os realizados nos dias 28 de setembro de 2020, no montante de 200 mil euros, e 29 de setembro de 2020, de dois milhões e quatrocentos mil euros, foram ambos devolvidos em 26 de outubro de 2020;
  • Os adiantamentos realizados pela TAP nos dias 27 de outubro de 2020, no montante 1 milhão de euros, e 29 de outubro de 2020, no montante de um milhão e seiscentos mil euros, foram ambos devolvidos no dia 23 de novembro de 2020;
  • “Créditos por adiantamentos” resultaram no valor de doze milhões trezentos e sessenta e cinco mil euros, todos vencidos;

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