Juízes dizem que transferência do TC da capital é um “grave desprestígio”
O TC deu um parecer negativo sobre a proposta do PSD. Os juízes-conselheiros afirmam que esta mudança teria uma "carga simbólica negativa" e que seria um "grave desprestígio" para o órgão.
O projeto de lei do PSD prevê que o Tribunal Constitucional (TC) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) mudem de instalações de Lisboa para Coimbra. Mas esta proposta, que vai a parlamento quinta-feira, não está a ser muito bem recebida, principalmente pelos juízes-conselheiros. Do Palácio Ratton, onde está sedeado o TC, já saiu um parecer negativo que arrasa os argumentos da proposta do PSD.
Segundo o PSD, esta mudança reforçaria a “independência do poder judicial relativamente ao poder político, através da distanciação geográfica das respetivas sedes”. Os sociais-democratas exemplificam ainda com a situação alemã, onde o Tribunal Constitucional Federal está sediado em Karlsruhe.
Face a este argumento, os juízes-conselheiros consideram que essa independência do TC não está em causa ou “carece de afirmação simbólica”. Desta forma, defendem que essa transferência da sede por decisão do poder político teria “uma carga simbólica negativa, degradando a perceção pública da autoridade, autonomia e relevância do órgão”.
“A transferência seletiva da sede de um órgão de soberania, baseada em qualquer critério que não seja o da natureza e dignidade constitucional das funções que desempenha, não poderia deixar de constituir um grave desprestígio”, lê-se no parecer. Ao jornal Público, fonte oficial do TC afirmou que o “desprestígio” não se refere à cidade de Coimbra mas apenas à possibilidade de Lisboa perder um dos órgãos de soberania.
Sobre o exemplo alemão, os magistrados consideram a analogia “infundada” e que a situação ocorreu por “indisponibilidade da capital histórica no momento da criação do órgão.” Para o TC, os exemplos europeus em que os órgãos de soberania são fora da capital têm “determinadas particularidades”.
Outros dos argumentos apresentados pelo PSD é a necessidade de dar um passo “mais ambicioso no processo de descentralização das instituições do Estado”. Relativamente a este ponto, o parecer rejeita o argumento e que a saída da sede da capital “não constitui uma medida de descentralização no sentido (jurídico-administrativo) rigoroso e próprio do termo”.
Os juízes-conselheiros sublinham ainda que a concretização da descentralização seria feita com o reforço das atribuições de autonomia das autarquias locais.
Por fim, o PSD argumenta ainda que Coimbra tem uma “forte tradição de ensino de direito” e um “centro dedicado à jusrisprudência”, sendo por isso o local ideal. Também aqui, os juízes refutam o pensamento, afirmando que “uma instituição cultivar o estudo da jurisprudência é irrelevante para a questão da localização do TC”.
Ainda assim, existem dois juízes que discordam do parecer apresentado: Mariana Canotilho, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Manuel Costa Andrade, professor catedrático da Universidade de Coimbra.
Mariana Canotilho defende que a Constituição não refere a capital do país como tendo que ser o local das instituições e que a “localização dos órgãos do Estado é matéria estritamente política” e que o TC limitar-se a assinalar (não a ponderar) os eventuais constrangimentos de ordem prática”.
A juíza-conselheira sublinha que a competência é do legislador e não do TC e lamenta que do parecer se extraia que “a mudança de localização seria uma diminuição do prestígio e autoridade institucionais”.
Também Manuel Costa Andrade, ex-presidente do TC, critica o parecer do órgão. Para o juiz-conselheiro é ao Parlamento que compete decidir a sede do TC e defende que “qualquer chão nacional tem a mesma dignidade e legitimidade para acolher o TC”.
Esta mudança, caso seja aprovada, poderá implicar a deslocação de 221 funcionários daquelas instituições e de outras entidades na sua dependência. Atualmente, o TC conta com 99 funcionários a exercer funções no Palácio Ratton, o Supremo Tribunal Administrativo tem 111 – entre 76 funcionários e 35 magistrados – e a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que funciona no âmbito do Constitucional, tem atualmente 11 funcionários.
Até ao momento, o PS decidiu abster na próxima sexta-feira, dia de votação, e, segundo avançou a agência Lusa, também será a posição de voto do Bloco de Esquerda. A votar contra estará o PAN. O PCP apenas defendeu que não votará a favor.
Contudo, esta votação não seria suficiente para garantir a aprovação final da lei, uma vez que a Constituição da República impõe que, em votação final global, as leis orgânicas carecem de aprovação “por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”.
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