Jovens têm metade do aumento salarial que tiveram os avós
Para os profissionais nascidos durante a década 90, cada ano adicional de escolaridade traduz-se num aumento salarial médio de 5%, metade do registado na geração da década de 40.
As gerações mais recentes são mais escolarizadas, mas o investimento na educação não está a refletir-se em melhores salários. Se quem nasceu entre 1940 e 1949 tinha, por cada ano de escolaridade, um ganho de 10% no salário, nos profissionais que nasceram na década de 90 essa subida salarial médio está reduzida a 5%, metade do que seria esperado na geração dos seus avós. A “geração mais e melhor qualificada” é também quem menos recebe de contribuições sociais, em termos proporcionais, face ao que paga à Segurança Social. E, entrando no mercado de trabalho em momentos de crise — caso da atual pandemia — fica com uma cicatriz para sempre: salários 5% mais baixos ao longo da sua carreira.
“As diferenças geracionais sobre a importância da escolaridade em termos de aumentos salariais podem resultar de vários fatores, nomeadamente da qualidade da escolaridade, procura de níveis mais elevados de escolaridade por parte das empresas, match entre a escolaridade proporcionada e escolaridade procurada…”, justifica Pedro Martins, professor na Nova School of Business and Economics (Nova SBE) e autor do estudo “A Equidade Intergeracional no Mercado de Trabalho em Portugal”, apresentado esta terça-feira pela Fundação Calouste Gulbenkian.
O maior peso de setores que têm retornos salariais mais baixos pode também explicar esta distorção entre evolução de salários e qualificações, já os mesmos têm um impacto negativo na média. “A mudança de composição das diferentes áreas, com maior peso de áreas que têm retornos mais baixos, pode também explicar que, em termos médios, considerando todas as áreas em conjunto, o nível médio do retorno seja efetivamente mais baixo”, continua o docente durante a apresentação online do estudo, que envolveu uma análise quantitativa, longitudinal e geracional, tendo sido estudadas até oito gerações e acompanhados trabalhadores durante cerca de 30 anos.
Perante os dados, o autor do estudo deixa algumas sugestões ao nível das políticas públicas que podem servir para contrariar a perda da importância da escolaridade na evolução remuneratória dos profissionais. E reforça a importância de olhar para a qualidade dos conteúdos de alguns cursos, nomeadamente em termos da sua ligação às necessidades das empresas e de informar (bem) os jovens na sua escolha.
“Em alguns casos talvez os jovens não tenham acesso a boa informação e podem acabar por fazer escolhas que não se traduzem nas expectativas que teriam em termos do impacto que seria previsível ao nível da frequência de um curso superior, por exemplo”, esclarece.
Ainda que o efeito acelerador da educação no salário esteja a perder velocidade ao longo das gerações, Pedro Martins defende a necessidade de uma contínua aposta na formação. Embora o retorno ao nível remuneratório esteja aquém das gerações mais antigas, fazendo uma análise mais alargada e inclusiva, é possível concluir que a educação continua a ter um impacto “positivo”, ao nível, por exemplo, dar ao jovem “mais oportunidades de emprego”.
Há aqui desequilíbrios muito grandes, em que os mais jovens são prejudicados, na medida em que recebem muito menos, em termos proporcionais, daquilo que pagam junto da Segurança Social.
Jovens recebem menos daquilo que pagam para S.S.
Ao nível dos subsídios e contribuições — ou seja, do que se paga à Segurança Social (S.S.) através de descontos e do que se recebe a título de prestações sociais — particularmente subsídio de desemprego, mas também de doença, parentalidade e lay-off — verificam-se também diferenças significativas entre as gerações.
“As gerações mais recentes recebem em subsídios uma percentagem do que contribuíram muito inferior às gerações anteriores”, alerta o estudo. Em concreto, para os indivíduos da geração dos anos 40 essa relação é de quase 70%, ou seja, 70% dos seus descontos são, de alguma forma, devolvidos através destas diferentes prestações sociais.
Já para os nascidos a partir de 1960, esse rácio entre subsídios e contribuições, é de apenas 22%. “O estudo levanta aqui alguma atenção sobre a vertente relacionada com as prestações recebidas durante o período em que a pessoa está ainda no mercado de trabalho de forma mais ativa. Há aqui desequilíbrios muito grandes, em que os mais jovens são prejudicados, na medida em que recebem muito menos, em termos proporcionais, daquilo que pagam junto da Segurança Social”, refere.
“Há aqui um desequilíbrio muito grande que obviamente vai também afetar aquilo que, de alguma forma, sobra em termos do orçamento da Segurança Social para outro tipo de pagamentos, nomeadamente das pensões de reforma”, acrescenta Pedro Martins.
Grande parte desta diferenciação vem, especialmente, do efeito do subsídio de desemprego. Apesar de Portugal ter uma taxa de desemprego jovem muito elevada, é sobretudo a partir dos 50 anos que o subsídio de desemprego tem um peso assinalável. “Este facto indicia a possibilidade de o subsídio de desemprego estar a ser utilizado mais como uma ponte para a reforma do que como uma prestação social”, lê-se no relatório.
“Diria que é uma possibilidade”, mas “seria útil desenvolver uma análise mais aprofundada para concluir a importância específica dessa vertente”, diz o docente lembrando que os dados do estudo são focados na vertente da participação no mercado de trabalho e não inclui a temática da transição para a reforma.
Seja qual for a causa, o que queremos salientar é que o sistema atual como está construído e como está a ser utilizado não está a endereçar a maior fatia de desempregado, que é a população mais jovem.
Esta análise respeitante às contribuições e subsídio consegue ser explicada através das próprias regras do sistema, aponta Luís Lobo Xavier, diretor da Gulbenkian Strategy & Planning. “Não é surpreende que o Estado gaste pouco nos subsídios de desemprego dos mais jovens quando nós conhecemos as regras do sistema. Para uma pessoa receber subsídio de desemprego precisa de qualificar numa série de parâmetros e, portanto, como nós temos também muitos desempregados mais jovens que passam diretamente da escola ou da universidade para o desemprego, temos aqui uma grande percentagem que não qualifica”, esclarece.
“O que nós queremos mostrar é que temos aqui um tema que não está a ser endereçado. Seja qual for a causa, o que queremos salientar é que o sistema atual como está construído e como está a ser utilizado não está a endereçar a maior fatia de desempregado, que é a população mais jovem”, acrescenta.
Entrada no mercado em período de crise determina salários 5% mais baixos
Os jovens são, de facto, os mais afetados pelo desemprego. A Covid-19 não veio ajudar, tendo penalizado especialmente as gerações mais recentes e há “cicatrizes” que podem ser já para a vida. “As gerações que entram no mercado de trabalho durante uma crise económica veem a sua evolução profissional a médio prazo prejudicada relativamente às outras gerações”, lê-se no estudo.
Esses trabalhadores terão, à partida, redes profissionais e sociais mais fracas e não acumulam a mesma experiência profissional que trabalhadores que tenham a sorte de entrar no mercado de trabalho numa época mais favorável. Além disso, os seus salários serão 5% mais baixos ao longo de toda a carreira. “É quase uma cicatriz que os acompanha para a vida”, reforça Luís Lobo Xavier.
No que toca ao tipo de vínculo laboral, é possível concluir que os contratos a prazo têm vindo a ganhar importância. Dois terços das pessoas nascidas nos anos 90 têm contratos a prazo, quase o triplo dos nascidos antes de 1980. E o cenário não muda — como seria expectável — à medida que os trabalhadores envelhecem. Atualmente, menos de 15% dos contratos a prazo são convertidos em permanentes.
“Os resultados apontam para uma mudança estrutural em termos de uma utilização muito alargada dos contratos de trabalho a termos e temporários junto das gerações mais jovens”, afirma, acrescentando que será importante ter em conta o potencial impacto positivo destes contratos em termos de oferta de oportunidades de emprego aos trabalhadores.
As gerações que entram no mercado de trabalho durante uma crise económica veem a sua evolução profissional a médio prazo prejudicada relativamente às outras gerações.
Contudo, o docente e investigador considera que poderá ser mais importante prestar atenção aos incentivos que as empresas têm para utilizarem os contratos de trabalho sem termo ou mesmo para promoverem as conversões de contratos de trabalho a termo para contratos de trabalho sem termo.
“Isto obviamente pode levar-nos a pensar sobre o enquadramento legislativo no que diz respeito a matérias mais sensíveis como aquelas relacionadas com o despedimento individual, nomeadamente na vertente das causas subjetivas relacionadas com o desempenho dos colaboradores”, comenta.
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