Uber reage a proposta de Bruxelas: “Não vai criar melhores condições de trabalho”
Bruxelas estima que mais de 28 milhões de cidadãos na União Europeia trabalhem atualmente em plataformas digitais, número que poderá atingir os 43 milhões em 2025.
A Uber já reagiu à proposta de Bruxelas que visa melhorar as condições de trabalho nas plataformas digitais e combater o falso trabalho por conta própria. A proposta é “bem-intencionada”, mas “não vai criar melhores condições de trabalho“, responde a plataforma digital de mobilidade. A plataforma não é a única a apontar o dedo à proposta legislativa. Bolt, Free Now e associações representativas do setor também se unem ao coro de críticas. Bruxelas estima que mais de 28 milhões de cidadãos na União Europeia trabalhem atualmente em plataformas digitais, número que poderá atingir os 43 milhões em 2025 – e que cerca de 5,5 milhões sejam falsos trabalhadores por conta própria.
“A proposta da Comissão (Europeia) é bem-intencionada no seu objetivo de melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas, mas no atual rascunho irá provavelmente resultar em consequências não pretendidas”, começa por dizer o Uber numa publicação no site da companhia.
A proposta legislativa — que ainda tem de ser negociada por Parlamento Europeu e com o Conselho (Estados-membros) — vai contra os que os trabalhadores dizem querer, alerta a Uber, remetendo para inquéritos realizados junto dos colaboradores que elegem a flexibilidade e a vontade de permanecer independentes como as razões pelas quais querem trabalhar nestas organizações. Ora, diz a Uber, a proposta de Bruxelas assume que os colaboradores são empregados das plataformas a não ser que se prove o contrário em Tribunal. “Isto vai diretamente contra ao que os funcionários da plataforma dizem querer”.
“Não vai criar melhores condições de trabalho”, considera ainda a Uber, dando como exemplo recentes casos de reclassificação laboral na Europa — como Espanha e Genebra — que resultaram em perdas de milhares de postos de trabalho no setor. E limita oportunidades de emprego, com a perda de flexibilidade a resultar em que mais de 250.000 estafetas sejam impedidos de aceder à plataforma na Europa.
A empresa, que também opera em Portugal com as insígnias Uber e Uber Eats, mostra-se disponível para trabalhar com os legisladores. “Esperamos que os legisladores europeus ouçam as preferências dos trabalhadores independentes e aproveitam a oportunidade de estabelecer um standard global para o trabalho na plataforma.”
Plataformas unidas nas críticas
A Uber não está só nesta apreciação negativa da proposta legislativa. Críticas semelhantes são ouvidas do lado da Bolt em Portugal. “Lamentamos que a Comissão Europeia proponha sacrificar a flexibilidade e eficiência dos trabalhadores nas plataformas através da reclassificação do direito laboral. Acreditamos ser uma abordagem unilateral que não tem em consideração todas as opções disponíveis”, reagiu Nuno Inácio, responsável pelos serviços de ride-hailing da Bolt Portugal, à Pessoas.
“A proposta apresentada vai contra as expectativas e necessidades dos trabalhadores das plataformas — a maioria dos parceiros não quer ser empregada e favorece as vantagens do trabalho independente, tais como a escolha do seu próprio horário de trabalho e a possibilidade de trabalhar em várias plataformas para maximizar as suas receitas, havendo numerosos estudos disponíveis que o demonstram”, acrescenta o responsável da plataforma de mobilidade.
“A proposta feita pela Comissão implica que centenas de condutores perderiam a oportunidade de trabalhar em várias plataformas, uma vez que as estas seriam obrigadas a mudar para um modelo exclusivo de trabalho a tempo inteiro. Esta mudança teria um impacto negativo nas condições de trabalho dos trabalhadores, reduziria as suas oportunidades de receita e influenciaria fortemente milhões de cidadãos europeus que hoje beneficiam dos serviços das plataformas”, continua.
A Free Now não esconde a sua preocupação com o impacto do futuro pacote legislativo no setor. “Enquanto unicórnio de tecnologia na Europa, vimos a atual situação com preocupação e reforçamos o rápido e necessário afastamento por parte do legislador da abordagem única para o setor das plataformas. Encorajamos à identificação de medidas que melhorem as condições dos condutores, sem deixar de lado a flexibilidade que é parte chave da proposta de valor das plataformas”, refere fonte oficial da companhia em declarações à Pessoas.
“Apoiamos a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas, mas limitar a discussão ao estatuto de emprego e à criação de direitos trabalhistas e sociais que vêm com o status de “trabalhador assalariado” conduzirá à perda de centenas de milhares de postos de trabalho em toda a Europa, e obrigaria plataformas como a Free Now a diminuir a capacidade de competir com outras grandes plataformas, ao mesmo tempo que conduz a salários mais baixos, piores condições de trabalho com perda de flexibilidade, e a menos oportunidades para os motoristas“, diz. “Esta situação prejudicará também os passageiros, que terão de pagar preços mais elevados, terão menos opções de escolha e tempos de espera mais longos”, acrescenta.
“Acreditamos que é necessário um quadro claro que permita às plataformas oferecer mais benefícios aos motoristas sem aumentar o risco de reclassificação. Os nossos motoristas podem optar por trabalhar para outras plataformas, não existem cláusulas de exclusividade. Atualmente, investimos muito na retenção dos nossos motoristas, incluindo bónus indexados a objetivos, incentivos como cartões de combustível, seguros mais baratos, descontos na compra de automóveis e outros serviços complementares, além de incentivos especiais para promover o transporte sustentável”, diz.
“Em Portugal somos a única plataforma que aumentou o preço mínimo de 2,5€ para 3€ e pagamos compensações ao km para distâncias de recolha mais longas (antes do passageiro iniciar viagem). Cobramos também a comissão mais baixa no mercado, além de que cerca de 15% dos nossos motoristas têm outro emprego e 90% trabalham também com outras plataformas. Assim, tentamos proporcionar-lhes flexibilidade e liberdade, ao mesmo tempo que aumentam os seus rendimentos e mantêm o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”, refere a Free Now.
As associações que representam as plataformas digitais também se mostram preocupadas. É o caso da Move EU. “A proposta da Comissão oferece uma abordagem única para um setor muito diverso e corre o risco de ter graves e indesejáveis consequências para centenas de milhares de motoristas e consumidores em toda a Europa”, reagiu fonte oficial da Move EU.
“A reclassificação de motoristas não irá necessariamente aumentar os salários ou garantir oportunidades de rendimento e provavelmente levará à perda de oportunidades de rendimento, já que mais de 149.000 motoristas podem perder o acesso ao trabalho e os consumidores irão ver os serviços que procuram e nos quais confiam muito danificados”, continua a associação que tem como membros plataformas de mobilidade como a Free Now ou Uber.
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A Glovo, que também opera em Portugal, quando contactada pela Pessoas remeteu para a posição veiculada pela Delivery Platforms Europe.
“Estamos preocupados com o impacto que esta proposta pode ter nos consumidores, nos restaurantes e na economia da UE em geral“, diz a Delivery Platforms Europe, numa reação enviada às redações.
“Um estudo recente da Copenhagen Economics previu que a reclassificação em toda a UE poderia levar até 250.000 pessoas a decidirem interromper o trabalho de entregas, pois não teriam mais a flexibilidade que procuram. Este estudo recente com 16.000 estafetas em toda a UE apurou que a flexibilidade foi o principal motivo pelo qual estes escolheram trabalhar com plataformas”, refere ainda.
Tweet from @DPE_ Europe
“Os resultados são claramente negativos para os próprios estafetas bem como para restaurantes e consumidores em países onde as regras facilitaram a reclassificação. Em Espanha, onde a reclassificação foi promovida contra a vontade expressa dos parceiros, os representantes desses parceiros estimam que 8.000 pessoas estão desempregadas”, refere. “Até mesmo a Comissão Europeia reconhece que a reclassificação pode reduzir a flexibilidade e levar a uma redução no rendimento de alguns trabalhadores da plataforma.”
O que diz Bruxelas
Com mais de 28 milhões de cidadãos na União Europeia a trabalhar em plataformas digitais, e com esse valor a poder subir para os 43 milhões em 2025, Bruxelas quer regular este setor e pôr cobro ao falso trabalho por conta própria.
“Temos de aproveitar ao máximo o potencial de criação de emprego das plataformas digitais. Mas devemos também assegurar-nos de que são empregos de qualidade, que não promovem a precariedade, para que as pessoas que trabalham através delas tenham segurança e possam planear o seu futuro”, justificou Nicolas Schmit, comissário do Emprego e Assuntos Sociais.
“As plataformas de trabalho digitais desempenham um papel importante na nossa economia, uma vez que trazem inovação, proporcionam empregos e ajudam a satisfazer a procura dos consumidores. As pessoas estão no centro deste modelo empresarial e têm direito a condições de trabalho decentes e a proteção social. É por isso que hoje propomos novas regras”, comentou, por seu turno, o vice-presidente executivo, Valdis Dombrovskis.
A proposta de diretiva vai ser agora negociada com o Parlamento Europeu e Conselho (Estados-membros), e, uma vez adotada, os Estados-membros terão dois anos para a transpor para a respetiva legislação nacional.
Em Portugal, o Governo tinha manifestado a intenção de legislar sobre este tema, mas o pacote de alterações à lei laboral — integrado na Agenda de Trabalho Digno e que chegou a ser aprovado em Conselho de Ministros — não chegou a tempo de ser aprovado dada a dissolução do Parlamento.
(notícia atualizada dia 10 de dezembro às 13h14 com reação da Free Now)
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