Conselho Superior da Magistratura quer instrução do BES concluída até fevereiro

O Conselho Superior da Magistratura ignorou o facto do juiz de instrução ter acabado de receber, a 5 de setembro, o maior processo da nossa Justiça. E quer decisão instrutória em cinco meses.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) – órgão que fiscaliza a atuação dos juízes – quer ver a instrução do BES terminada até fevereiro. Ou seja: quer que o juiz Pedro dos Santos Correia, que ‘entrou’ no processo apenas a 5 de setembro, consiga decidir em cinco meses se os arguidos do maior processo da Justiça portuguesa vão ou não a julgamento. Um juiz que foi parar ao Ticão devido ao movimento de juízes e que conta apenas com dois anos de magistratura efetiva.

“O pedido de aceleração processual deste processo foi parcialmente deferido [aceite] tendo o CSM fixado um prazo de oito meses a partir da notificação desta deliberação para que seja terminada a fase de instrução. Este é um prazo atribuído ao processo e não foi objeto de alteração até ao momento”, explicou o CSM, em resposta ao ECO.

O CSM referia-se a um prazo de oito meses que foi dado a Ivo Rosa, o anterior juiz de instrução responsável pelo processo, mas em junho deste ano. Agora, o CSM não admite rever esse prazo, apesar do juiz de instrução ter mudado e o atual magistrado ter acabado de receber o processo que conta com 186 volumes. Em jeito de pressão, o CSM vai mais longe e diz ainda que “o eventual incumprimento do prazo será apreciado na altura própria”.

O CSM deu, a 1 de junho deste ano, ao juiz Ivo Rosa um prazo de oito meses para terminar a fase de instrução do processo BES/GES, que tem como principal arguido o ex-banqueiro Ricardo Salgado. “Este é o prazo considerado adequado [oito meses], porquanto o prazo legal de quatro meses é manifestamente insuficiente atenta a complexidade e dimensão do processo”, referiu, na altura, o CSM.

Logo quinze dias depois, um grupo de 27 advogados — todos eles de arguidos ou assistentes no caso BES — tomaram uma posição pública face a este prazo.

Para o grupo de advogados — onde se incluem nomes como Paulo Saragoça da Matta, Raul Soares da Veiga, João Medeiros, Francisco Proença de Carvalho (advogado de Ricardo Salgado), Tiago Rodrigues Bastos e Rui Patrício, entre outros — “a decisão do CSM que está em causa, isto é, a fixação de um prazo para a instrução, é ilegal, e é-o por várias razões, sendo certo que acarreta uma interferência inadmissível por parte do CSM na função jurisdicional – por definição, soberana e independente – dos juízes”, pode ler-se na carta, a que o ECO teve acesso e que terá sido enviada para o mesmo CSM.

Já esta quarta-feira, Pedro Correia avisava as partes que vai manter as sessões que já estavam agendadas por Ivo Rosa para 26 a 30 de setembro – a inquirição de 33 testemunhas – apesar de ainda não ter lido o processo. Ou seja: o magistrado assume que ainda não teve tempo suficiente para analisar o processo mas que, mesmo perante este estado das coisas, não vai deixar de realizar as diligências marcadas para finais de setembro. Assumindo que, depois de ler o mega processo e caso se justifique, possa voltar a reinquirir essas mesmas testemunhas.

Nesse mesmo despacho – enviado esta quarta-feira – Pedro Correia faz, inclusive, um desabafo, relativo à dimensão e complexidade do processo. “Mantenha-se em mente que os autos são compostos por 186 volumes, tendo ainda apensos nove procedimentos cautelares de arresto; que a acusação deduzida pelo Ministério Público tem 3.654 páginas, versando uma multiplicidade de factos de grande complexidade, quer atento o seu volume, quer atenta a matéria que deles emerge”, escreve o magistrado colocado no conhecido Ticão a 5 de setembro. “O mesmo acontecendo, mutatis mutandis, com os diversos requerimentos de abertura de instrução deduzidos nos autos”.

Assumindo assim que “não se mostra possível realizar a análise integral dos autos no espaço de tempo que medeia entre a mencionada tomada de posse e a data de realização das diligências atrás indicadas, importa, por ora, diligenciar pela continuação da tramitação dos autos, mantendo-se as aludidas diligências”, concluiu o magistrado.

Mesmo perante esta tomada de posição do magistrado, o CSM insiste em manter o prazo de um processo cuja acusação do Ministério Público só viu a luz do dia em 2020, seis anos depois da falência do BES.

O processo BES/GES conta com 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), num total de 361 crimes. Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

A figura central desta investigação é Ricardo Salgado, ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), acusado de 65 crimes: associação criminosa (um), burla qualificada (29), corrupção ativa (12), branqueamento de capitais (sete), falsificação de documento (nove), infidelidade (cinco) e manipulação de mercado (dois).

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