Empresários negam tese de preços especulativos de “Centeno, o político”
Governador do BdP alega que preços estão a subir “além do que se poderia esperar face às pressões inflacionistas vindas da oferta”. Empresários refutam e garantem “compressão” das margens de lucro.
Os empresários portugueses não gostaram nada de ler as recentes declarações do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, a alegar a possibilidade de estar a existir neste momento uma estratégia especulativa nos preços por parte das empresas – e a apontar que esse é um dos fatores que poderá explicar parcialmente o acelerar da inflação em Portugal.
Rui Miguel Nabeiro, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), defende, em declarações ao ECO, que “ainda que possam existir casos de especulação em relação aos preços praticados que devem, naturalmente, ser fiscalizados e impedidos, não é aconselhável fomentar generalizações”, como fez o governador.
“A prioridade deve ser promover um bom ambiente de negócios e combater de forma efetiva esta crise inflacionária que tanto prejudica empresas, cidadãos e a economia nacional”, acrescenta o também presidente executivo do Grupo Nabeiro – Delta Cafés, considerado recentemente o gestor mais reputado do país, e que lidera a CCIP desde março de 2022.
Ainda que possam existir casos de especulação em relação aos preços praticados que devem, naturalmente, ser fiscalizados e impedidos, não é aconselhável fomentar generalizações.
O que disse, afinal, Mário Centeno, na mesma entrevista ao Público em que saiu em defesa do Banco Central Europeu na subida das taxas de juro, contrariando António Costa com o argumento de que há uma “pressão sobre o lado da procura muito visível”? “Temos visto uma subida de preços na generalidade dos bens e serviços do índice de preços no consumidor (IPC) e, em muitos casos, para além daquilo que se poderia esperar face ao que são as pressões inflacionistas vindas da oferta”, referiu o governador.
Fonte: INE e ECO. Dados de 2022 até setembro
Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) responde com números. Os dados do INE mostram que a subida de preços no produtor – tomando como base a variação homóloga do Índice de Preços na Produção Industrial (IPPI) – é muito superior à do consumidor (variação do IPC), o que “significa que as empresas não estão a refletir tais subidas no preço final dos bens”. “Esta compressão que está a ocorrer na margem da atividade empresarial está, assim, a atuar como um travão e a evitar que os preços no consumidor sejam ainda maiores”.
O porta-voz dos empresários nortenhos dá como exemplo o caso do IPPI para o setor da indústria alimentar (CAE 10), em que a inflação em setembro foi de 35,1%, muito acima da variação do IPC para a classe dos “produtos alimentares e bebidas não alcoólicas” (16,4%), o que diz traduzir uma redução das margens na alimentação, a mais sentida pelos portugueses quando vão às compras. “Perante estes números, não nos parece que exista uma estratégia especulativa nos preços por parte das empresas”, remata Luís Miguel Ribeiro.
As empresas não estão a refletir as subidas [de preços no produtor] no preço final dos bens. A compressão que está a ocorrer na margem da atividade empresarial está a atuar como um travão e a evitar que os preços no consumidor sejam ainda maiores.
O ECO contactou os dois maiores grupos de retalho alimentar em Portugal, a Sonae MC (dona do Continente) e a Jerónimo Martins (Pingo Doce), que recusaram fazer comentários e remeteram uma reação para a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). No entanto, o diretor-geral, Gonçalo Lobo Xavier, representante dos interesses dos supermercados, optou por não se pronunciar especificamente sobre estas críticas de Centeno. Também a Apritel – Associação dos Operadores de Telecomunicações, não quis responder à questão.
De acordo com os dados mais recentes disponibilizados pela consultora Nielsen, no período entre 12 de setembro a 9 de outubro, os bens de grande consumo apresentaram um crescimento de 12,4% em relação ao período homólogo, num total de 8.899 milhões de euros, com destaque para o aumento dos gastos com alimentação (+15,7%) e na categoria de higiene pessoal (+8,2%). No mês passado, as marcas da distribuição subiram as vendas a um ritmo muito superior ao das marcas de fabricante (22,4% vs. 6,5%, respetivamente).
E a distribuição avisa que “os preços ainda têm espaço para aumentar porque o aumento dos custos dos fatores de produção não acabou e está longe de acabar”. Em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1, o diretor-geral da APED sinalizou que, “enquanto não conseguirmos resolver a questão energética, a cadeia de valor continuará pressionada”. Ainda assim, Lobo Xavier reitera as subidas não estão a ser passadas “na mesma proporção” para os consumidores.
O retalho é precisamente o setor que mais está a recuar na criação de novas empresas em Portugal em 2022, assim como aquele em que se verifica o maior número de fecho de empresas, desde o início do ano. Até 31 de outubro registou uma quebra de 10% na criação de novas empresas, face ao período homólogo, bem como um aumento de 7,7% nos encerramentos, segundo o barómetro da Informa D&B.
“Conservadorismo” nos preços
Para Ricardo Costa, presidente da Associação Empresarial do Minho, a subida generalizada dos preços de bens e serviços é apenas “uma consequência natural do funcionamento do mercado”. É que as empresas hoje não têm apenas matérias-primas mais caras, mas igualmente “custos de operação muito mais elevados, como consequência de fatores estruturais como o aumento da energia”. “Não vemos indicadores especulativos no aumento dos preços, mas sim uma consequência combinada da escassez de produto e do aumento dos custos de produção”, contraria.
Não vemos indicadores especulativos no aumento dos preços, mas sim uma consequência combinada da escassez de produto e do aumento dos custos de produção.
Tal como fez com o Estado nos salários, o governador do BdP pediu contenção às empresas “para [refletirem] nos preços um grau de conservadorismo que permitisse, de facto, a inversão deste ciclo de inflação”. “Porque há efeitos de contágio de segunda ordem crescentes. Aliás, o crescimento da receita do IRC este ano, que atinge valores acima de 50% ou 60% face a 2021, não é mais do que o reflexo daquilo que é a evolução económica e financeira das empresas em Portugal. Isso deve-nos deixar por um lado otimistas, por outro, vigilantes”, atirou Centeno.
Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares, ficou surpreendido por ver “um economista da craveira de Mário Centeno advogar medidas microeconómicas para baixar a inflação”. “Pedir às empresas para ter menos lucros para baixar a inflação não resolve a sua causa base, que é uma massa monetária maior que a capacidade da sua absorção pela economia. E revela desconhecimento sobre o funcionamento das empresas. A inflação só se resolve com medidas macroeconómicas, com subidas de taxas de juro”, declara.
Parece-me que era mais o Mário Centeno, o político, a enviar um aviso à navegação, sobretudo ao setor da energia: ou absorvem os aumentos dos preços, ou vamos responsabilizá-los pela inflação.
O porta-voz das empresas familiares portuguesas – estima-se que representem 70% a 80% do tecido empresarial, que contribuam para 65% do PIB e para 50% do emprego em Portugal – contrapõe ainda que lhe pareceu “mais o Mário Centeno, o político, a enviar um aviso à navegação, sobretudo ao setor da energia: ‘ou absorvem os aumentos dos preços ou vamos responsabilizá-los pela inflação’”, sustenta Peter Villax, que é CEO da Mediceus e chairman da Bionova Capital. Contactado pelo ECO, o BdP recusou prestar esclarecimentos adicionais.
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