Exclusivo O erro de Barroso e Constâncio que “podia ter custado caro”

Barroso era presidente da Comissão Europeia, Constâncio vice-governador do BCE, e ambos acreditaram em Sócrates e na aprovação do PEC IV, revela Carlos Costa no livro "O Governador".

Portugal assinou dois memorandos de entendimento no dia 17 de maio de 2011, para aceder a um resgate financeiro da troika de 78 mil milhões de euros, passaram, portanto, mais de 11 anos, mas o livro “O Governador”, da autoria do jornalista Luís Rosa, sobre os dois mandatos de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal tem novos dados sobre os bastidores das negociações que levaram Portugal àquele dia. E um deles é o erro de avaliação da Comissão Europeia e do BCE, e dos dois portugueses com posições de relevo nessas duas instituições. “Um erro que nos podia ter custado caro dado que poderia ter esgotado o tempo de que dispúnhamos para acionar um pedido de resgate“, escreve o antigo governador, em discurso direto, num dos capítulos do livro a que o ECO teve acesso.

Carlos Costa revela, pela primeira vez, que o Banco de Portugal foi posto de lado pelas instituições europeias que integravam a troika — a posição do FMI e de Dominique Strauss-Khan foi outra, mas já lá vamos — até ao pedido de resgate. E o antigo governador tem uma explicação para isso. “Na fase que precedeu o início das negociações formais do programa de assistência financeira, o Banco de Portugal foi em grande medida ignorado pelas instituições europeias (…) Tanto a Comissão Europeia, como o BCE não nos consultaram com a frequência e a intensidade que seria de esperar — muito embora o BCE me tivesse consultado, logo depois da minha tomada de posse, sobre a carta que o presidente Jean-Claude Trichet endereçou ao primeiro-ministro José Sócrates, a exemplo do que tinha feito com os primeiros-ministros de Itália e de Espanha”, escreve Carlos Costa.

Quais eram as razões que levaram à subalternização do Banco de Portugal? Carlos Costa refere que “o facto de o vice-presidente do BCE ser um português [Vítor Constâncio] com acesso direto ao primeiro-ministro e o facto de se tratar de uma personalidade que, ao longo do tempo, se tinha perfilado como um mentor da política económica portuguesa, expunha o ministro das Finanças [Teixeira dos Santos] e o governador do Banco de Portugal a um risco de subalternização“.

José Sócrates, à data, em 2010 e 2011, reclamava ter o apoio das instituições europeias, e Carlos Costa admite que tal fosse verdadeiro. E cita, para isso, um telefonema de Jean-Claude Trichet, o governador do BCE, depois do chumbo do PEC IV e do Conselho Europeu em que Sócrates comunica que não consegue assegurar a sua aprovação. No final desse telefonema, pouco usual, refere Carlos Costa, “fiquei com a convicção de que o presidente Trichet não só tinha apostado todas as fichas na aprovação do PEC 4 como também com a convicção de que o primeiro-ministro tinha junto dele uma grande credibilidade. Admito como muito plausível que a aposta de Trichet refletisse um provável, diria natural, resultado de um pedido de conselhos ao dr. Vítor Constâncio, na qualidade de vice-presidente do BCE”.

Considero que houve um erro de diagnóstico não só por parte do BCE, como por parte da Comissão Europeia. Um erro que nos podia ter custado caro dado que poderia ter esgotado o tempo de que dispúnhamos para acionar um pedido de resgate. E, dadas as vicissitudes políticas daquela época, não é de afastar que o triângulo Durão Barroso, Vítor Constâncio e José Sócrates tenha admitido que era possível evitar o resgate ou, pelo menos, que era possível ter um programa diferente dos anteriores, não envolvendo o FMI“, escreve Carlos Costa no livro “O Governador”, do jornalista Luís Rosa.

Com estes erros de avaliação, um pedido de resgate que deveria ter sido feito no final de 2010 ou início de 2011 acabou por ser efetivado no início de abril. Um risco enorme para Portugal, considera Carlos Costa, porque qualquer problema associado às negociações do plano de resgate poderia pôr em causa o reembolso de dívida e atirar a República para um incumprimento de pagamentos.

O papel de DSK

Dominique Strauss-Khan (DSK) era diretor-geral do FMI e, na avaliação de Carlos Costa, “foi um elemento crucial na gestão da grande crise financeira, em particular na União Europeia. Ele influenciou, de forma determinante, o pensamento dos ministros das Finanças no seio do Eurogrupo”. E tinha ascendente sobre Angela Merkel, do Governo de França (DSK é francês) e sobre a Comissão Europeia. Mas a sua autoridade dentro do próprio FMI era tal que lhe permitia aprovar acordos de assistência com os países mesmo antes de os levar ao ‘board’ do Fundo.

Se as negociações não estivessem substancialmente fechadas, não sei como nem quando as teríamos fechado, dada a situação de menor definição que naturalmente se instalou ao nível das instâncias de direção do FMI. Isto é, se as negociações não estivessem fechadas, teríamos corrido o risco de não conseguir cumprir o calendário de reembolso da dívida vincenda”

DSK caiu em maio de 2011. “Foi preso em Nova Iorque a 14 de maio desse ano por suspeitas de assédio sexual de uma empregada do Hotel Sofitel chamada Nafissatou Diallo, tendo apresentado a sua demissão e retirado a sua candidatura às presiden- ciais francesas de 2012”, refere Luís Rosa em nota de rodapé ao livro.

Esta capacidade de DSK de diagnóstico e de resposta aos problemas, de negociação e de validação dos detalhes do programa de ajustamento, foi a grande vantagem de que beneficiou a negociação do programa de assistência ao nosso país. Quando Strauss-Khan saiu [a 18 de maio de 2011], já estava tudo substancialmente fechado com Portugal. Se as negociações não estivessem substancialmente fechadas, não sei como nem quando as teríamos fechado, dada a situação de menor definição que naturalmente se instalou ao nível das instâncias de direção do FMI. Isto é, se as negociações não estivessem fechadas, teríamos corrido o risco de não conseguir cumprir o calendário de reembolso da dívida vincenda“, admite Carlos Costa.

O FMI, como é referido no livro, ocupou sempre o “lugar do condutor” no processo negocial com o Portugal, e foi precisamente a definição do envelope financeiro de assistência do Fundo — 26 mil milhões de euros — que Portugal acabou por ter um programa de 78 mil milhões de euros, quando se falava inicialmente em 90 a 95 mil milhões de euros. “Foi o FMI quem se apresentou mais equipado para fazer o diagnóstico e para elaborar o programa de assistência económica e financeira. Tinha já feito o diagnóstico e tinha a experiência de resgate de sistemas financeiros, experiência que faltava nas instituições europeias (…) Do lado europeu, o diálogo inicial sobre a estabilização do sistema bancário foi conduzido pelo BCE, através do John Fell [hoje diretor-geral adjunto para a Política Macroprudencial e Estabilidade Financeira], que teve um papel de porta-voz europeu no seio da troika. De facto, como a Comissão Europeia esteve silenciosa ou pouco interventiva neste ponto específico, o diálogo inicial foi travado com os representantes do FMI e John Fell, do BCE“.

Um apoio à irlandesa ou espanhola?

O FMI comunicou que disponibilizava 26 mil milhões, o que, por aplicação do princípio de paridade entre as três instituições, implicava que o programa não poderia contar com mais de 78 mil milhões de euros“, escreve Carlos Costa. Este teto tinha várias consequências, uma das quais relacionada com a ajuda à banca. “O montante previsto no programa de assistência financeira para a capitalização dos bancos nacionais não resultou, contrariamente ao que se pode pensar, de um cálculo prévio das suas necessidades de capital adicional“. Assim, acrescenta o antigo governador, “a opção por um modelo à irlandesa ou à espanhola, requereria um montante muito superior e disponibilizado à cabeça, montante que não seria possível encaixar dentro do envelope financeiro disponibilizado“. Mas Carlos Costa refere também que se esse modelo tivesse sido seguido, o Estado acabaria por se tornar principal acionista dos bancos intervencionados, ou seja, uma reversão das privatizações, além do impacto na dívida pública.

Carlos Costa deixa, ainda assim, uma suspeita no ar em relação a JohnFell [hoje diretor-geral adjunto para a Política Macroprudencial e Estabilidade Financeira]. Aquele responsável do BCE defendeu a adoção do modelo irlandês e o envolvimento do fundo norte-americano Blackrock. “Considerei inaceitável a proposta de adoção do modelo irlandês porque não era conciliável com o montante disponível para o programa de estabilização do sistema bancário (…) O que torna legítimo que eu me questione se não haveria naquele momento investidores internacionais à espreita da aquisição, com elevado desconto, de instituições bancárias portuguesas”, refere o antigo governador.

O livro “O Governador” será apresentado esta terça-feira em Lisboa, a partir das 17h30 na Fundação Gulbenkian, com Luís Marques Mendes e Francisco Assis.

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