Presidente do STJ: “O debate político sobre Justiça saiu de cena há vários anos”

O juiz conselheiro Henrique Araújo mostrou-se cético no que toca à importância que o poder político tem dado à Justiça e apela a "um debate político da Justiça sem preconceitos".

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça sublinhou, na cerimónia de abertura do ano Judicial, que olhando para “as propostas de revisão constitucional das várias forças políticas com assento parlamentar, estou convicto de que nada de estrutural mudará no que respeita à organização dos tribunais”. Apontando as setas para o poder executivo e legislativo (Governo e Parlamento), afirma, sem rodeios, que “incompreensivelmente, o debate político sobre a Justiça saiu de cena há vários anos”.

Apesar de assumir que “nos tempos que correm, a economia condiciona, subjuga ou até anula todas as outras áreas da política, não deixa de ser verdade que temas políticos de segunda linha se sobrepõem a uma agenda para a Justiça, relegando esta para um plano bem secundário”, defendeu o juiz conselheiro Henrique Araújo. Mas, ainda assim, não deixou de apelar para a “necessidade de que seja relançado o debate político sobre o futuro da nossa Justiça, sem preconceitos, corporativismos ou condicionantes político-eleitorais”.

A presença da nova bastonária da Ordem dos Advogados na abertura do ano judicial e um protesto dos funcionários judiciais à porta do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) assinalam a tradicional cerimónia da área da Justiça.

A cerimónia foi marcada para as 15h00 de terça-feira, hora a que decorreram plenários convocados pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) diante das instalações onde prestam serviço e uma greve do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), convocada a partir das 13h00 e até às 24h00, e que se prolonga por tempo indeterminado, no mesmo período, todos os dias, até haver resposta do governo às reivindicações sindicais

“Na discussão sobre o estado da Justiça há duas posições praticamente antagónicas. Há quem considere, por convicção ou por conveniente pragmatismo, que está quase tudo bem e que bastariam algumas intervenções pontuais para o sistema judicial funcionar melhor. E há quem defenda, como eu, que é necessária uma reforma de fundo, com implicações ao nível da própria alteração do modelo de organização judiciária desenhado no texto constitucional. Pelos sinais que chegam, não creio que este último entendimento possa fazer caminho nos próximos tempos”, alertou o presidente do STJ.

Relembrando ainda as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, proferidas a 22 de dezembro, em que o Chefe de Estado defendia que “não podemos, por causa das crises que temos atravessado, esquecer a Justiça”, o magistrado, pedindo permissão para acrescentar palavras à reflexão do Chefe de Estado, disse: “não há segurança sem Justiça. Não há ordem nem paz social sem Justiça. Não há liberdade sem Justiça Não há democracia sem Justiça”.

Mas num ponto, o juiz Conselheiro surpreendeu ao defender a criação de condições “para maior transparência e escrutínio da atividade dos tribunais”. Prometendo para um futuro próximo a centralização de toda a informação dos tribunais da primeira instância, para divulgação de todas as decisões, “cumprindo-se assim uma etapa fundamental no sentido de uma maior transparência e mais alargado escrutínio da atividade jurisdicional”.

E reclama ainda “a urgente resolução do problema da detenção e domínio da plataforma digital de gestão e tramitação eletrónica dos processos. Essa plataforma continua a ser detida pelo Ministério da Justiça, situação que conflitua, flagrantemente, com o princípio da separação de poderes, devendo o seu domínio passar para as mãos do Conselho Superior da Magistratura”.

A abertura do ano judicial surge também num momento em que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) alertam para uma série de estrangulamentos, dificuldades e falta de condições de trabalho nos tribunais e apelam ao governo para que adote medidas e reformas urgentes.

Para o presidente da ASJP Manuel Soares estão em causa questões como os tribunais administrativos e fiscais, os processos-crimes complexos de criminalidade económico-financeira, o custo do acesso à Justiça e as arbitragens.

A abertura do ano judicial, que se realiza no STJ, em Lisboa, conta com as intervenções do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do presidente do STJ, Henrique Araújo, da procuradora-geral da República, Lucília Gago, e da bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro.

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