Empresas do Douro querem “libertar” mão do Estado na região de vinhos
Vinhos do Porto e Douro renderam 606 milhões de euros em 2022, com as exportações a perderem fulgor com o travão britânico. Empresários querem alterar quadro institucional e regras para travar perdas.
Depois de mais um ano de quebra nas vendas de vinho do Porto (-1,5%), ainda que tenha sido compensada pela subida de 8,3% nos vinhos do Douro, mantendo o volume de negócios na região em torno dos 606 milhões de euros em 2022, as maiores empresas do setor dramatizam o apelo ao Governo para que altera o figurino jurídico do IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto), para transformar este instituto público numa comissão de viticultura, como acontece noutras regiões portuguesas, ou numa entidade privada com fins públicos.
“É absolutamente claro que o atual estatuto de instituto público do IVDP não responde às exigências de flexibilidade, de capacidade de resposta e de especialização nas suas áreas base de competência – regulamentação, proteção e defesa das Denominações de Origem da Região Demarcada do Douro. (…) O seu orçamento é exclusivamente pago por todos nós. Necessitamos da sua autonomia financeira, para que ele nos possa acompanhar nos desafios que existem e que irão certamente agravar-se”, sublinha a Associação da Empresas de Vinho do Porto (AEVP).
Com um quadro de pessoal limitado a 65% (119 funcionários para um quadro previsto de 159) por impossibilidade de contratação, e depois de mais um ano em que cumpriu apenas 50% do plano de promoção destes vinhos por não ter tido autorizações de despesa do Ministério das Finanças, por força das cativações e da impossibilidade de transitar para o ano seguinte os saldos não executados, o IVDP acumula um saldo de 12,5 milhões de euros – e só não é superior porque durante a pandemia foram gastos cinco milhões para a chamada “reserva qualitativa” –, que os empresários da região dizem que “correspondem à negação de serviços prestados em dez anos”.
É que essas verbas são provenientes das taxas obrigatórias que recaem sobre as vendas de vinho do Porto e acabam por não ser aplicadas no setor. “O IVDP não funciona e isto não é aceitável. Percebia-se se esse dinheiro viesse do Estado, mas vem exclusivamente da operação do vinho do Porto”, desabafou o atual presidente da AEVP, António Filipe, durante um encontro com jornalistas na sede da instituição, em Vila Nova de Gaia. E nem a derrota num processo judicial foi suficiente para mudar a postura do Estado central.
O Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) não funciona e isto não é aceitável. Percebiam-se as cativações se esse dinheiro viesse do Estado, mas vem exclusivamente da operação do vinho do Porto.
Em 2012, o então secretário de Estado, Daniel Campelo, deu ordens para usar o saldo de gerência do IVDP para liquidar salários em atraso na Casa do Douro, o que levou estas empresas a avançar com uma ação na Justiça em que argumentavam que o pagamento das taxas tem como pressuposto um serviço. Quase dez anos depois, em dezembro de 2021, o Tribunal Administrativo do Porto obrigou o Estado a repor os 430 mil euros por aplicação indevida de fundos, referindo na sentença que as taxas não devem estar sujeitas a cativações. O Estado não recorreu, o dinheiro foi transferido para o IVDP, mas… ficou também congelado, engrossando este saldo.
Ora, para tentar contornar parcialmente este bloqueio, a AEVP pediu para aderir ViniPortugal, a entidade dedicada à promoção externa do vinho português e que gere a marca Wines of Portugal. Na prática, parte das taxas do vinho do Porto passariam para esta entidade – como já acontece com as taxas do DOC Douro, o que permite a vinhos desta categoria entrar nas ações internacionais –, baixando dessa forma o custo de participação dos Portos nas iniciativas conjuntas que o organismo liderado por Frederico Falcão organiza em vários países. No entanto, um ano depois de formalizado esse pedido de adesão, a única resposta (informal) foi um convite para ficar como “membro observador”, o que é explicado pela AEVP com resistências internas por parte dos membros fundadores.
Do défice nas compras britânicas aos excedentes na vinha
Mais certa é a participação da AEVP, que tem 21 associados que representam 60% das vendas de vinhos e 20% da área de vinha da Região Demarcada do Douro, no consórcio Vine & Wine Portugal – Driving Sustainable Growth Through Smart Innovation, que foi um dos projetos aprovados nas Agendas Mobilizadoras, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Um investimento de 77,5 milhões de euros que prevê a criação de uma rede de conhecimento, investimento e promoção dos vinhos portugueses. A cargo da AEVP está uma verba inédita de cinco milhões de euros, a dividir por 2023, 2024 e 2025, para organizar em três cidades americanas (Nova Iorque, Chicago e São Francisco) uma semana por ano de ações “dedicadas a gerar buzz em torno do vinho do Porto”.
A Região Demarcada do Douro representa 44% do valor total das exportações portuguesas de vinhos. Ainda assim, no ano passado, o peso das vendas ao exterior no total de receitas dos vinhos do Porto e do Douro baixou de 403 milhões de euros em 2021 para 381 milhões de euros em 2022. As principais quebras aconteceram no Reino Unido (-22%), na Bélgica (-13%) e nos EUA (-7%). E no caso britânico ainda não tem o efeito o agravamento fiscal sobre o álcool que “pode tornar a vida mais difícil” em 2023, admitiu António Filipe. Ao invés, as maiores subidas aconteceram em Portugal (+22%), à boleia do regresso do turismo pós-Covid, em Espanha (+5%) e França (+2%).
Neste encontro com a imprensa, em que colocou como metas chegar a 2024 com vendas de 610 milhões de euros e ao final da década com 800 milhões de euros, o porta-voz da Associação das Empresas de Vinho do Porto, que representa igualmente o negócio dos vinhos de mesa durienses, defendeu ainda uma alteração do quadro regulamentar do setor, lembrando que “foi em grande parte instituído num tempo em que a Denominação de Origem Douro não tinha qualquer expressão, sendo muitas vezes tratada como um subproduto da região, o que hoje não podia estar mais longe da verdade”.
Preocupados com os excedentes na oferta do DOC Douro, entre as medidas defendidas pelas grandes empresas do Douro destacam-se a “revisitação” do Método Moreira da Fonseca de classificação das vinhas na região, inalterado desde os anos 1960; e a redução do atual limite máximo de 55 hectolitros (hl) por hectare previsto na lei, contabilizando que a produtividade média nos últimos dez anos, analisada por sub-região, variou entre 21,80 hl e os 35,88 hl por hectare.
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