Parlamento aprova alterações à lei do trabalho. Saiba o que muda
A Agenda de Trabalho Digno foi aprovada esta sexta-feira. O documento altera e introduz mais de 150 normas e deve entrar em vigor em abril. Conheça as principais alterações à lei laboral.
Chegou esta sexta-feira ao fim o debate de dois anos sobre a Agenda de Trabalho Digno. Depois de mais de 300 propostas de alteração apresentadas pelos partidos, diversos avanços e recuos e difíceis consensos, o documento final que altera e introduz mais de 150 normas da lei do trabalho está finalmente pronto. As alterações ao Código de Trabalho foram aprovadas em votação final global esta sexta-feira na Assembleia da República.
Despedir será mais caro, o valor do trabalho suplementar (que acresce ao salário) vai duplicar a partir das 100 horas anuais, o outsourcing será proibido após rescisão de contrato e o trabalho nas plataformas passa a ser regulado. Em matéria de teletrabalho e família, espera-se a isenção fiscal dos gastos com teletrabalho, o aumento da licença parental do pai e o alargamento do direito a teletrabalho a progenitores com filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica.
As normas deverão entrar em vigor no primeiro dia útil de abril, ou seja, dia 3, mas tudo dependerá da data e promulgação pelo Presidente da República e da sua posterior publicação em Diário da República (DR). Conheça as principais alterações à lei laboral:
Plataformas digitais
O Artigo 12.º-A foi um dos mais controversos de toda a negociação. Trata-se de uma adenda ao Código do Trabalho que vem definir novas regras laborais no domínio das plataformas digitais (como, por exemplo, a Uber ou a Glovo).
Em linhas gerais, o diploma define seis características que podem levar a que um tribunal determine quem deve ser considerado o patrão de um motorista ou estafeta, caso se verifique a ocorrência de, pelo menos, uma dessas seis – por exemplo, nos casos em que é a própria plataforma que fixa a retribuição pelo trabalho efetuado ou define limites máximos e mínimos à mesma.
Depois de avanços e recuos nas negociações entre os partidos, no final, o artigo dá primazia a que o reconhecimento da existência de contrato de trabalho ocorra com a própria plataforma, ao contrário do que acontece atualmente no setor dos “Ubers”, em que os motoristas prestam serviços através de um intermediário. Cabe à plataforma demonstrar que não deve ser considerada o empregador nos casos em que pretenda contestar essa presunção.
Contratos de teletrabalho passam a fixar valor para despesas. Governo define valor de isenção fiscal
“O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho devem fixar na celebração do acordo para prestação de teletrabalho o valor da compensação devida ao trabalhador pelas despesas adicionais“, lê-se no documento final.
Já o Governo deve definir o valor até ao qual a compensação que as empresas têm de pagar pelas despesas adicionais com teletrabalho ficam isentas de imposto. A compensação pelo acréscimo das despesas com teletrabalho é considerada, para efeitos fiscais, “custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalhador até ao limite do valor definido por portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas dos assuntos fiscais e segurança social.”
O pagamento de despesas adicionais com teletrabalho fica, assim, isento de IRS e de Taxa Social Única (TSU) até um montante máximo, tal como acontece já com o subsídio de alimentação, que tem um teto diário de 5,20 euros, se for pago por transferência bancária, ou de 8,32 euros, se for pago em cartão de refeição.
Trabalhadores com filhos com deficiência ou doença crónica podem fazer teletrabalho
Os trabalhadores com filhos que possuam algum tipo de deficiência, doença crónica ou doença oncológica, independentemente da idade, passam a ter direito a exercer a atividade profissional em regime de teletrabalho, sempre que seja compatível com a função que desempenham e o empregador disponha de recursos e meios para o efeito.
Cuidadores informais com direito a trabalhar em tempo parcial
Os cuidadores informais passarão a ter direito a requerer o regime de trabalho a tempo parcial, que “corresponde a um período normal de trabalho diário igual a metade do praticado a tempo completo em situação comparável”. Estes trabalhadores poderão usufruir do trabalhado parcial durante um “período máximo de quatro anos”, em regime de horário de trabalho flexível” e “não é obrigado a prestar trabalho suplementar”.
Ainda neste âmbito, foi criada uma licença anual não remunerada de cinco dias consecutivos, que tem, contudo, de ser comunicada ao empregador com dez dias de antecedência, com indicação das datas em que pretende gozá-la.
Alargamento da licença parental do pai
A licença parental obrigatória do pai será aumentada dos atuais 20 dias úteis para 28. Assim, o pai vê-se efetivamente obrigado pela lei a gozar a licença de 28 dias, “seguidos ou em períodos de no mínimo sete dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento”. Destes 28 dias, sete devem ser gozados de modo consecutivo logo após o nascimento.
Depois de usufruir dos 28 dias, “o pai tem ainda direito a sete dias de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe”. Na legislação anterior, os pais tinham apenas direito a cinco dias úteis.
Mas não fica por aqui: se o recém-nascido for internado durante o período após o parto, a licença obrigatória pode ser suspensa, “a pedido do pai, pelo tempo de duração do internamento”.
Alargamento da dispensa devido a processos de adoção e acolhimento
Os direitos de quem quiser adotar ou ser família de acolhimento aumentam com a nova legislação. Os trabalhadores deixarão de ter um limite de dispensas laborais para dar resposta ao processo de adoção e acolhimento familiar. Na legislação anterior, lia-se que havia direito a “três dispensas de trabalho para deslocação aos serviços da segurança social ou receção dos técnicos” no domicílio.
Agora, os candidatos a adotante terão direito a “dispensas de trabalho para realização de avaliação ou para cumprimento das obrigações e procedimentos previstos na lei para os respetivos processos” sem limite. Continua a ser necessária a apresentação de justificação ao empregador.
Além disto, podem ainda “gozar até 30 dias da licença parental inicial no período de transição e acompanhamento” e têm também direito a licenças para assistência ao filho.
Criação da licença por luto gestacional
Foi aprovada a proposta que prevê a atribuição de três dias consecutivos de luto pela perda de um filho ainda em fase de gestação. Ambos os pais terão direito aos dias de luto, não existindo perda de qualquer direito ou corte salarial. Os pais terão de apresentar ao empregador uma prova da morte do filho durante a gestação (através de uma declaração do hospital ou centro de saúde, ou ainda atestado médico).
Alargamento das licenças por falecimento
Com a nova legislação definiu-se um alargamento do dia de faltas pelo falecimento do cônjuge, filho e enteado. Assim, esta licença por falecimento passa de cinco para 20 dias consecutivos. Já no caso do falecimento de outros parentes ou afins no 1.º grau na linha reta, haverá um alargamento da licença a até cinco dias consecutivos.
Contratos de trabalho temporário com limite de quatro renovações
O documento hoje votado em plenário reduz para quatro o número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário, fixado atualmente em seis. Assim, “converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, o contrato de trabalho temporário que exceda o limite referido”, pode ler-se.
Empresas proibidas de recorrer a outsourcing durante um ano após o despedimento
Além do limite de quatro renovações, as empresas que cessem contrato com o trabalhador temporário (por motivo que não lhe possa ser imputado) estão impedidas de recorrer ao outsourcing, para externalizar serviços, para o mesmo posto ou para a mesma atividade profissional, sem que tenha decorrido, pelo menos, um terço da duração do contrato, incluindo renovações. A regra aplica-se não só ao empregador, mas também a todas as empresas do mesmo grupo.
Além disso, fica ainda estabelecido que “o empregador deve comunicar à entidade com competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com a antecedência mínima de cinco dias úteis a contar da data do aviso prévio, o motivo da não renovação de contrato de trabalho a termo sempre que estiver em causa uma trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou um trabalhador no gozo de licença parental, bem como no caso de trabalhador cuidador”.
Compensação por despedimento coletivo aumenta
Em caso de despedimento coletivo, o empregador deve comunicar, por escrito, essa intenção a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos. O trabalhador, por sua vez, passa a ter direito a uma compensação correspondente a 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade. Atualmente, se confrontados com esta situação, os profissionais têm direito a 12 dias de retribuição base e diuturnidade.
“O empregador é responsável pelo pagamento da totalidade da compensação, sem prejuízo do direito do trabalho a acionar o fundo de garantia de compensação do trabalho, nos termos previstos em legislação prevista”, refere o documento submetido.
Contratação coletiva trará mais benefícios para as empresas
O Estado decidiu incentivar a contratação coletiva, enquadrando-a “no âmbito das suas políticas específicas”. Assim, as empresas que o façam, serão privilegiadas “no quadro do acesso a apoios ou financiamentos públicos”, onde se incluem fundos europeus, contratação pública e incentivos fiscais. O objetivo da lei é promover este tipo de contratação que garante uma negociação entre empregadores e representantes dos trabalhadores no que toca a condições específicas do trabalho a aplicar à empresa ou ao setor.
Período experimental reduzido
O período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e para desempregados de longa duração, atualmente de 180 dias, deverá ser reduzido ou até mesmo excluído, caso a duração do anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com um empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias.
Nos casos de períodos experimentais iguais ou superiores a 120 dias, o empregador é obrigado a comunicar ao trabalhador a denúncia de contrato com um aviso prévio de 30 dias.
Valor das horas extra aumenta a partir das 100 horas anuais
O trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passa a ser pago com os seguintes acréscimos: “50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil” e “100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado“, estabelece a proposta. Atualmente, o valor das horas extra está fixado em 25%, 37,5% e 50%, respetivamente.
Estagiários não podem receber menos do que o Salário Mínimo Nacional
No caso dos estágios extracurriculares determina-se que um estagiário não pode receber um valor inferior ao Salário Mínimo Nacional (SMN), que é de 760 euros em 2023. Atualmente, a lei estabelece que um estagiário pode ganhar como valor mínimo o Indexante de Apoios Sociais, ou seja, 480 euros.
Os estagiários passam, assim, a ter um enquadramento na Segurança Social equiparado a um contrato de trabalho por conta de outrem. A entidade promotora do estágio fica, desta forma, também obrigada a contratar um seguro de acidentes de trabalho.
Novo contrato de trabalho com estudantes em período de férias
Está ainda previsto um novo tipo de contrato de trabalho destinado a estudantes em período de férias escolares ou em interrupção letiva. Este não está sujeito a forma escrita. Ainda assim, “o empregador deve comunicar a celebração do contrato ao serviço competente da Segurança Social, mediante formulário eletrónico que deve satisfazer todas as exigências de comunicação previstas noutras disposições legais, assegurando aquele serviço a interconexão de dados com outros serviços que se mostre necessária”.
Trabalhadores não podem renunciar a créditos (subsídios, horas suplementares e formações) no fim do contrato
Em caso de fim de contrato ou despedimento, os trabalhadores não vão poder abdicar dos créditos devidos pelo empregador – ou seja, subsídio de férias e/ou natal e de formação e horas suplementares. Estas chamadas “remissões abdicativas” terão de ser tidas em consideração no cálculo das compensações por fim de contrato e não podem ser renunciadas (o que chegava a acontecer por pressão dos empregadores).
Na nova legislação pode ler-se que “os créditos de trabalhador (…) não são suscetíveis de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial”, ou seja, mediante acordo em tribunal.
SNS24 vai passar baixas até três dias
As baixas por doença podem agora ser passadas pelo serviço digital do Serviço Nacional de Saúde (o SNS24), “mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra”. Na legislação lê-se que só pode ser emitida se a situação de doença não ultrapassar os três dias consecutivos, estando limitada a duas vezes por ano.
(Notícia atualizada às 13h55 com aprovação final da Agenda do Trabalho Digno)
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