Hotelaria diz ser dos setores que mais tem vindo a subir salários
Presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP) considera que é preciso valorizar as profissões e tornar a hotelaria mais "sexy". Época alta vai medir falta de mão-de-obra.
A hotelaria foi dos setores que mais aumentou salários nos últimos anos, com subidas médias entre 15% e 20% em 2022 e 5% este ano, disse à Lusa o presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP). “Os recursos humanos foram um tema extremamente crítico em 2022. Por isso, começou-se a valorizar mais [o trabalho] ao nível de pagamentos e isso foi muito importante”, disse Fernando Garrido. O presidente da ADHP falava em entrevista à Lusa antecipando o 19.º congresso da organização, marcado para 30 e 31 de março, em Albufeira, e durante o qual os problemas de mão de obra e os salários no setor serão temas em debate.
Numa lógica de lei da oferta e da procura – dado que a falta de mão-de-obra foi em 2022 apontada como o fator mais crítico para o desenvolvimento do setor, que recuperou da pandemia mais depressa do que se esperava -, o responsável avançou que, no ano passado, a maioria das empresas terá aumentado “entre 15 a 20% as remunerações ou os benefícios aos colaboradores”. Uma política na perspetiva de reter mão-de-obra. “Não era contratar, era reter porque na realidade não havia recursos e, consequentemente, o objetivo foi pagar mais para garantir que estávamos a reter as pessoas”, disse.
Melhorias que Fernando Garrido aplaude porque “acabou por haver uma necessidade de nivelamento” das remunerações, a partir do momento em que a base da constituição da remuneração dos colaboradores mudou. “A remuneração há uns anos era assente sobre uma base de retorno que era dado pelo cliente, as gorjetas. Com o evoluir do tempo, essas gorjetas começaram a deixar de existir em tão grande expressão e, consequentemente, o rendimento do colaborador acabou por diminuir”, explicou.
Questionado sobre se tem sentido junto dos associados que o aumento das remunerações é tendência que se verifica em termos gerais – com vários grupos a anunciar subidas das remunerações pagas neste início de ano -, o presidente da ADHP confirmou. “Somos dos setores que está a aumentar de uma forma mais abrangente. É rara a empresa, ou raro o colega com quem falo, que tenha aumentado abaixo dos 5%. Toda a gente aumenta acima desses valores mais que tudo para tentar dar condições aos colaboradores. Também para atrair, não há que esconder”, reforçou.
Fernando Garrido salientou que “os benefícios não passam exclusivamente pela remuneração”, mas incluem, muitas vezes, “outro tipo de package salarial'”, como benefícios dentro das empresas, seguros de saúde ou subsídio de alimentação e até alimentação em géneros”, por exemplo. “Há toda uma série de condições que estão a ser dadas aos colaboradores no sentido de captar e reter pessoas, sem dúvida”, sublinhou.
Época alta vai medir falta de mão de obra sobretudo no Algarve
O responsável acredita que os resultados das medidas para colmatar a falta de mão-de-obra no setor serão visíveis no verão, sobretudo no Algarve, embora desconfie que ainda vão escassear trabalhadores. Fernando Garrido mostrou-se otimista, ainda que com ressalvas, quanto ao sucesso das políticas adotadas, sobretudo o aumento dos salários e os acordos com outros países para importação de mão-de-obra, para solucionar a falta trabalhadores no setor, uma situação crítica em 2022.
“Vamos ter o resultado exatamente nesta época alta, mais no Algarve, que foi das regiões que mais sofreu com a falta de recursos [humanos]. Existiram unidades que não reabriram [pós-pandemia] por falta de recursos”, uma realidade que, segundo Fernando Garrido, “foi transversal” a todo o país.
Fruto das medidas citadas, bem como de uma alteração de política na retenção de trabalhadores na época baixa para garantir mão-de-obra para a alta neste início de ano, o presidente da ADHP assegura já se sentir que existem mais trabalhadores no setor. “Há um paradigma que mudou. Quando as atividades tinham um decréscimo de procura nós dispensávamos algumas pessoas. Este ano começámos a retê-las mais, ou seja, fizemos um esforço na época baixa, no sentido de guardarmos as pessoas para depois não termos a dificuldade de recontratar e formar”, disse. “Neste momento, já sentimos que existe mais mão-de-obra no mercado. Não sabemos se será suficiente. Acreditamos que ainda não será”, acrescentou.
Explicou que, no caso dos contratos por acordos com imigrantes, essa força de trabalho vai “ajudar substancialmente”, nomeadamente numa primeira fase a cobrir áreas de menor contacto com o cliente, dada a falta de formação com que chegam ao país. Apesar de aplaudir as medidas tomadas, Fernando Garrido diz que não serão suficientes se não se conseguir proporcionar condições de sustentabilidade da vida pessoal com a profissional. “Temos escassez de mão-de-obra e também temos pouca atratividade para os colaboradores. Temos uma área de negócio que trabalha 365 dias por ano, 24 horas por dia e é inevitável que todos os colaboradores tenham que trabalhar sábados, domingos, feriados, dias santos e afins. Temos de fazer o equilíbrio. É inevitável que o façamos, porque só dando esse equilíbrio aos colaboradores é que conseguiremos atraí-los”, disse.
Confrontado com o facto de os próprios patrões afirmarem que a qualidade de serviço na hotelaria caiu em 2022, fruto destes constrangimentos, Fernando Garrido reconheceu essa realidade, assinalando ainda que houve um “aumento substancial do preço de compra para o cliente”. “Toda a forma de acolher colaboradores mudou na hotelaria. Antes recebíamos os colaboradores, sabíamos que tinham uma formação base e tratávamos da formação de acolhimento. Desde o ano passado, começámos a receber colaboradores sem qualquer tipo de formação, da área ou de fora da área, e começámos a ter que formá-los para esse efeito, para acolher”, disse. “Mas, para além disso, deparámo-nos com situações de falta de saber estar. Isso é muito crítico na área em que estamos, porque o saber estar é a base”,lamentou.
Formação permanente foram as palavras-chave em 2022, já que “a rotatividade [de trabalhadores] foi muito alta”. Dada a grande procura do setor por trabalhadores, o responsável revelou que “o aliciamento era tal que um colaborador estava hoje e amanhã deixava de estar”.
O reconhecimento das profissões é um dos grandes problemas com que estamos a deparar-nos.
Hotelaria “não é sexy” e falta de reconhecimento é um grande problema
Por fim, o responsável adverte que é preciso valorizar as profissões da hotelaria, dando-lhes reconhecimento, para conseguir atrair trabalhadores e estudantes para uma setor que não é considerado “sexy“.
“O reconhecimento das profissões é um dos grandes problemas com que estamos a deparar-nos”, afirmou o presidente da ADHP, Fernando Garrido, ressalvando que é preciso fazer um trabalho como se fez, por exemplo, há anos para a profissão de cozinheiro. “O que achamos que deve ser feito é tornar as profissões mais atrativas”, disse Fernando Garrido, defendendo para as estas profissões campanhas publicitárias e de marketing à semelhança das que são feitas para a promoção do país como destino turístico.
“Transmitir que é uma profissão interessante, envolvente. Que é reconhecida no mercado, porque de outra forma não vamos ter nem profissionais – porque os que estão sem profissão e procuram não virão para a hotelaria – e também não vamos ter futuros estudantes”, explicou.
Assim, Fernando Garrido dá o exemplo do que se fez em algumas profissões e que se traduziu num aumento de interesse por aquele tipo de trabalho. “Temos escolas a formarem alunos, mas não nos podemos esquecer que, apesar de sermos o tão falado motor da economia dos últimos anos, a verdade é que as pessoas não acham a profissão sexy, ou seja, não encaram este meio como sendo interessante, atrativo”, disse.
“Por exemplo, foi feito um trabalho fenomenal com os cozinheiros que tem muito a ver com a questão da imagem. Ninguém queria ser cozinheiro e passaram a ser todos chefs. Chefs Michelin, Chefs Hells kitchen, Masterchefs, etc. Agora, todos querem ser chef. Ajudou imenso. É esse passo que temos que dar”, sublinhou, acrescentando que “as próprias nomenclaturas das profissões nem sempre são atrativas”.
O responsável defendeu ainda ser “fundamental que a tutela faça o trabalho de reconhecer as profissões”, da hotelaria, referindo que qualquer pessoa, por exemplo, pode ser diretor do hotel. “Desde um trabalhador que arranje o jardim a um médico. Mas um diretor de hotel não pode ser médico”, sustentou.
Fernando Garrido descartou, no entanto, que se deva “limitar a profissão”, apenas fazer o seu reconhecimento. “O turismo é o futuro do país e para acolhermos bem temos que ter bons profissionais e profissionais constantemente formados. As escolas (cursos superiores) começam a ter muito menos alunos, não só pelo decrescimento demográfico, mas também por não ser atrativo”, afirmou. “Nesta profissão as pessoas estão sempre a aprender coisas novas, é extremamente motivador e interessante, mas a verdade é que isso é difícil de passar para os futuros profissionais do meio”, lamentou.
É também por este motivo que a associação mantém o processo da criação da ordem dos diretores de hotel, aguardando pelos desenvolvimentos quanto ao regime jurídico das associações públicas profissionais. “Estamos confiantes que [vai acontecer a criação da ordem], mas temos feito um caminho mais ou menos paralelo. Embora ainda não tenhamos a ordem, temos um selo de certificação” que reconhece as escolas e os profissionais diretores de hotel, referiu.
“O que queremos é que os profissionais que pertençam a esta associação, e a esta ordem, tenham um desenvolvimento formativo, que saibamos que são pessoas que estão em constante evolução e permanentemente a conhecer novas formas de trabalhar, que possam dar o melhor para o mercado e constituir um destino [turístico] forte. Se o administrador ou dono quiser meter qualquer outra pessoa é uma responsabilidade dele”, considerou.
Ao nível da formação, Fernando Garrido adiantou que para contribuir para a qualificação do trabalho, a associação desenvolveu nos últimos anos a sua própria academia de formação. “Somos uma entidade certificada pela DGERT [Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho] para formação e apostamos fortemente neste campo. Temos um curso que visa formar profissionais de direção, como se fosse uma pós-graduação em que formamos profissionais que já estejam normalmente no ativo e que queiram evoluir dentro da profissão. É uma formação extremamente reconhecida”, explica.
Este e outros temas serão debatidos no 19.º Congresso Nacional da ADHP, em 30 e 31 de março de 2023, em Albufeira, cujo tema será “Gerir na incerteza. Rethink the future”. A ADHP representa um total de 1.200 associados e comemora este ano o seu 50º aniversário.
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