BCE abre a porta a fim de ciclo na subida de juros
Economistas e investidores estão a rever em baixa as perspetivas para a evolução das taxas de juro na Zona Euro, admitindo que a pausa pode estar para breve se a crise na banca se agravar.
O Banco Central Europeu optou por seguir o caminho mais arriscado de cumprir o compromisso de subir as taxas de juro em 50 pontos base num período de forte turbulência, mas a falência de bancos nos Estados Unidos e o stress relacionado com o Credit Suisse teve forte influência no discurso adotado pelo banco central.
O conteúdo do comunicado emitido após a decisão de política monetária desta quinta-feira e o tom das declarações de Christine Lagarde na conferência de imprensa são bem menos agressivos do que no passado. O BCE deixou de sinalizar subidas significativas de juros, reviu em baixa as projeções para a inflação e reconheceu que o aperto da política monetária tem implicações não desejadas no sistema financeiro.
Com esta postura, o BCE ganha margem de manobra para um fim mais célere no ciclo de agravamento de juros, que está a ser o mais agressivo de sempre com um aumento acumulado de 350 pontos base (3,5 pontos percentuais) desde julho.
Se a turbulência no setor bancário se agudizar, o BCE pode fazer uma pausa nos juros pois a própria crise se encarregará de pressionar a inflação em baixa. O aperto das condições financeiras será inevitável, com os bancos a concederem menos financiamento e com juros mais elevados. Os ativos cotados vão desvalorizar e a economia acentuará a trajetória descendente, o que terá implicações na procura e nos preços de bens e serviços.
Caso a crise bancária nos dois lados do Atlântico seja contida e a inflação permaneça em níveis elevados, o BCE deverá dar mais passos mais ténues e ponderados no agravamento da política monetária. A taxa de juro já está num nível considerado restritivo e o banco central não vai querer cometer um erro de política que tenha implicações sérias no sistema financeiro. O risco já existia antes de rebentar a crise na banca, sendo agora bem mais pronunciado.
Lagarde assinalou que a inflação permanece em níveis demasiado elevados, pelo que o BCE tem caminho pela frente no agravamento da política monetária. Contudo, a presidente do BCE deixou bem claro que tal só acontecerá no cenário base que admitiu já estar desatualizado perante a recente turbulência na banca. Dito por outras palavras, se a crise persistir, o ciclo de aperto da política monetária estará perto do fim.
Mercados já duvidam de mais subidas de juros
Analistas e investidores partilham esta visão de que o BCE já não deverá carregar muito mais nos juros. Antes do colapso do Silicon Valley Bank (SVB), em meados da semana passada, o mercado de futuros apontava para uma taxa terminal do BCE em 4,2%. Concluída a conferência de imprensa de Lagarde esta quinta-feira, a estimativa para a taxa de juro situava-se em 3,15%.
Os investidores estão assim a descontar que o BCE já não voltará a subir os juros depois deste aumento de 50 pontos base para 3%. Ou, no máximo, agravará apenas 25 pontos base.
Este acentuado ajuste de mais de 100 pontos base num curto espaço de tempo deve ser visto à luz da enorme volatilidade que marca os mercados nestes últimos dias. Mas as taxas Euribor (determinadas pelas taxas de juro cobradas entre bancos do sistema) também ajustaram de forma significativa.
De perto de 4% na sexta-feira, a Euribor a 12 meses passou esta quinta-feira para 3,36%, após uma notável descida de mais de 30 pontos base nesta quinta-feira. É expectável que a taxa que serve de indexante no crédito à habitação registe hoje novo tombo, pois só esta sexta-feira reage à reunião do BCE.
Esta subida de juros pode marcar o início da fase final do ciclo de aperto da política monetária: abrandamento no ritmo, dimensão e número de subida de juros adicionais.
“Colocar sal na ferida” e “quebrar algo pelo caminho”
“Uma coisa que ficou clara nas declarações de Lagarde é que não são apenas os mercados que esperam que o ciclo de aperto da política monetária tenha chegado a um fim abrupto após os eventos dos últimos dias”, diz Craig Erlam.
O analista do Oanda afirma que “o tempo dirá” se a decisão de aumentar os juros em 50 pontos base “esfregou sal na ferida, ou representa a necessária continuidade e compromisso” no combate à inflação.
Carsten Brzeski, economista chefe do ING, considera “claro que qualquer aumento adicional de juros eleva a probabilidade de algo quebrar pelo caminho”, sobretudo agora que as taxas estão num nível restritivo. “Por isso, esta subida de juros pode marcar o início da fase final do ciclo de aperto da política monetária: abrandamento no ritmo, dimensão e número de subida de juros adicionais”.
O economista do banco dos Países Baixos assinala que os próximos passos no combate à subida da inflação “serão muito mais duros do que os adotados até agora” e que o BCE “não pode regressar ao papel de bombeiro numa altura em que tem de combater a inflação”. O ING estima que o BCE vai efetuar mais dois aumentos de 25 pontos base antes do verão (maio e junho), adotando depois uma posição de “esperar para ver”.
Os economistas da Bloomberg Economics esperam aumentos de 25 pontos base até ao verão se a estabilidade financeira for preservada. Num cenário de tensões prolongadas no setor bancário, o “ciclo de aumento de juros pode ter um fim abrupto”, referem.
O ABN Amro mantém a perspetiva de uma taxa terminal de 3,75%, mas admite que os riscos para esta previsão são agora descendentes, pois a crise na banca e o correspondente aperto das condições financeiras podem pressionar a inflação em baixa.
O economista Nick Kounis salienta que, ao contrário do que se passava até aqui, as próximas decisões de política monetária não serão baseadas apenas nas estimativas para a inflação, com as condições dos mercados a assumirem também um papel chave.
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