Desemprego a subir e salários reais a descer no primeiro trimestre. Como os economistas olham para o futuro?

Os economistas dividem-se entre os mais otimistas e os mais pessimistas sobre o futuro. No entanto, todos concordam: há sinais que é preciso acompanhar.

O desemprego aumentou nos primeiros três meses do ano ultrapassando a barreira dos 7%. Os salários também aumentaram, pelo menos em termos nominais. Já que, em termos reais, a inflação fez mossa e apenas os esforços dos privados conseguiram contrariar a perda do poder de compra dos trabalhadores. Com desemprego a subir e os salários reais a descer no arranque do ano, as previsões dos economistas para o futuro dividem-se. Se há quem defenda que os sinais de crescimento económico, abrandamento da inflação e a perspetiva de que a Europa terá escapado a uma recessão são boas notícias, há quem admita preocupações com o aumento do desemprego, redução do consumo e subida dos juros.

A taxa de desemprego fixou-se nos 7,2% no primeiro trimestre, mais 0,7 pontos percentuais (p.p.) face ao último trimestre do ano passado e 1,3 p.p. em relação ao período homólogo. Havia 380,3 mil pessoas desempregadas de janeiro a março deste ano, mais 37,6 mil (11%) do que no trimestre anterior e 71,9 mil (23,3%) do que em relação ao mesmo trimestre do ano passado, indicam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Ou seja, a taxa de desemprego subiu, mas o número de pessoas desempregadas aumentou ainda mais.

Para o economista Pedro Braz Teixeira, a taxa ter ultrapassado os 7% é já motivo para uma maior atenção. “A estimativa é que a taxa natural do desemprego seja entre 6% e 7%. Quando passamos a barreira dos 7% já saímos do pleno emprego, é já o limite superior. Ainda há muito pouco tempo não havia nenhuma previsão acima dos 7% em 2023, o que reforça que este aumento do desemprego é acima do esperarado”, comenta o head of research department do Forum para a Competitividade, ao ECO Trabalho.

Pedro Braz Teixeira compara este aumento trimestral do desemprego com o crescimento económico registado no mesmo período. “Não estão alinhados. Tivemos um crescimento do PIB excecional — uma subida de 1,6% em cadeia e de 2,5% face ao homólogo — que surpreendeu toda a gente. Portanto, há aqui um desfasamento entre a taxa de desemprego e o PIB. Isto, de alguma maneira, reforça a ideia de que o crescimento do primeiro trimestre é completamente excecional. Se o desemprego está a aumentar, é porque as empresas não estão com grandes perspetivas de melhoria das condições no conjunto do ano. Este aumento do desemprego sugere algum pessimismo por parte das empresas”, considera.

Já o economista Pedro Brinca, embora concorde que é preciso acompanhar a evolução do desemprego, não considera que uma taxa de desemprego de 7,2% seja motivo de alarme. “Ter uma taxa de desemprego aos níveis que temos visto, de cinco e tal por cento, é que tem sido um pouco a exceção. Historicamente, Portugal terá taxas de desemprego mais próximas dos 7% do que dos 5%”, refere o professor na Nova SBE.

E continua: “É verdade que a economia cresceu 2,5% no primeiro trimestre, tem mostrado uma resiliência muito forte. Mas, boa parte dessa resiliência tem sido à custa das exportações, tanto em volume, como também da melhoria dos termos de troca, ou seja, o preço das nossas exportações aumentou mais do que o preço dos bens que importamos, que era, sobretudo, energia. Isso levou a uma melhoria dos termos de troca, que levou a um aumento das exportações e, com isso, a melhoria surpreendente que vimos no PIB.”

O economista fala também de um “contínuo abrandamento económico de Portugal”, que se reflete também no “aumento dos custos do endividamento, prejudica o investimento, o consumo e, nesse aspeto, sustenta talvez uma ligeira subida dos números de desemprego“, explica.

Preocupações partilhadas por Luís Miguel Ribeiro. Para o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) os indicadores do INE revelam uma “dinâmica que está a acontecer com a atividade que vive muito do consumo privado e dos consumidores nacionais”. “As pessoas estão a fazer contas à vida, estão com menos rendimento disponível, com mais encargos e a vida está mais cara. E não foi possível, apesar de todos os esforços feitos, os rendimentos acompanharem esse aumento do custo de vida”, lamenta.

Há um menor consumo privado e há setores onde isso se reflete de forma mais intensa. E isso tem impacto no desemprego porque há empresas que começam a rever toda a sua existência e a forma como estão a ter a sua atividade. Esses setores começam a dar sinais claros da redução do consumo”, acrescenta.

Neste momento, na situação do desemprego ainda não há um reflexo do abrandamento da atividade económica, apesar de se notar, especialmente em tudo o que tem relações com o consumidor, seja pequena restauração, seja serviços pessoais, como cabeleireiros, que tem havido alguns encerramentos significativos.

João Vieira Lopes

Presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal

Preocupações partilhadas por João Vieira Lopes. “No comércio, nas atividades de relação com consumidores, nota-se alguma retração. A inflação disfarça um pouco — toda a gente está a faturar mais — mas, por exemplo, no comércio, tudo o que são vendas, incluindo o alimentar, estão mais baixas. O que é natural porque desde, pelo menos, o verão do ano passado, que tem havido um desfasamento entre a inflação e o crescimento dos rendimentos. A situação está mais estabilizada, mas houve muitas pessoas que gastaram as reservas”, comenta o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP).

“Neste momento, na situação do desemprego ainda não há um reflexo do abrandamento da atividade económica, apesar de se notar, especialmente em tudo o que tem relações com o consumidor, seja pequena restauração, seja serviços pessoais, como cabeleireiros, que tem havido alguns encerramentos significativos”, aponta Vieira Lopes.

Inflação faz mossa nos salários

Os números do INE dão, efetivamente, conta do impacto que a inflação teve nos rendimentos das famílias no primeiro trimestre. A remuneração bruta total mensal média por trabalhador — que inclui subsídios de férias e de Natal — até aumentou para 1.355 euros, mais 7,4% do que face a igual período do ano passado — com a componente regular e a base a subir para 1.211 euros (7,3%) e 1.118 euros, respetivamente –, mas, em termos reais, a inflação acabou por anular esses aumentos.

“Tendo por referência a variação do Índice de Preços do Consumidor, a remuneração bruta total mensal média diminuiu 0,6%, assim como a sua componente regular, enquanto a componente base diminuiu 0,4%”, pode ler-se no nota informativa do gabinete de estatísticas.

Só o setor privado registou um aumento de salários real. Na Função Pública houve quedas em todas as componentes.

Fonte: INE

“Esse crescimento do ponto de vista nominal é ainda maior do que o observado em 2022, o que reflete, precisamente, o facto de que a taxa de desemprego tem estado também historicamente baixa e que isso tem beneficiado, sobretudo, trabalhadores que conseguem negociar salários mais elevados”, comenta Pedro Brinca. “O não aumento do valor real de forma substantiva dos salários é uma repetição daquilo que observámos em 2022, em que quem vive apenas do seu salário teve uma perda real do poder de compra”, reforça.

Impacto nos privados mais mitigado

Os esforços dos privados em mitigar o impacto da inflação nos rendimentos das suas pessoas ficaram visíveis no primeiro trimestre. Com a remuneração total a registar uma variação homóloga de 8,3%, para 1.274 euros; a componente regular a aumentar 8,5%, subindo de 1.031 euros para 1.119 euros, e a base 8,8%, para 1.051 euros. Todos os tipos de remuneração registaram aumentos reais face ao período homólogo, com a total a registar uma subida de 0,3%, a regular uma melhoria de 0,5%, e a base de 0,7%.

O mesmo não sucede no setor público. Se a Administração Pública (AP) regista um aumento homólogo de 5,4% na sua remuneração total, para 1.765 euros — com a componente regular a subir 5%, para 1.670 euros, e a base a aumentar 5,4%, para 1.579 euros — “em termos reais, nas AP, as remunerações total, regular e base diminuíram 2,5%, 2,8% e 2,4%, respetivamente”, apontam os dados do INE.

A administração pública é a que menos remunera os seus quadros. A ideia de que todos são iguais leva a estes aumentos. Depois admirem-se de não haver médicos ou técnicos especialistas na administração pública.

João Duque

Economista

“O aumento nominal foi baixo porque a inflação foi alta. Apesar de tudo, é positivo. O diferencial entre inflação e rendimentos baixou em geral, exceto na Função Pública”, comenta João Vieira Lopes, do CCP.

João Duque destaca igualmente o diferencial de remunerações entre os dois setores. “A administração pública é a que menos remunera os seus quadros. A ideia de que todos são iguais leva a estes aumentos. Depois admirem-se de não haver médicos ou técnicos especialistas na administração pública”, atira o economista.

“Quanto ao crescimento do desemprego e aumento de salários, nota-se que o turismo está a curar uma grande pressão no mercado. Quando não há oferta de mão de obra e ela é necessária os salários aumentam“, aponta o também docente do ISEG. “Isso é visível no setor da hotelaria e restauração. Além disso, este setor não é muito desejado pelos portugueses, em particular desde a pandemia”, acrescenta.

Efetivamente, no trimestre, apesar de ser a segunda remuneração total média mais baixa das 11 categorias analisadas pelo INE (793 euros), o turismo vê aumentar 1,9% o salário bruto total em termos reais, a terceira maior subida depois das “Atividades dos organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais’ (4,8%) e do setor de energia (+3,9%).

Fonte: INE

 

Luís Aguiar-Conraria retira sinais positivos dos dados do desemprego e das remunerações agora conhecidos. “A melhor forma de mitigar os efeitos da inflação é as pessoas terem os seus rendimentos aumentados de acordo com a inflação”, começa por referir o economista e professor catedrático na Universidade do Minho, embora reconhecendo que, “apesar de tudo, é capaz de não ser suficiente para as pessoas de mais baixo rendimentos”, ainda a sofrer com os impactos da inflação na energia e nos alimentos.

“Isto demonstra que o mercado de trabalho está bom, está a funcionar e que os trabalhadores estão a conseguir negociar bons aumentos salariais em vez de perderem muito poder de compra. E os dados para o emprego e desemprego confirmam isso. Se se olhar só para o desemprego este está a aumentar e isso pode dar a entender que o mercado de trabalho está a ficar mais fraco, mas o emprego também está a aumentar, está a aumentar a população ativa”, lembra. Efetivamente, no primeiro trimestre havia mais 23,8 mil pessoas (+0,5%) a engrossar a fileira da população ativa, para 4.924,7 mil, do que de janeiro a março do ano passado.

“Ainda é cedo para interpretarmos a subida (do desemprego)”, sintetiza Luís Aguiar-Conraria.

E os próximos trimestres?

Embora a inflação esteja a abrandar — em abril, os dados mais recentes, fixou-se nos 5,7% — é precisamente neste indicador que Luís Aguiar-Conraria não consegue ser tão otimista.

“Ainda vai demorar a combater a inflação, temos ainda as taxas de juro muito baixas para a inflação que temos. Se vemos os preços de energia a cair e os da alimentação a abrandar, quando olhamos para os outros itens, para a inflação subjacente, não vemos esse movimento, o que quer dizer que se alastrou para outros setores. Isto vai ser mais lento e o BCE vai ter de subir mais a taxas de juro”, sustenta.

Ainda vai demorar a combater a inflação, temos ainda as taxas de juro muito baixas para a inflação que temos. Se vemos os preços de energia a cair e os da alimentação a abrandar, quando olhamos para os outros itens, para a inflação subjacente, não vemos esse movimento, o que quer dizer que se alastrou para outros setores. Isto vai ser mais lento e o BCE vai ter de subir mais a taxas de juro.

Luís Aguiar-Conraria

Economista

Pedro Braz Teixeira salienta, por sua vez, que o abrandamento da inflação que se tem vindo a registar não significa maior poder de compra. “Apenas que a degradação do poder de compra das famílias não vai continuar, mas a degradação que já está continua. As pessoas não vão ter maior poder de compra. Por outro lado, a diminuição da inflação vai acontecer porque os juros vão continuar a subir, e isso vai continuar a fazer subir horrivelmente as prestações das famílias”, estima.

Olhando para os próximos trimestres, o economista do Forum para a Competitividade estima uma desaceleração económica. “A conjuntura internacional está em clara desaceleração. A continuação da subida das taxas de juro, a turbulência bancária, tudo isto aponta para uma desaceleração para o conjunto do ano. Portanto, tudo indica para que a taxa de desemprego se vá deteriorar, não que seja especialmente. Certamente, pode estar por detrás algum pessimismo sobre a evolução económica do conjunto do ano“, resume.

A conjuntura internacional está em clara desaceleração. A continuação da subida das taxas de juro, a turbulência bancária, tudo isto aponta para uma desaceleração para o conjunto do ano.

Pedro Braz Teixeira

Economista

Já Pedro Brinca tem uma visão mais otimista. “O caminho da subida das taxas de juro está perto de atingir o seu pico. Estando perto de atingir o seu pico, ainda com um nível de desemprego relativamente baixo e com uma perspetiva que a Europa terá escapado a uma recessão — apesar de ter tido uma política bastante agressiva de combate à inflação –, são boas notícias”, prevê.

“Para já, enquanto os números das falências se continuarem a manter relativamente baixos — e volto a reforçar que 7% de desemprego não é um número elevado –, creio que são boas notícias e não são, para já, um sinal de alarme”, acrescenta.

“De momento a remuneração real está a recuperar mês a mês. E no mês que vem vai haver um aumento positivo. Mesmo que a remuneração média não aumente em abril, a variação homóloga da remuneração bruta aumentará 6,1%. Como a inflação está nos 5,7% em abril, já temos uma remuneração real positiva“, comenta João Duque.

O economista tem menos certezas em relação à evolução do desemprego. “Quanto ao desemprego não sei bem o que dizer. Estou um tanto surpreendido porque, de facto, há uma redução do número de trabalhadores ao serviço desde novembro passado (dados do Ministério do Trabalho). Mas há um aumento do produto. Isso leva a um aumento da produtividade. Mas não se percebe ainda como”, admite o docente do ISEG.

O caminho da subida das taxas de juro está perto de atingir o seu pico. Estando perto de atingir o seu pico, ainda com um nível de desemprego relativamente baixo e com uma perspetiva que a Europa terá escapado a uma recessão — apesar de ter tido uma política bastante agressiva de combate à inflação — são boas notícias.

Pedro Brinca

Economista

“Acentuar-se (o número de encerramentos de estabelecimentos) não sei se vai, mas manter-se sim. E isso gera algum desemprego”, comenta João Vieira Lopes, quando instado sobre como antecipa a evolução dos números do desemprego. No entanto, ressalva, “continua a haver uma grande falta de mão de obra qualificada e não qualificada. Também porque há hábitos diferentes”.

“Quem tem estabelecimentos em centros comerciais queixa-se que tem dificuldade em arranjar pessoas que queiram trabalhar ao fim de semana e à noite, a não ser estrangeiros, e a restauração queixa-se no mesmo sentido porque tem horários bastante extensivos. Há aqui também uma mudança na abordagem do mercado de trabalho, não sei se por influência da pandemia, algumas mudanças qualitativas”, refere o presidente do CCP.

“Continuando tudo como está, não vejo motivos para pessimismo”, diz, por seu turno, Luís Aguiar-Conraria. “O país está a produzir mais, passamos por este ano difícil do ponto de vista macro lindamente, do ponto de vista macro porque há muita gente a passar por dificuldades”, começa por referir. “A incerteza é enorme, mas sou otimista”, garante o economista. E explica porquê. “Os preços da energia já caíram e isso vai refletir-se nos próximos meses, os preços da alimentação vão continuar a cair. Não há motivo para pensar que a atividade económica vai cair agora”, defende.

“Se passamos o ano que passou sem uma recessão e estamos a ter um crescimento — que é fortíssimo 2,5% no trimestre homólogo é mesmo muito bom — não vejo motivos para agora abrandar”, conclui o professor catedrático na Universidade Minho.

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