Ensaios clínicos batem recorde em Portugal, mas farmacêuticas queixam-se de burocracia e falta de previsibilidade
Foram submetidos 232 pedidos de autorização para ensaios clínicos durante o ano passado. Infarmed sinaliza ao ECO que os números do primeiro trimestre de 2023 estão em linha com os de 2022.
Portugal recebe cada vez mais ensaios clínicos. O número de pedidos de autorização bateu um recorde em 2022, num total de 232, e a tendência tem sido de crescimento. Apesar de perspetivar que o mercado dos ensaios clínicos continue a crescer na próxima década, o diretor-geral do Health Cluster Portugal defende ao ECO que há alguns obstáculos ao desenvolvimento desta área, nomeadamente a falta de autonomia dos centros de investigação clínica. Burocracia e falta de previsibilidade são outros dos desafios mencionados pelo setor.
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pelo Infarmed, foram submetidos 232 pedidos de autorização para ensaios clínicos no ano passado, o que se traduz numa subida de 31% face a 2021. Entre estes, foram aprovados 152, “praticamente em linha com o melhor ano de sempre, que foi em 2020, com 155 ensaios clínicos”, salienta ao ECO fonte oficial do Infarmed. Para este ano, os dados ainda estão a ser ultimados, mas “estão em linha com o período homólogo de 2022”.
Já o tempo médio de decisão atingiu os 87 dias, sendo o maior número registado até agora, segundo a série estatística. “As principais áreas mantêm-se em linha com o ano anterior, com destaque para os ensaios clínicos com fármacos imunomodeladores, nomeadamente em oncologia, seguindo-se a área de neurologia, sistema cardiovascular e sistema respiratório”, indica ainda o Infarmed.
Joaquim Cunha, diretor-geral do Health Cluster Portugal, uma associação privada sem fins lucrativos, também salienta que “o número de ensaios e o mercado dos ensaios clínicos tem vindo a crescer significativamente nos últimos anos, e prevê-se que continue a crescer na próxima década”. “Cada região, cada país, deverá desenvolver esforços no sentido de se tornar competitivo e angariar estes ensaios, que irão continuar a ser desenvolvidos de qualquer forma, mas por quem estiver mais bem posicionado para responder às exigências dos promotores”, defende.
Além dos ganhos que advêm de possibilitar o “acesso da população a terapias inovadoras sem custos e em tempos mais reduzidos”, existe também um “impacto económico muito significativo não só diretamente para as unidades hospitalares envolvidas, como na atratividade ao investimento direto estrangeiro”, destaca. Segundo um estudo da PwC de 2017, o impacto total desta atividade na economia foi estimado em cerca de 87 milhões de euros.
Cada região, cada país, deverá desenvolver esforços no sentido de se tornar competitivo e angariar estes ensaios, que irão continuar a ser desenvolvidos de qualquer forma, mas por quem estiver mais bem posicionado para responder às exigências dos promotores.
Quanto ao papel de Portugal, o mesmo responsável destaca que há “uma série de fatores que condicionam a escolha de uma localização para a realização dos ensaios clínicos por parte de um promotor — leia-se, a empresa que desenvolve as terapias e pretende testá-las –, que incluem o tempo de recrutamento de participantes e a capacidade da sua retenção ao longo do estudo, o histórico de execução e o processo de recolha/reporte dos dados”.
Assim, admite que existem em Portugal “desafios no que respeita à gestão e organização, que se refletem em obstáculos à realização de mais ensaios clínicos”. Entre eles, destaca a “falta de autonomia jurídica, técnica e de recursos humanos dos centros de investigação clínica, o que limita a sua capacidade para se tornarem competitivos a nível internacional”. Ou a “articulação entre os principais atores no terreno, para uma eficiente referenciação de doentes”, que diz ser “impreterível para que sejam dadas respostas integradas aos promotores que procuram Portugal para realizar ensaios clínicos”.
“Por outro lado, e embora tenha havido avanços positivos nos últimos anos nesta matéria, é necessário criar incentivos para os profissionais de saúde que se dedicam à investigação clínica em Portugal”, acrescenta ainda. Ainda assim, o responsável elogia a criação, por despacho conjunto dos ministros da Economia, da Ciência e da Saúde, do chamado “Grupo de Trabalho Mais Economia e Saúde”.
Uma das empresas que está a desenvolver ensaios clínicos em Portugal é a Janssen, farmacêutica do Grupo Johnson & Johnson. Jacobo Muñoz, diretor médico da Janssen Portugal, também aponta ao ECO que é necessária “maior previsibilidade nos tempos de aprovação”, apelando mesmo que se devem “garantir tempos de aprovação inferiores 60 dias úteis pelas autoridades”. “Em Portugal, o início do recrutamento de doentes para os ensaios acontece, por vezes, quando os prazos já estão a terminar, perdendo-se assim o acesso à esperança que estes significam para os doentes”, destaca.
Desde 2018 que o país é core country para os ensaios clínicos da Janssen, ou seja, que é um dos países principais recetores de ensaios clínicos em termos globais. O número de ensaios clínicos tem aumentado bastante.
Para a Janssen, a burocracia e a falta de previsibilidade, juntamente com a necessidade de termos uma maior quantidade de recursos humanos, são “dois dos grandes obstáculos ao aumento do número de ensaios em Portugal”.
Apesar destas dificuldades, Muñoz considera que “estão criadas as condições para Portugal dar o salto em competitividade de investigação clínica“. “Há consenso entre os vários agentes do setor de que estamos perante uma oportunidade que temos de recuperar”, acrescenta. A Janssen tem em vista “continuar a investir em Portugal”, assegura, assim sejam “criadas as condições para o fazer”.
“Desde 2018 que o país é core country para os ensaios clínicos da Janssen, ou seja, que é um dos países principais recetores de ensaios clínicos em termos globais. O número de ensaios clínicos tem aumentado bastante”, adianta o responsável. As áreas de maior desenvolvimento, neste momento, são “oncologia, hematologia, imunologia, neurociências, cardiovascular e doenças infecciosas”, adianta. O diretor-geral do Health Cluster Portugal também destaca que, em termos globais, a “oncologia é, de longe, a área com maior investimento em ensaios clínicos”.
Entre as empresas a apostar nos ensaios clínicos em Portugal destaca-se também a americana Alnylam, que sinalizou querer fortalecer a investigação clínica no país, garantindo receitas e acesso à inovação terapêutica. Em entrevista ao ECO, publicada em julho do ano passado, o diretor-geral frisava que esta é “uma área essencial para o desenvolvimento das terapêuticas” nesta empresa que se dedica à investigação para fazer chegar moléculas inovadoras ao mercado.
Com uma média de 25 ensaios clínicos em Portugal, a Bayer contabiliza o envolvimento atual de mais de 90 centros de ensaio e de 700 profissionais de saúde no país.
Também a Bayer diz ter, em média, 25 ensaios clínicos em Portugal, que incidem na área cardio-renal, AVC, oftalmologia, saúde da mulher, oncologia, entre outras, envolvendo neste momento mais de 90 centros de ensaio e 700 profissionais de saúde. Entre 2023 e 2024, sublinha a multinacional em comunicado, espera que haja mais de 700 doentes a participar nos ensaios clínicos da empresa no país.
“Apesar de as condições para a realização de ensaios clínicos em Portugal serem complexas, o que retira competitividade ao país face a outros países europeus, o nosso propósito é poder ter um papel ativo no desenvolvimento clínico de moléculas e, num futuro próximo, de novas modalidades terapêuticas que possam representar melhores alternativas aos doentes em Portugal. É uma satisfação e um enorme orgulho ver que passam pelo nosso país ensaios que permitem a aprovação de novas moléculas e novas indicações”, diz Raquel Reis, Country Head Site Manager na Bayer Portugal.
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