Julgamento de Miguel Alves volta a ser adiado devido à greve dos funcionários judiciais
O julgamento do antigo secretário de Estado Adjunto de António Costa, Miguel Alves, e da empresária Manuela Couto foi adiado para os dias 14 de setembro e 4 de outubro devido à greve na justiça.
Ainda não foi desta que teve início o julgamento do antigo presidente da Câmara de Caminha e ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, e da empresária Manuela Couto. Segundo avança o Observador, o motivo prende-se com a greve dos funcionários judiciais, que fez com que neste momento esteja a ser dada prioridade a casos urgentes. As novas sessões estão agendadas para 14 de setembro e 4 de outubro.
Previsto para ter início esta quinta-feira em Viana do Castelo, esta é a terceira vez que este julgamento é adiado, tendo uma delas sido devido à mesma greve
Em causa está a construção de um Centro de Exposições Transfronteiriço em Caminha, no distrito de Viana do Castelo, uma obra que ainda não começou depois do contrato-promessa entre o promotor e a autarquia ter sido assinado em 2020. Os dois arguidos estão acusados, em coautoria, do crime de prevaricação de titular de cargo político.
Recorda-se deste caso? O ECO/Advocatus faz-lhe uma resumo do mais importante.
No palco dos media
Foi a 26 de outubro de 2022 que este caso chegou aos “holofotes dos media”, quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que o Ministério Público (MP) estava a investigar o contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais, aprovado em 2020 pela Câmara de Caminha, para a construção do Centro de Exposições Transfronteiriço (CET).
Isto depois de o Público ter avançado um alegado “adiantamento duvidoso” de 300 mil euros para aquele projeto, feito pelo agora secretário de Estado-Adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, quando liderava a Câmara de Caminha, no distrito de Viana do Castelo.
Mas que contrato-promessa de arrendamento para fins não habitacionais foi esse? O que se sabe é que foi aprovado em 2020, pela maioria socialista na Câmara de Caminha, que era na altura liderada por Miguel Alves, e, por maioria, na Assembleia Municipal, com vista à construção do CET. Este contrato foi estabelecido com a empresa Green Endogenous, empresário Ricardo Moutinho.
Em abril de 2021, o município adiantou ao promotor uma verba de 369 mil euros para a concretização da obra, que nunca avançou. Daquele montante, 300 mil euros serviriam como adiantamento das rendas relativas ao 25.º ano do arrendamento e os 69 mil euros ao pagamento do IVA.
Apesar da aprovação deste contrato pela maioria socialista, os três vereadores do PSD que integravam a Câmara de Caminha rejeitaram aquele contrato por “não defender os interesses” do concelho e “visar a fuga ao visto do Tribunal de Contas”.
Em outubro de 2022, Rui Lages, atual presidente da Câmara de Caminha, reagiu a esta polémica e rejeitou qualquer “dúvida ou ilegalidade” nesse contrato-promessa.
E como reagiu o principal visado Miguel Alves? O até então secretário de Estado Ajunto do primeiro-ministro António Costa optou pelo silêncio. Mas dias depois veio a público dizer que “esteve a dirigir as primeiras explicações da PGR” e que apresentou a total disponibilidade para prestar esclarecimentos. Em entrevista aos meios de comunicação, mostrou-se seguro da legalidade do processo.
Miguel Alves é acusado e demite-se
A 10 de novembro de 2022 é conhecido o despacho: Miguel Alves é acusado de prevaricação pelo Ministério Público. O MP afirma que o antigo presidente da Câmara de Caminha violou normas de contratação pública, quando acordou com a empresária Manuela Couto a prestação de serviços de assessoria de comunicação para o município.
Miguel Alves e Manuela Couto foram assim acusados, em coautoria, na forma consumada, de um crime de prevaricação, punido até cinco anos de prisão. A investigação que levou o MP a acusar ambos teve origem “em denúncia anónima”.
Nenhum dos arguidos requereu a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um juiz de instrução criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento, por isso o processo seguiu diretamente para julgamento no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
E o que é o crime de prevaricação? O nosso Código Penal define o que é este crime. É um tipo de crime contra a administração pública/Estado, cometido por funcionário público. Na prevaricação, o agente, no exercício da sua profissão, deixa de praticar atos necessários, ou até os pratica, mas de forma mais demora. Ou ainda, comete atos contrários ao que é disposto no ordenamento jurídico, ou seja, age de forma ilegal. Pode ser punido com pena de dois anos de prisão, mas se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até 5 anos.
Na sequência da acusação e no mesmo dia, Miguel Alves demitiu-se, depois da acusação por prevaricação. Demissão essa que já foi aceite pelo primeiro-ministro António Costa.
“Face à acusação deduzida pelo MP, e mesmo não tendo conhecimento dos seus termos e pressupostos, entendo não estarem reunidas as condições que permitam a minha permanência no Governo de Portugal. Agradeço a confiança depositada em mim pelo primeiro-ministro, o trabalho que foi possível fazer com todos os membros do Governo ao longo das últimas semanas. Estou de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões que tomei ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da Justiça”, escreveu Miguel Alves, numa carta enviada a António Costa.
Costa aceitou a demissão de Miguel Alves. “O primeiro-ministro recebeu e aceitou o pedido de demissão do Dr. Miguel Alves das funções de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, tendo já proposto a sua exoneração ao senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa”, segundo comunicado do gabinete de António Costa.
O primeiro-ministro reagiu à demissão e disse que entendeu que “passando a haver uma situação de acusação, devia sair do Governo e exercer o seu direito de defesa”. António Costa lembrou que também já foi arguido – ainda que não acusado – e que sabia dos processos que envolviam Miguel Alves antes de o convidar para o Governo.
O que diz o despacho de acusação?
O despacho de acusação do Ministério Público afirma que o antigo presidente da Câmara de Caminha violou normas de contratação pública, quando acordou com a empresária Manuela Couto a prestação de serviços de assessoria de comunicação para o município.
A acusação refere que o processo teve origem numa denúncia anónima efetuada no Portal do Departamento Central de Investigação e Ação Penal em 3 de julho de 2019, a dar nota de que Miguel Alves, “celebrara vários contratos com a empresa MIT – Make It Happen, Branding Comunicacional, Lda, sociedade da empresária Manuela Couto”, em 2015 e em 2016.
Segundo a acusação, em 2014, Miguel Alves e Manuela Couto “mantiveram contactos com vista à prestação de serviços de comunicação, gestão de imagem e assessoria de comunicação à autarquia pelas sociedades MIT e Mediana”, detidas e controladas pela arguida.
O despacho refere que os arguidos, em reunião realizada em 4 de julho de 2014 na Câmara Municipal de Caminha, acordaram que uma das empresas “começaria, de imediato, a prestar serviços de assessoria de comunicação ao município”.
O MP diz que, pelo menos, durante o mês de julho de 2014 e a partir daquela data, a arguida Manuela Couto “determinou que funcionárias das suas empresas, nomeadamente da MT e da Mediana, prestassem serviços de assessoria de imprensa e promoção do município de Caminha, o que fez com conhecimento e acordo do arguido Miguel Alves”.
“Estes serviços de comunicação e assessoria foram efetivamente prestados pelas duas empresas MIT e Mediana (…), mas sem qualquer enquadramento formal, contratual ou contabilístico, nomeadamente, sem qualquer requisição externa, nota de despesa ou de encomenda ou documento equivalente, com vista à faturação dos serviços prestados pelas empresas à câmara, o que era do conhecimento do arguido Miguel Alves”, sustenta a acusação.
O MP explica que, “somente a 30 de março de 2015, por determinação do arguido Miguel Alves, e depois de já prestados” os serviços pela MIT e pela Mediana à autarquia, “sem qualquer procedimento de contratação ou suporte legal ou documental”, é que o então presidente deste município do distrito de Viana do Castelo “determinou e provocou o início de procedimento de contratação pública”.
O Portal Base apresenta dois contratos por ajuste direto no valor total de 71 mil euros (com IVA).
Para o MP, Miguel Alves, enquanto presidente da Câmara de Caminha, “agiu livre e lucidamente, em conjugação de esforços e fins com a arguida Manuela Couto, contratando os serviços de empresas” da arguida “sem qualquer procedimento de contratação pública”.
“Ainda em conjugação de esforços com Manuela Couto, o arguido provocou a necessidade de contratação de serviços de assessoria de comunicação para que fosse dado início a procedimento de contratação pública, bem sabendo que o mesmo teria de ter como resultado a adjudicação de tais serviços à IMT (ou a qualquer outra empresa gerida por Manuela Couto), por ter já incorrido na obrigação de pagamento de serviços já prestados”, frisa a acusação.
Para o MP, Miguel Alves violou as normas de contratação pública sobre a aquisição de serviços. “Que bem conheci e estava obrigado a respeitar, designadamente o procedimento de formação do contrato no que respeita à decisão de contratar e à sua fundamentação, à decisão de escolha do procedimento, ao convite à apresentação de proposta, à análise da proposta e do seu preço, à decisão de adjudicação , à redução do contrato a escrito, que no caso foram inexistentes”, sublinha o despacho de acusação.
Decisão desfavorável da Câmara de Caminha põe ponto final a centro de exposições
No início de dezembro do ano passado, a Câmara de Caminha assinou um despacho que ratificou a decisão desfavorável proposta pelos serviços de urbanismo ao Pedido de Informação Prévia (PIP), apresentado pelo empresário Ricardo Moutinho, para a construção de pavilhão multiusos.
O PIP foi apresentado em agosto pela empresa Green Endogenous, de Ricardo Moutinho, à autarquia de Caminha para a construção, nas freguesias de Argela e Vilar de Mouros, do CET e de um parque de ciência e tecnologia automóvel.
Rui Lages, presidente da Câmara de Caminha, explicou na altura que assinou o despacho após ter recebido a informação técnica dos serviços de urbanismo relativa ao PIP Vilar de Mouros e Argela, propondo que fosse “proferida decisão desfavorável ao PIP” para a construção do CET “sustentada no Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE)”.
Em novembro, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Administração da Região Hidrográfica do Norte (ARH Norte) e as Infraestruturas de Portugal (IP) emitiram pareceres desfavoráveis ao projeto. As entidades alegaram que a viabilidade está dependente da aprovação de um plano de pormenor, uma vez que a operação que abrange áreas classificadas como a Reserva Ecológica Nacional (REN).
Em novembro, a Câmara de Caminha aprovou, por unanimidade, por proposta do presidente Rui Lages, a resolução do contrato promessa de arrendamento para fins não habitacionais celebrado, em 2020.
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