Do PRR à habitação, os focos de tensão entre Marcelo e Costa nesta legislatura
O pacote Mais Habitação voltou a ser um ponto de tensão entre o Presidente da República e o Governo, ainda que ambos desdramatizem a discordância. Marcelo já tinha avisado que ia estar mais atento.
Depois de um primeiro mandato com altos e baixos, o segundo mandato do Presidente da República está a ser marcado por vários momentos de tensão com o Governo e, em particular, com António Costa. O pico dessa tensão foi no caso João Galamba, que o primeiro-ministro insistiu em manter no cargo apesar da discordância de Marcelo. Desde aí, o Presidente prometeu estar mais atento e não tem poupado as críticas, desde as negociações com os professores ao programa para a habitação, que vetou esta segunda-feira.
O Presidente “tem tido uma intervenção, não só política, ativa mas também de repreensão e posicionamento público que acaba por demarcar a relação com o primeiro-ministro, num plano pessoal e também no plano institucional”, nota a politóloga Paula Espírito Santo ao ECO. “Nota-se um grande desgaste e o Presidente está a levar por diante a afirmação de ser mais atento e exigir mais por parte do Governo”, acrescenta.
Apesar deste distanciamento, há também aspetos que teria sempre de chamar à atenção e são posições fundamentadas, ressalva. O próprio Presidente também salientou que a decisão não esteve relacionada com as tensões, sendo que vetou 33 diplomas em 1.700 e que “em 500 leis da Assembleia da República” vetou apenas 5%.
Certo é que a tensão entre os dois órgãos de soberania tem vindo a agudizar-se, sendo que já antes do “aviso” de Marcelo existiram choques entre as figuras políticas.
Apelos à execução do Plano de Recuperação e Resiliência
A execução dos fundos europeus foi desde o início uma das prioridades de Marcelo, mencionada até no discurso de tomada de posse em 2021. O Presidente tem feito vários apelos para que não se desperdice a oportunidade que representa o Plano de Recuperação e Resiliência, tendo até já avisado que não vai “perdoar” o Governo se falhar nesta tarefa.
Foi um “puxão de orelhas” direcionado à ministra da Coesão, que se encontrava na plateia para a qual o Presidente discursava, mas que era na verdade dirigido para todo o Governo. O Presidente alertou que as verbas do PRR “estão disponíveis num período de tempo que torna urgente a utilização de fundos”, mas deixou também um recado pessoal: “Para si [Ana Abrunhosa], é o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos não é a que deveria ser e nesse caso não lhe perdoo”.
Esta não foi a única ocasião em que mencionou os fundos europeus como uma área em que o Governo tinha de cumprir, sendo um aviso que tem vindo a fazer frequentemente.
Discórdia no questionário dos governantes
Quando se começaram a suceder vários casos de problemas que levaram à substituição de governantes, que fez com que a hipótese de uma dissolução da Assembleia da República estivesse presente nas declarações de vários políticos, o Executivo decidiu avançar com um questionário que futuros membros teriam de responder.
No entanto, houve discórdia quanto à aplicação deste: o Presidente da República insistiu que o questionário também se devia aplicar a quem já está em funções, devido ao “bom senso cívico”. Já António Costa defendia não haver necessidade disso: “o meu crivo já está feito”, disse o primeiro-ministro, rejeitando assim a interpretação do Presidente da República de que as perguntas se aplicam também aos atuais governantes.
Galamba fica contra a vontade de Marcelo
Os casos e ‘casinhos’ acabaram por culminar na polémica de João Galamba, que foi um verdadeiro foco de tensão entre os órgãos de soberania, que intensificou pedidos de dissolução da Assembleia da República por parte de alguns partidos. Em causa esteve uma polémica que irrompeu devido a acusações de ocultação de informação à Comissão Parlamentar de inquérito à TAP e que evoluiu para conflitos entre o ministro e o adjunto do gabinete, Frederico Pinheiro.
João Galamba chegou a entregar a demissão, mas António Costa não aceitou. O Presidente da República fez saber que discordava desta decisão e avisou que iria estar “ainda mais atento no dia-a-dia”.
Na declaração ao país onde prometeu estar mais atento à atuação do Governo, o Presidente da República destacou alguns “problemas do dia-a-dia” onde se ia focar: “os preços dos bens alimentares, o funcionamento das escolas, a rapidez na justiça e o preço da aquisição da habitação”.
Marcelo critica diploma sobre professores
A resposta às reivindicações dos professores é outro tema sensível para o Governo, que enfrentou várias greves ao longo do último ano letivo. Após negociações com os sindicatos representantes dos professores, o Ministério avançou e aprovou uma proposta que ainda tinha sido criticada pelos docentes.
O Presidente da República não deixou passar e vetou, apontando a “frustração da esperança dos professores ao encerrar definitivamente o processo” e considera que a solução encontrada pelo Governo cria “uma disparidade de tratamento entre o Continente e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”.
No entanto, logo no dia seguinte o diploma foi devolvido a Belém com alterações e entretanto já foi promulgado. “A discórdia nos professores tem sido regular”, recorda a politóloga Paula Espírito Santo, apontando que “Marcelo não se identifica com a decisão do Governo mas acabou por não prolongar a situação de não resolução” numa altura em que se aproxima o regresso das aulas.
Veto ao pacote Mais Habitação com duras críticas
O mais recente episódio de tensão entre Marcelo e Costa diz respeito ao pacote Mais Habitação. Depois de sinalizar já alguns problemas, o Presidente da República acabou mesmo por vetar o diploma, escrevendo uma extensa nota sobre as razões que o levaram a tomar a decisão do ‘chumbo’. Não foram motivos de constitucionalidade, sendo um veto político.
“Logo a 9 de março, me pronunciei sobre os riscos de discurso excessivamente otimista, de expectativas elevadas para o prazo, os meios e a máquina administrativa disponíveis e, portanto, de possível irrealismo nos resultados projetados”, lê-se. E, mesmo com as alterações introduzidas pelo PS no Parlamento, “seis meses depois, o presente diploma, infelizmente, confirma esses riscos”, sublinha o Chefe de Estado, que elenca oito riscos e críticas ao diploma que chegou a Belém.
Para a politóloga Paula Espírito Santo, este passo não foi determinado pela nova atitude que tem perante o Governo, ainda que possa facilitar a decisão. “O Presidente deve estar sempre atento, mas tendo em conta que há um distanciamento que se foi acentuando entre o Presidente e o Governo, sem qualquer tipo de constrangimento está à vontade para tomar a decisão”, aponta.
“Naturalmente é por ele que passa a fiscalização e o poder do veto, mas na verdade desencadeia o processo e quer também encontrar maior convergência entre as posições dos partidos, para também evitar-se uma legislação “diploma de cartaz”, quando são aprovados e cumprem requisitos formais mas não são aplicáveis”, nota.
Apesar destes objetivos, o PS já fez saber que pretende confirmar o diploma “tal como está” quando o Parlamento voltar aos trabalhos em setembro, pelo que tudo indica que não vão procurar consensos. Para a investigadora, esta posição ainda poderá mudar sendo que não fazer nenhuma alteração pode ser “desrespeitoso perante a figura do Presidente”.
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