Football Leaks. Apesar da pena suspensa, juíza diz que Rui Pinto tem “propensão para o crime”

O hacker está livre de ir para a prisão, já que a condenação de quatro anos foi apenas de pena suspensa. Rui Pinto considera, ainda assim, que "tem muito para dizer acerca desta decisão".

Rui Pinto não tinha antecedentes criminais, era jovem (menos de 30 anos), mostrou arrependimento e colaborou com várias autoridades judiciárias na luta contra a corrupção. Estes foram os argumentos, de forma resumida, invocados pela juíza Margarida Alves para, esta segunda-feira, ter condenado o arguido por nove crimes e a quatro anos de prisão, mas apenas com pena suspensa (e não efetiva). Em causa estavam 90 crimes mas a lista foi logo reduzida a apenas nove, já que o hacker português beneficiou da amnistia concedida pela lei aprovada em Julho, à conta da vinda do Papa na Jornada Mundial da Juventude.

Exatamente quatro anos depois da acusação, um dos julgamentos mais mediáticos dos últimos anos, resulta nesta condenação do pirata informático Rui Pinto, hoje com 34 anos e abrangido pelo programa de proteção de testemunhas. Mas uma condenação que soa a liberdade (devido à pena suspensa) do também adepto do Futebol Clube do Porto que – de 2015 a 2019 – acedeu ilegitimamente a mails de clubes desportivos (Sporting e Benfica), respetivos dirigentes (Bruno de Carvalho e Jorge Jesus), advogados de renome (um deles, João Medeiros, advogado do Sport Lisboa e Benfica) e até da Federação Portuguesa de Futebol e Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ou seja: a magistrada, que será a mesma a julgar José Sócrates no âmbito da Operação Marquês, sustentou a sua tese de aplicar apenas uma pena suspensa no testemunho do Diretor Nacional da PJ, realizado em sede de julgamento, quando este referiu que houve “uma evolução de Rui Pinto entre o momento em que começa por ser o autor solitário de um blogue e o momento em que entende divulgar junto de jornalistas os documentos que tinha na sua posse; acha que o mesmo já não queria ser um “simples ladrão de documentos, mas um cidadão que age em nome do interesse público”.

Mais: o arguido esteve já privado de liberdade durante mais do que um ano (em prisão preventiva) o que, “certamente, o fez refletir na gravidade da sua conduta pelo que entendemos ser possível formular um juízo de prognose favorável de que o mesmo daqui para a frente conformará a sua vontade de acordo com o direito e os valores jurídicos vigentes e que a situação apreciada no processo, não terá passado de uma fase grave, mas completamente ultrapassada, da sua vida”.

Rui Pinto foi condenado, no âmbito do caso Football Leaks, a dois anos pelo crime de extorsão, de um ano e três meses a um ano e seis meses por acesso ilegítimo e de seis a nove meses por violação de correspondência. A leitura do acórdão teve lugar esta segunda-feira, no Juízo Central Criminal de Lisboa. O coletivo de juízes sublinhou que o arguido teve mesmo a intenção de extorquir a Doyen e deu como provada a violação de correspondência à PLMJ, PGR e Federação Portuguesa de Futebol mas deu como não provados a violação de correspondência ao Sporting, Bruno de Carvalho e Jorge Jesus.

O hacker foi ainda amnistiado de 11 crimes de violação de correspondência simples, de 68 crimes de acesso indevido (por desconsiderar a agravação) e absolvido da sabotagem informática. Resumindo e baralhando, dos 90 crimes de que estava acusado, vai apenas cumprir uma pena de quatro anos de pena suspensa.

Mas, apesar desta decisão — que deixou o advogado de defesa Francisco Teixeira da Mota satisfeito – a magistrada, em jeito de contradição, explica no acórdão de quase 600 páginas – a que o ECO teve acesso – que os crimes praticados pelo arguido Rui Pinto não são o “resultado de um ato ocasional e fortuito, mas antes como resultado de uma atividade consistente e refletida, atenta a forma organizada, meticulosa e estruturada como atuou ao longo de um lapso de tempo de quase quatro anos”.

Crimes esse praticados com um “modus operandi engenhoso, com recurso à anonimização, exigindo conhecimentos de informática muito acima da média”, o que faz que seja forçoso “concluirmos estarmos perante mais do que uma simples acumulação de infrações, destacando-se já uma personalidade com uma certa propensão para a prática deste tipo atividade criminosa, denotando uma desconformidade com as regras de proteção da privacidade alheia e com os valores protegidos pela lei penal, fatores que não poderão deixar de ser ponderados”.

A juíza – ajudada por mais dois magistrados do coletivo – defendeu ainda que Rui Pinto divulgou informação “com relevância pública” mas, para logo de seguida dizer que essa mesma informação tem “relevância para algum tipo de público”, e que divulgou “curiosidades” e decidiu que “relativamente a parte da informação a que tinha acedido, cuja relevância para a sociedade não ignorava, entregá-la-ia a jornalistas e a entidades judiciárias”. Relembrando que o arguido também foi julgado e condenado pelo crime de extorsão. Ou seja: tentativa de obtenção de lucro com esta atividade criminosa.

“Não ignoramos as consequências de parte da sua atuação, a contribuição que as mesmas tiveram para a transparência de determinadas matérias, para o início ou desenvolvimento de investigações criminais, nem a evolução pessoal e comportamental que o mesmo demonstrou ter após o cometimento dos factos. Contudo, a totalidade da factualidade dada como provada resulta que a ilicitude dos factos é elevada tal como é a culpa”.

Rui Pinto estava acusado de crimes contra o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

Horas depois da leitura da decisão, na rede social Twitter, Rui Pinto dizia que ouviu “atentamente o resumo da sentença hoje proferida, e naturalmente há coisas que concordo, coisas que discordo, coisas pertinentes e coisas descabidas. Terei muito para dizer acerca desta decisão, mas não será hoje o dia. É um capítulo que se encerra, e a luta continuará”.

Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra e os advogados José Miguel Júdice, João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa, todos ex- advogados da PLMJ. O Ministério Público (MP) tinha pena de prisão efetiva.

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