Governo caiu, mas “ainda é prematuro fazer funeral do acordo de rendimentos”
Queda do Governo será oficial já no início do próximo mês, mas parceiros sociais não dão por perdido o acordo de rendimentos assinado em Concertação, até porque OE2024 vai viabilizar algumas medidas.
O acordo de rendimentos celebrado na Concertação Social foi tido como uma das grandes vitórias do Governo de António Costa. Único na Europa, segundo a ministra do Trabalho. E um exemplo de diálogo social, na visão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Promete resistir, pelo menos por agora, à queda do Executivo socialista, já que Marcelo Rebelo de Sousa decidiu permitir a aprovação do Orçamento do Estado para 2024, o que levará à concretização de algumas das medidas negociadas pelos parceiros sociais para o próximo ano.
“O acordo não terminou. Poderá, contudo, hibernar, na execução de algumas das medidas nele contidas até que o novo Governo nos venha dizer qual a sua posição sobre o mesmo. Até à data, o acordo não foi cessado e não temos indicação de que até 10 de março de 2024 algo semelhante venha a ocorrer”, sublinha a Confederação do Turismo de Portugal (CTP), em declarações ao ECO.
E do lado dos representantes dos trabalhadores, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT (a única central sindical que assinou o entendimento em causa) atira, na mesma linha: “É prematuro fazer o funeral do acordo de rendimentos“.
Convém explicar que o acordo de rendimentos foi celebrado com vista, por um lado, a convergir com a média da União Europeia no peso das remunerações no Produto Interno Bruto (PIB) e, por outro, a acelerar para 2% o crescimento da produtividade.
O entendimento foi originalmente assinado em outubro de 2022 pelo Governo, as quatro confederações patronais e a UGT, tendo como prazo o ano de 2026, altura em que o Governo de António Costa deveria terminar a legislatura em curso.
Uma investigação motivada por suspeitas de tráfico de influências nos negócios do lítio e do hidrogénio levou, contudo, a que António Costa tenha pedido demissão do cargo de primeiro-ministro a 7 de novembro, precipitando o fim dessa legislatura e colocando, por conseguinte, em cima da mesa a questão: afinal, o que acontece ao acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos?
Ora, uma vez que o Presidente da República decidiu adiar a formalização da exoneração de António Costa para o início de dezembro, o Orçamento do Estado para 2024 poderá ser aprovado pela maioria socialista.
Do reforço do IRS Jovem ao alívio das tributações autónomas, várias das medidas do acordo de rendimentos para o próximo ano constam desse documento, pelo que a sua aprovação garante, por agora, a continuidade do entendimento entre os parceiros sociais, entendem os mesmos.
“Assim, como o Governo aprovou o aumento da remuneração mínima mensal garantida, esperamos que grande parte das medidas do acordo venham ainda a ser concretizadas“, sublinha a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), referindo-se não só à redução das tributações autónomas, mas também ao incentivo ao abate de viaturas em fim de vida e às medidas de apoio ao setor dos transportes.
Fora do Orçamento do Estado, “a operacionalização das alterações ao Fundo de Compensação do Trabalho é outra matéria que pode prosseguir”, frisa a CCP. Conforme escreveu o ECO, esse ponto do acordo de rendimentos depende, neste momento, do “sim” de Marcelo Rebelo de Sousa, e já está fora das mãos do Governo demissionário.
A estas medidas, a confederação liderada por João Vieira Lopes acrescenta ainda que espera que haja condições para que avancem também as medidas de simplificação ao nível da relação das empresas com a Segurança Social.
No mesmo sentido, da parte do Turismo, chega o entendimento de que, estando as medidas do acordo para 2024 incluídas no Orçamento do Estado, cuja aprovação está assegurada, estas poderão, então, sair do papel, mantendo-se o acordo, apesar da crise política.
Esta visão é também partilhada pelo sindicalista Sérgio Monte, que avisa, por outro lado, que, “era o que faltava“, que, estando a aprovação do Orçamento do Estado garantida, os patrões não cumprissem também o que o acordo prevê para 2024 em matéria de salários (como contrapartida às medidas previstas no Orçamento), isto é, o referencial de 5% para a subida das remunerações do privado.
Questionada sobre essa face do acordo, a Confederação do Turismo de Portugal afirma que as obrigações que foram subscritas “mantêm-se intactas” até ao momento que um novo Governo vá à Concertação Social esclarecer “o que pretende fazer”. Sinaliza, portanto, que se mantém obrigada a respeitar esse referencial. Esse referencial, importa esclarecer, serve de guia à negociação, mas não é vinculativo.
Também a CCP garante que o aumento dos salários continua a ser uma prioridade, mas não deixa claro o alerta que é preciso também ter em consideração a sustentabilidade dos negócios. “A CCP continua a considerar que o país tem de dar um salto em termos de modelo económico, deixando de ter uma economia assente em baixos salários. Para 2024, tal como aconteceu em 2023, as empresas que tenham condições devem prosseguir uma trajetória de subida de salários, sem colocar em causa, naturalmente, a sustentabilidade dos negócios“, assinala a confederação.
Além do referencial de 5% para o aumento global dos salários, o acordo de rendimentos prevê a subida do salário mínimo em 2024 de 760 euros para 820 euros. Esse aumento já foi promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa, menos de 24 horas após ter sido aprovado em Conselho de Ministros.
Em causa fica, contudo, a trajetória futura da retribuição mínima garantida: o entendimento celebrado em Concertação Social já projetava que em 2026 o salário mínimo chegaria a, pelo menos, 900 euros, mas tal fica agora por garantir, dependendo, antes, da vontade do Governo que resultar da ida às urnas de março de 2024.
Parceiros querem acordo com novo Governo
Ainda que o país vá a eleições legislativas a 10 de março, os parceiros sociais acreditam que, querendo, poderá haver condições para o acordo de rendimentos se mantenha no prazo inicialmente previsto (até 2026).
“Acho que o Governo que virá a seguir também quererá cumprir esse acordo. Estamos em crer que honrará o acordo”, realça Sérgio Monte, que já tinha dito ao ECO que a UGT fará um esforço para que o entendimento possa ser ‘reassinado’ ou, no limite, renegociado com o próximo Executivo.
Da parte dos patrões, o Turismo garante que fará um esforço para que o entendimento seja revisitado ou reforçado, admitindo, por outro lado, criar de “algo novo”. “A CTP deseja-o e julgamos que um novo Governo também o vai desejar a bem da paz social e da dignidade do diálogo social em Portugal“, sublinha a confederação liderada por Francisco Calheiros.
No mesmo sentido, a CCP defende um contrato que “contemple um conjunto de áreas que interessam a cidadãos e empresas, abrangendo desde a economia à fiscalidade e a Segurança Social” e diz considerar que a Concertação Social “é a sede por excelência” para isso. “Estamos disponíveis para negociar as bases de um novo acordo com o Governo que resultar das próximas eleições“, assevera a confederação presidida por João Vieira Lopes.
De notar que o acordo de rendimentos já tinha sofrido um golpe ainda antes da demissão de António Costa, na medida que a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) decidiu não assinar o reforço deste ano.
Aliás, em outubro, Armindo Monteiro explicou aos jornalistas que as empresas que representa (cerca de 150 mil) se sentiam mesmo “desobrigadas” de cumprir o referido referencial de 5%. Isto a menos que o Orçamento do Estado para 2024 incluísse algumas das medidas propostas pela CIP para promover a produtividade e competitividade dos empregadores.
Os partidos têm, então, até esta terça-feira, dia 14 de novembro, para apresentar propostas de alteração ao Orçamento do Estado (eventualmente, nesse sentido). Já a votação final global está marcada para 29 de novembro. Depois disso, no arranque de dezembro, a demissão de António Costa será oficializada, e o país ficará, assim, com um Governo de gestão.
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