Casos da sustentabilidade: da descarbonização ao envolvimento com as comunidades
No ESG Forum, falou-se sobre o que empresas dos mais variados setores estão a fazer para atuar ao nível da descarbonização da atividade, mas também no que diz respeito à vertente social do ESG.
Controlar as emissões ambientais e a pegada ecológica, seja pelo combustível que utiliza ou pelo papel da cadeia de valor, é um desafio que as empresas enfrentam para atingir as metas de descarbonização. Com objetivos traçados até 2050, e algumas até 2030, certo é que a neutralidade carbónica e a sustentabilidade são conceitos que já não escapam ao léxico das organizações. Em paralelo, os esforços ocorrem na frente social, na qual as empresas avançam diversas iniciativas para promover o envolvimento com as comunidades e mesmo entre os trabalhadores.
“Não é só o setor dos combustíveis fósseis ou da eletricidade que têm que fazer esse caminho. Por imposição regulamentar da União Europeia, e pela própria competitividade, as empresas têm mesmo que se descarbonizar”, começou por referir Susana Carvalho, head of sustainability e climate transition da Bondalti, durante a sua intervenção na terceira edição do ESG Fórum, organizado pela PLMJ em parceria com o Capital Verde.
Segundo a responsável, a gigante portuguesa da área da química industrial aponta o rumo à descarbonização como uma peça-chave para o futuro da empresa, revelando que os compromissos assumidos nesse sentido, até 2030, estão a ser revistos de forma a serem “mais estruturados”. O objetivo da Bondalti é aderir aos Science Based Targets Initiative (SBTi), ou seja, definir objetivos climáticos mais alinhados com a ciência. “É o início de um caminho mais estruturado. Em 2024 [o plano] será oficializado”, revelou.
Mas até lá, o maior produtor de cloro ibérico já colocou em ação um conjunto de iniciativas que permite limitar o impacto das suas operações no ambiente. A nível das emissões diretas (scope 1 e 2), Susana Carvalho revela que estas estão “bastante reduzidas” e que relativamente às emissões indiretas (scope 3) está a ser desenvolvido um programa de compras sustentáveis através da identificação de “fornecedores críticos”.
“Estamos a começar esta jornada com eles também”, indicou, dando conta que a relação que estabelecem com os clientes é, também ela, relevante: “Queremos perceber de que forma os nossos produtos são utilizados pela indústria transformadora. Queremos que tenham uma utilidade sustentável”, frisou.
A atenção virada pelos clientes é um objetivo partilhado pelos bancos. De acordo com a ESG and Green Finance diretor do Santander, o foco já não recai apenas em tornar as empresas mais sustentáveis, passa também por querer ter uma carteira de ativos também ela alinhada com esses objetivos, e preparada para as exigências associadas à taxonomia europeia. Este mecanismo europeu foi criado para facilitar a identificação de atividades económicas que são qualificadas como sustentáveis, com base em critérios técnicos que vão ao encontro dos objetivos “verdes” da União Europeia.
“No Santander, o objetivo é que também os nossos clientes sejam sustentáveis”, apontou Susana Bernardo Antunes, durante a sua intervenção no debate. “Os bancos têm um papel fundamental na literacia. Há um tsunami regulatório na Europa que afeta muitas empresas e apesar de a regulamentação [da taxonomia] ser neste momento restrito a um conjunto de empresas, vai ser alargado no tempo a um maior número de organizações. É um caminho difícil mas que vai ter que ser feito”, frisou.
Este apoio é igualmente prestado no setor agrícola. Francisco Gomes da Silva, sócio gerente da consultora Agro.Ges, recorda que embora o setor agrícola esteja, para já, de fora da abrangência da taxonomia, os produtores agrícolas “deverão aparecer rebocados pelas maiores empresas que estão mais à frente nas fileiras”. “O trabalho terá que ser feito”, apontou durante a sua intervenção no painel.
Mas existem dificuldades, desde logo a nível do capital. Segundo a responsável do Santander, o acesso a tecnologias inovadoras que permitam acelerar a descarbonização dos processos produtivos exigem, por norma, investimentos significativos “e as empresas com menores recursos têm menos capacidade para investir”, argumenta. Algo que não se verifica no setor energético, por exemplo, que considera estar “a liderar esse trabalho”.
Em representação do setor elétrico, a subdiretora de gestão de sustentabilidade da E-Redes, Inês Cândido Silva, relembra que a empresa responsável pela distribuição de energia na baixa tensão em Portugal tem investido nos últimos anos na modernização das redes com vista a torná-las mais inteligentes. A expectativa é chegar a 2024 com a rede elétrica a nível nacional completamente adaptada.
“Neste momento, 81% da rede já tem contadores inteligentes instalados e o horizonte estipulado pela ERSE [Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos] é que no final de 2024 tenhamos a rede 100% inteligente”, apontou Inês Cândido silva, sublinhando que a eletrificação da rede é um passo chave na descarbonização não só das empresas, mas também do país.
Investimentos significativos tem também levado a cabo a Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris Internacional. À semelhança da casa-mãe, a produtora de tabaco em Portugal pretende descarbonizar a sua operação de modo a torná-la não só sustentável do ponto de vista ambiental, mas também a nível social. A estratégia da Tabaqueira, alinhada com a da PMI, passa por querer abandonar os produtos tradicionais de tabaco e transitar para uma estratégia sem fumo, com tabaco aquecido. Em Portugal, as máquinas iQOS já chegaram 500 mil consumidores.
“Estamos a trabalhar na transformação da empresa desde 2016. E, sendo a Tabaqueira que produz e comercializa produtos de tabaco, sustentabilidade tem que começar com o próprio produto”, apontou Rosalina Tanganho, external affairs & sustainability coordinator da Tabaqueira, durante a sua intervenção.
Empresas querem-se mais próximas das comunidades
No âmbito do conceito da Agenda 2030, além de procurar gerar valor para os acionistas, as empresas devem também procurar beneficiar a comunidade onde estão inseridas. Em Portugal, esse trabalho tem sido levado a cabo por vários setores que estiveram representados no painel “Impacto Social, Envolvimento da Comunidade e Governance” no ESG Fórum.
No setor da saúde, os mais de 13 mil trabalhadores da CUF, distribuídos pelos 24 hospitais em Portugal e nos Açores, são os principais beneficiários de uma estratégia que visa promover o bem-estar dentro do grupo. Segundo a diretora de Cidadania Empresarial, a gigante de saúde tem procurado levar a cabo uma estratégia que vai além dos esforços do Código de Trabalho por considerar que “os profissionais de saúde têm mais riscos do que outros grupos profissionais”.
“Têm que ser protegidos. Fazemos este extra mile porque ser um hospital que está aberto 24 horas, 365 dias por ano, que promove o bem-estar e a saúde é um desafio”, admite Mariana Ribeiro Ferreira, revelando que os benefícios extra salariais dos colaboradores estendem-se também às famílias e traduzem-se em acessos a cuidados de saúde gratuitos ou até mesmo ações de voluntariado. “Precisamos todos de sentir que estamos a ser úteis para a comunidade”, sublinhou a mesma durante a sua intervenção.
Este contacto com a comunidade é prioridade para o BCP, que diz estar a levar a cabo a transição digital com uma “interface humana”. Para o head of sustainability do banco o garante de um equilíbrio entre os avanços tecnológicos das empresas e as necessidade e dificuldades dos clientes é, por vezes, “difícil” mas é um caminho que deve ser feito.
“Fazemos isso com a existência de sucursais ou ATM mais próximos das pessoas e de melhorias na aplicação”, refere, a título de exemplo, João Brandão de Brito, durante a sua intervenção. Mas a intervenção do banco vai além disso, e assume, também, a forma de mecenato. Com a Fundação BCP, o banco áreas como as artes, o desporto e a ciência e segundo Brito “[o mecenato] é uma área que tenderá a engrossar-se”.
O setor da tecnologia também esteve representado no painel. Na Siemens, a sigla ESG assume uma aparência renovada assente em cinco pilares: descarbonização, ética, governança, eficiência de recursos, equidade e empregabilidade (DEGREE).
“Todos estes conceitos têm a mesma importância. É uma forma diferente de trabalhar e acrescenta foco e o sentimento do “eu contribuo“”, explicou Margarida Alves, head of degree da Siemens Portugal dando conta que a tecnológica alemã tem procurar levar a cabo iniciativas, nomeadamente, 16 horas de voluntariado, que permitem “aproximar” os mais de três mil trabalhadores da Siemens “das comunidades”.
Na Fidelidade, a promoção do bem-estar e da saúde junto das comunidades assume a forma de incentivos. De acordo com João Mestre, através de uma modalidade da Multicare os clientes podem receber incentivos em troca do cumprimento de um conjunto de objetivos que têm como finalidade melhorar a qualidade de vida e promover a mudança de comportamentos. “Queremos que os nossos clientes sejam saudáveis”, frisou o head of sustainability da seguradora portuguesa considerando que o bem-estar dos clientes é fundamental para a própria “saúde” da empresa.
Mas além dos clientes, o foco também é virado para os colaboradores. Não faz sentido prestar apoio externo sem o fazer também internamente”, referiu o responsável da Fidelidade, revelando que a última crise financeira, em 2008, motivou a seguradora a criar um programa de apoio aos colaboradores.
S de ESG ganhou “um charme diferente”
O menos sonante “S” da sigla ESG, referente à responsabilidade social, esteve em destaque numa conversa com Isabel Jonet, Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, que considera que esta vertente “não perdeu o charme”, estando a sofrer uma transformação.
“Não acho que a responsabilidade social tenha perdido charme. Ganhou um charme diferente. Mas se não tivermos cuidado [esta transformação] pode matar o essencial“, alertou.
Para Jonet, a responsabilidade social deve estar alinhada com a criação de riqueza. Lembra, por exemplo, que existem benefícios fiscais para as empresas que atuam nesta área. “É essencial que esteja incluído nos valores das empresas criar impacto, porque podem estar a condena-se a si próprias, ao diminuir o número de consumidores que compram aquele produto“, pontua. Mas isto, sem descurar a saúde financeira.
E há outros benefícios para as empresas que se envolvem em causas sociais. “Não imaginam a quantidade de empresas que levam voluntários ao banco alimentar”, partilha, dizendo que este tipo de atividade tem um impacto positivo nos trabalhadores das empresas que as promovem.
Não me parece que a conjuntura venha dificultar as decisões. Até as pode vir a facilitar quando são convictas.
“Social é o impacto que temos na comunidade. Temos de nos preocupar com os mais frágeis da comunidade, obviamente, mas temos de ter a capacidade de deixar uma marca dentro da empresa onde colaboramos”, defende.
Confrontada com a possibilidade de as empresas se retraírem na frente social, numa conjuntura económica mais desafiante que agora atravessam, Jonet não tem dúvidas: “Não me parece que a conjuntura venha dificultar as decisões. Até as pode vir a facilitar quando sao convictas”, alega.
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